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I. Das Declarações para memória Futura

8. Hiperligações e referências bibliográficas 1 Hiperligações

2.5. As declarações para memória futura e o processo tutelar educativo IV Hiperligações e referências bibliográficas

I. Introdução

O presente trabalho versa sobre o tema das declarações para memória futura, quer, num primeiro momento, numa vertente teórica sobre o mesmo, quer, em seguida, ao nível da prática e gestão processual, o que tem convocado questões particulares e, por vezes, de difícil resposta.

Tem-se vindo a assistir à mudança de paradigma das razões que estiveram na base da previsão, pelo legislador, do regime processual das declarações para memória futura que, em boa verdade, se tem afastado gradualmente da sua génese e motivações que se prendiam apenas com as dificuldades de obtenção da prova, acolhendo outras preocupações atinentes à protecção das vítimas. Assim, a preocupação central de todos os intervenientes judiciários relaciona-se, muito em especial, com os casos em que as necessidades que fundamentam a realização da diligência se prendem com a salvaguarda dos interesses das vítimas menores, os das vítimas especialmente vulneráveis e, com especial relevo e discussão na actualidade, os das vítimas do crime de violência doméstica.

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4. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

De facto, os propósitos da lei configuram um enorme desafio para o magistrado do Ministério Público que, no seu percurso de descoberta da verdade material, por vezes navega entre a lógica inerente ao inquérito e à recolha de prova em ordem à prolação de uma decisão final de inquérito e uma outra lógica que se prende com a protecção dos interesses da vítima, incumbindo-lhe encontrar soluções que possam servir, da melhor maneira, uns e outros interesses.

II. Objectivos

Dirigindo-se aos aplicadores e pensadores do Direito em geral, embora centrado, em particular, na actuação e papel da magistratura do Ministério Público, o presente trabalho pretende analisar criticamente o actual regime processual das declarações para memória futura, introduzindo uma pequena reflexão sobre a prática judiciária hodierna, mediante a recolha das diferentes perspectivas doutrinais e jurisprudenciais.

Visa-se, pois, após uma breve exposição sobre os traços gerais das declarações para memória futura, suscitar as questões mais prementes na prática judiciária hodierna e, sem a pretensão de alcançar soluções estanques, colocar alternativas e procurar abrir portas para o debate, despertando, no leitor, uma reflexão sobre o tema.

III. Resumo

Em síntese, a vertente exposição iniciar-se-á com um breve estudo sobre a génese e evolução das declarações para memória futura, seguindo-se uma análise acerca do respectivo objecto e fundamentos, quer no seio do Código de Processo Penal, quer no âmbito da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, da Lei de Protecção de Testemunhas e, ainda, do Estatuto da Vítima. Após, prosseguir-se-á com uma alusão aos traços gerais do procedimento, convocando algumas questões particulares objecto de controvérsia no seio da doutrina e jurisprudência e, ainda, ao regime da leitura e valoração das declarações para memória futura em sede de julgamento. No capítulo que se seguirá, destinado a uma abordagem incidente na prática e gestão processual, pretende-se suscitar questões e problemas com que o magistrado do Ministério Público se tem deparado no quotidiano da sua vida prática, concitando possíveis soluções com alusão a exemplos práticos e jurisprudência, em especial no que se refere aos casos das vítimas menores de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual.

1. Enquadramento Jurídico

1.1. Finalidades e natureza excepcional das declarações para memória futura

O regime das declarações para memória futura enquanto modo de produção antecipada da prova em qualquer fase do processo penal representa uma clara excepção ao comando

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4. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

normativo ínsito no artigo 355.º, n.º 1, do Código de Processo Penal que estatui que “não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência”.

O processo penal de estrutura acusatória, entre nós constitucionalmente consagrada, impõe que a produção de prova que fundamenta a convicção do tribunal tenha lugar em audiência à luz de três princípios norteadores: os princípios da imediação, oralidade e contraditório.1

Assim, embora no plano estritamente doutrinário as declarações para memória futura pareçam contender com os princípios referidos supra, o legislador, na consagração do respectivo regime impôs a observância de determinadas garantias e procedimentos no sentido de impedir uma significativa alteração da estrutura do processo e, bem assim, garantindo a salvaguarda dos direitos de defesa do arguido, admitindo um meio cautelar de conservação da prova de elevado pragmatismo susceptível de elevar os níveis de eficácia probatória em matéria penal, de inestimável importância mormente para quem leva a cabo e dirige a investigação como seja o Ministério Público.

Com a entrada em vigor do Código de Processo Penal de 872, a finalidade originária do regime

das declarações para memória futura fundou-se no justo receio da dificuldade ou impossibilidade da produção de prova em audiência, o que redundou na previsão da possibilidade de produção antecipada de prova nos casos de doença grave ou deslocação da testemunha para o estrangeiro. Todavia, o legislador veio, ulteriormente, com a entrada em vigor da Lei n.º 58/98, de 25 de Agosto, estender a possibilidade de recorrer às declarações para memória futura quando fosse necessário inquirir as vítimas dos crimes de tráfico de pessoas e crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual.

O alargamento nos termos referidos deveu-se, contudo, a uma ordem bem diferente de razões. O que esteve na sua base não foi, pois, o perigo da perda da prova mas, antes, a protecção das vítimas de determinados tipos de crime, em especial as vítimas menores de idade, atenta a sua especial vulnerabilidade, evitando-se os sucedâneos contactos revitimizadores com a justiça, o que justificou a previsão de um fundamento autónomo que dispensa o requisito da previsível impossibilidade de comparência das vítimas em audiência de julgamento.

As declarações para memória futura surgem, assim, como uma verdadeira excepção ao princípio da imediação, na medida em que a prova recolhida sob a égide do juiz de instrução pode ser tomada em conta em sede de audiência, pelo que, no fundo, se está perante “uma antecipação parcial do julgamento”3, o que justifica a atribuição do carácter contraditório pela

lei à diligência, com a obrigatoriedade da presença quer do Ministério Público, quer do defensor.

1 Assim, CUNHA, Damião, “O Regime Processual de Leitura de Declarações na Audiência de Julgamento (arts. 356.º e

357.º do CPP) (Algumas reflexões à luz de uma recente evolução jurisprudencial)”, Revista Portuguesa de Ciência

Criminal, Ano 7, Julho-Setembro 1997, pp. 404 e 405.

2 Operada pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro.

3 Vide, COSTA, Maia, “Código de Processo Penal Comentado” – anotação ao artigo 271.º, 2.ª edição revista,

Almedina, 2016, p. 917.

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Quanto a nós, cremos que com o regime vigente logrou-se o equilibro entre os interesses em confronto, mormente entre as garantias de defesa do arguido constitucionalmente consagradas nos n.ºs 1 e 5 do artigo 32.º da Lei Fundamental e o interesse da comunidade na descoberta da verdade e realização da justiça.

1.2. O regime jurídico: génese e evolução

O regime jurídico das declarações para memória futura encontra-se consagrado nos artigos 271.º (na fase de inquérito), no artigo 294.º (na fase de instrução) e no artigo 320.º (já após o início formal da fase de julgamento, mas antes da audiência propriamente dita), todos do Código de Processo Penal. Também o artigo 356.º, n.º 2, alínea a), do mesmo diploma legal lhes faz referência ao permitir, em sede de julgamento, a leitura das declarações prestadas nos termos dos artigos 271.º e 294.º, elencando-as como excepção ao regime geral do artigo 355.º a que acima aludimos.

Em boa verdade, a possibilidade de antecipação da prova com fundamento em doença ou deslocação para o estrangeiro não constitui novidade no ordenamento jurídico português remontando às Ordenações Filipinas.4

O texto originário inserto no Código de Processo Penal de 87 previa apenas os dois fundamentos referidos para o recurso ao mecanismo que ora nos ocupa, apenas tendo nascido a preocupação com as vítimas dos crimes sexuais já após a entrada em vigor da Lei n.º 58/98, de 25 de Agosto.

Contudo, foi apenas com a Lei n.º 48/2007 que a redacção originária do artigo 271.º do Código de Processo Penal sofreu numerosas e profundas alterações, desenhando-se, assim, o actual e vigente regime das declarações para memória futura, tendo o segmento que convoca os fundamentos que justificam o recurso ao mecanismo sob análise acrescentado os casos em que a testemunha é “vítima de crime de tráfico de pessoas ou contra a liberdade e autodeterminação sexual”.

1.3. O objecto das declarações para memória futura

Nos termos do preceituado no artigo 271.º, n.ºs 1 e 7, do Código de Processo Penal são admissíveis, taxativamente, os seguintes actos processuais para memória futura: a inquirição de testemunha, a tomada de declarações ao assistente e a tomada de declarações às partes civis, no caso de doença grave ou deslocação para o estrangeiro que as impeçam de ser ouvidas em julgamento ou, se forem vítimas dos crimes do catálogo; a tomada de declarações ao perito ou consultor técnico em caso de doença grave ou deslocação para o estrangeiro que os impeçam de ser ouvidos em julgamento; acareações entre testemunhas, assistentes ou partes civis, desde que se verifique quanto a um dos participantes doença grave ou deslocação

4 Cfr. BUCHO, Cruz, “Declarações para memória futura (elementos de estudo), 2012, disponível em

https://www.trg.pt/ficheiros/estudos/declaracoes_para_memoria_futura.pdf, p. 28.

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4. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

para o estrangeiro que os impeçam de ser ouvidos em julgamento ou se ele for vítima do crime do catálogo.5

Todavia, tem sido alvo de discussão na doutrina a admissibilidade do reconhecimento (artigo 147.º e seguintes) e da reconstituição do facto (artigo 150.º) como actos processuais para memória futura. Paulo Pinto de Albuquerque admite que o regime do artigo 271.º e 294.º possa ter por objecto “o reconhecimento feito por testemunha, assistente ou parte civil com doença grave ou deslocação para o estrangeiro, que o impeça de ser ouvido em julgamento, ou se ele for vítima dos crimes do catálogo legal” e “a reconstituição do facto com participação de testemunha, assistente ou parte civil com doença grave ou deslocação para o estrangeiro, que o impeça de ser ouvido em julgamento, ou se ele for vítima do catálogo legal”, com o principal argumento de que as declarações prestadas nessa sede inserem, igualmente, “declarações”, pelo que integrantes do teor literal das disposições referidas.6

De outra parte, refutando semelhante entendimento, Cruz Bucho sustenta que quer o reconhecimento quer a reconstituição consubstanciam meios probatórios autónomos, não reconduzíveis à natureza da prova testemunhal ou da prova por declarações do assistente ou das partes civis, não obstante a circunstância de poderem, no seu âmbito, ser produzidas declarações.78

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