• Nenhum resultado encontrado

I. Das Declarações para memória Futura

1. Declarações para Memória Futura

2.1. Fundamentos da Antecipação no Código de Processo Penal

São três os requisitos alternativos para haver lugar à tomada de declarações para memória futura:

• Doença grave que previsivelmente impeça a testemunha (assistente, parte civil, perito ou consultor técnico) de ser inquirida em julgamento;

• Deslocação para o estrangeiro que previsivelmente impeça a testemunha (assistente, parte civil, perito ou consultor técnico) de ser inquirida em julgamento;

• Crimes do catálogo (contra a liberdade e autodeterminação sexual e tráfico de pessoas);

2.1.1. Doença Grave

A doença tanto pode ser física como psíquica. Incluindo «as perturbações psíquicas graves derivadas de estados obsessivos-compulsivos, estados de pânico ou fobias, estados dolorosos crónicos, doenças nervosas e depressivas, esquizofrenia, toxicodependência, alcoolismo e

DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA

5. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

senilidade»10. Assim resulta do disposto no artigo 271.º, n.º 8, do Código de Processo Penal

quando impede a repetição da tomada de declarações em julgamento quando tal ponha em causa a «saúde física ou psíquica» da pessoa.

O simples impedimento físico-motor que apenas obsta a testemunha de, pelos seus meios ou acompanhada, se deslocar ao Tribunal para participar no julgamento, mas não a impede de ser ouvida, não justifica a tomada de declarações para memória futura (apenas autorizando o recurso ao mecanismo da tomada de declarações no domicilio (artigo 319.º do Código de Processo Penal).

A doença tem de ser grave. Ainda «que não seja adequada para considerar a pessoa como inimputável para efeitos civis ou nem mesmo como inimputável para efeitos criminais»11. Esta

gravidade afere-se pelo efeito inibidor da doença na pessoa, que obste a que preste um depoimento plenamente livre e consciente, no uso de todas as faculdades mentais.

Terá, esta doença grave, de ser actual, devendo verificar-se no momento em que se decreta o acto processual, e no momento em que este se realiza. Contudo, esta doença pode ser intermitente.

A doença grave não tem como requisito ser adequada a causar a morte.

A aliar ao requisito «grave», a doença tem de previsivelmente impedir a testemunha de ser ouvida em julgamento. Isto acontecerá nas situações de doença física permanente, doença psíquica crónica ou degenerativa, ou de doença de efeito intermitente em que exista risco considerável de ocorrência de um novo episódio da doença.

2.1.2. Deslocação para o Estrangeiro

A deslocação para o estrangeiro tem de ser por tempo prolongado e para além da data previsível do julgamento, ou por período indeterminado, sem data de regresso.

As declarações para memória futura podem, deste modo constituir um instrumento muito útil no caso de crimes cometidos em zonas de grande afluência turística, presenciados ou sofridos por cidadãos estrangeiros, os quais, na maioria dos casos, não pretendem comparecer em julgamento.

Sendo Portugal um país rico em receber turismo, alguém que possa presenciar ou ser vítima de um crime, em princípio não poderá comparecer em julgamento. Assim, a tomada de declarações para memória futura revela-se um meio muito eficaz de conservação da prova.

10 Paulo Pinto de Albuquerque, «Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da

Convenção Europeia dos Direitos do Homem», cit., p. 701.

11 Idem.

DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA

5. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

2.1.3. Juízo de Prognose

Tanto em caso de doença grave, como em caso de deslocação para o estrangeiro, a tomada de declarações para memória futura depende da formulação de um juízo de prognose sobre a impossibilidade de audição da testemunha (do assistente, partes civis, perito ou consultor) que previsivelmente a impeça de ser ouvida.

O pressuposto da antecipação é, assim, a previsibilidade do impedimento da testemunha (do assistente, partes civis, perito ou consultor) comparecer no julgamento por motivo de doença grave ou de deslocação para o estrangeiro.

2.1.4. Crimes do Catálogo

2.1.4.1. Crimes Contra a Liberdade e Autodeterminação Sexual

A Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, ao aditar ao artigo 271.º, n.º 1, do Código de Processo Penal a expressão «bem como nos casos de vítimas de crimes sexuais», veio ampliar o campo de aplicação do instituto da tomada de declarações para memória futura, acrescentando a possibilidade de inquirição antecipada das vítimas de crimes sexuais, pelo Juiz de Instrução. Esta possibilidade atinge carácter obrigatório nos casos de processo por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor. Assim dispõe o n.º 2 do artigo 271.º do Código de Processo Penal: «no caso de processo por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor, procede-se sempre à inquirição do ofendido no decurso do inquérito, desde que a vítima não seja ainda maior».

É assim de caracter obrigatório a tomada de declarações para memória futura do menor (aqui menor aquele que não completou ainda 18 (dezoito) anos de idade) vítima de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual.

A omissão da tomada de declarações para memória futura do menor vítima de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual constitui uma nulidade sanável do artigo 120.º, n.º 2, al.ª d) do Código de Processo Penal, pois que se trata de um acto legalmente obrigatório no inquérito.

Este aditamento permite evitar a repetida sujeição das vítimas a interrogatórios e também evitar os danos psicológicos implicados no relato sucessivo pelo declarante da sua dolorosa experiência e a sua exposição em julgamento.

Acresce que a fiabilidade do testemunho é condicionado pela passagem do tempo, de tal modo que quanto mais tardiamente for efectuada a produção da prova menor será, em princípio, a atendibilidade dos resultados obtidos. Pelo que, o recurso à tomada de declarações para memória futura irá permitir fixar os elementos probatórios relevantes a

DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA

5. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

partir do primeiro relato presumivelmente mais próximo e espontâneo, evitando o perigo de contaminação da prova.

2.1.4.2. Crime de Tráfico de Pessoas

A Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, ampliou ainda mais o catálogo de crimes que admitem a tomada de declarações para memória futura, incluindo o crime de tráfico de pessoas.

Tal como nos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto veio impor a obrigatoriedade da inquirição do ofendido no decurso do inquérito, desde que a vítima não seja ainda maior de idade.

Esta opção do Legislador pauta-se com a necessidade de evitar a vitimização através da repetição de inquirições acerca do mesmo assunto, o que seria doloroso para a criança, e ainda de evitar distorções da informação e, consequentemente, a alterações da percepção e relato do facto vivido, o que dificultaria integração psicológica da situação por parte da criança, e bem assim o inquérito.

Assim, o recurso à tomada de declarações para memória futura revela-se de particular importância para evitar os riscos da vitimização e de distorção probatória, evitando a necessidade do menor comparecer em julgamento.

A omissão da tomada de declarações para memória futura do menor constitui uma nulidade sanável, nos termos do disposto no artigo 120.º, n.º 2, al. d), do Código de Processo Penal, uma vez que se trata de acto legalmente obrigatório do inquérito12.

Outline

Documentos relacionados