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IV. Hiperligações e referências bibliográficas

1. Enquadramento Jurídico

1.2. O regime jurídico: génese e evolução

No processo penal português a produção antecipada de prova, teve a sua primeira manifestação, aquando da vigência do Código de Processo Penal de 1929 (Decreto-Lei n.º 16489, de 15 de Fevereiro de 1929), na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de Novembro, nomeadamente no seu artigo 15.º, segundo o qual “Havendo justo receio de vir a tornar-se impossível ou muito difícil o depoimento de certas pessoas, poderá o mesmo, a requerimento das partes ou por iniciativa do tribunal, ser produzido antecipadamente logo após se ter deduzido a acusação ou requerido o julgamento”. No entanto, esta diligência apenas poderia realizar após a dedução do respectivo despacho de acusação, isto é, após o encerramento da fase de Inquérito2.

O Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, na sua versão originária, consagrou no artigo 271.º as “declarações para memória futura”, sendo que o n.º 1 do referido artigo dispunha o seguinte: “Em caso de doença grave ou de deslocação para o estrangeiro de uma testemunha, que previsivelmente a impeça de ser ouvida em julgamento, o juiz de instrução, a requerimento do Ministério Público, do arguido, do assistente ou das partes civis, pode proceder à sua inquirição no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento”.

2 Embora não se nos afigure como uma escolha viável, dada a compressão de direitos fundamentais que estão em

causa aquando da investigação criminal, pelo que se exige um comando legislativo concreto e adequado a essa especificidade. No entanto, perante este cenário legal, havia a possibilidade de recorrer ao mecanismo civilista da produção antecipada de prova, nos termos do disposto no artigo 525.º do Código de Processo Civil (Decreto-Lei n.º 29637, de 28 de Maio), ex vi o artigo 4.º do Código de Processo Penal de 1929, segundo o qual “Havendo justo

receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil o depoimento de certas pessoas ou a verificação de certos factos por meio de inspecção ocular, podem o depoimento e a inspecção ter lugar antecipadamente e até antes de ser proposta a acção”, sendo que o requerente deveria, além de alegar sumariamente as razões justificativas da

antecipação da produção de prova, isto é, o periculum in mora, devia também identificar as pessoas contra quem essa prova iria ser produzida, para que fossem notificadas e pudesse exercer a sua defesa.

DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA

2. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

Com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, o artigo 271.º, n.º 1, do Código de Processo Penal passou a estipular que o testemunho das vítimas de crimes sexuais pode também ser obtido em declarações para memória futura.

Foi com a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto que a disposição constante do artigo 271.º do Código de Processo Penal passou a ter a redacção actual, do qual se ressalta o carácter obrigatório da realização das declarações para memória futura, no decurso do inquérito, quanto às vítimas menores de idade de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, desde que não sejam ainda maiores de idade3.

De referir ainda que a Lei de Protecção de Testemunhas (Lei n.º 93/99, de 14 de Julho), bem como o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas (Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro) e também o Estatuto da Vítima (Lei n.º 130/2015, de 04 de Setembro), consagram a realização da diligência da tomada de declarações para memória futura no caso de testemunhas ou vítimas especialmente vulneráveis, o que aprofundaremos adiante neste trabalho.

1.3. O objecto das declarações para memória futura

Quanto ao objecto das declarações para memória futura, da leitura do seu regime legal, resulta que são as declarações prestadas não só pelas testemunhas e pelas vítimas de certos crimes, mas também pelo assistente, pelas partes civis, pelos peritos e consultores técnicos (artigo 271.º, n.º 7, do Código de Processo Penal).

O referido artigo 271.º, n.º 7, do Código de Processo Penal alarga os efeitos desta diligência não só às inquirições tout court, mas também às acareações, reconhecimentos e reconstituições, o que se compreende, na medida em que se tratam também de meios de obtenção de prova, nomeadamente de declarações4.

A este respeito, o artigo 271.º, n.º 5, do Código de Processo Penal dispõe o seguinte: “A inquirição é feita pelo juiz, podendo em seguida o Ministério Público, os advogados do assistente e das partes civis e o defensor, por esta ordem, formular perguntas adicionais”. Neste sentido e revestindo esta diligência uma produção antecipada da prova que se irá produzir na audiência de julgamento, poderíamos afirmar, a priori, que vigoraria também quando da realização desta diligência o princípio do acusatório (artigo 32.º, n.º 5, da

3 Ao nível europeu, a preocupação com as crianças vítimas de abusos sexuais e a sua protecção no âmbito da

investigação criminal, nomeadamente a necessidade de evitar a sua sucessiva audição perante várias entidades ou a repetição da sua inquirição no processo crime, procurando evitar o fenómeno da vitimização secundária, também se fez sentir, entre outras na Recomendação do Comité de Ministros R(2001) 16 sobre a protecção das crianças contra a exploração sexual e Decisão-Quadro do Conselho da União Europeia relativa ao Estatuto da Vítima em Processo Penal (2001/220/JAI), que influenciaram a elaboração da Convenção do Conselho da Europa para a Protecção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais, em Lanzarote, a 25 de Outubro de 2007.

4 A este respeito MAIA COSTA, “Código de Processo Penal Comentado”, 2016, 2.ª Edição Revista, Almedina, página

919 e PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, “Comentário do Código de Processo Penal”, 2.ª edição actualizada, página 701.

DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA

2. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

Constituição da República Portuguesa), nomeadamente quanto à vinculação temática da factualidade indiciada até àquela fase do Processo.

No entanto, não podemos olvidar que, na maioria dos casos5, aquando da tomada de

declarações para memória futura, o processo está na fase de Inquérito, numa fase da investigação que pode ainda não ter as circunstâncias de tempo e lugar balizadas ou até mesmo sem arguido constituído.

Pelo que, o juiz aquando da inquirição está vinculado aos factos fornecidos pelos vários elementos coligidos nos autos até então, devendo ainda explorar a factualidade que no momento vai sendo relatada pela testemunha.

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