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IV. Hiperligações e referências bibliográficas

5. Gestão processual

5.1. O momento em que devem ser tomadas declarações para memória futura 6 Da uniformização de procedimentos

7. Conclusão

8. Hiperligações e referências bibliográficas

I. Introdução

As declarações para memória futura são um instituto jurídico essencial para o direito processual penal actual. Com efeito, atento o hiato temporal que pode existir entre a verificação de um determinado facto com relevância criminal e a audiência de discussão e julgamento respectiva, na qual, idealmente, se procede à inquirição de todas as testemunhas, a memória pode ser grandemente afectada, ou até corrompida, fazendo com que uma testemunha, à partida essencial à descoberta da verdade material, se torne totalmente irrelevante.

Acresce que a inquirição em sede de audiência de discussão e julgamento é, frequentemente, precedida de inúmeras outras diligências de inquirição (realizadas, por exemplo, por órgãos de polícia criminal, peritos médicos e até por magistrados do Ministério Público em diferentes jurisdições), situação que, não só, contamina o depoimento, como é ainda susceptível de resultar na revitimização dos ofendidos, os quais, por motivos que lhes são totalmente alheios, são forçados a reviver as situações por si vivenciadas vezes sem conta.

Ora, se por um lado, os objectivos do direito processual penal são a investigação dos factos tipificados pela lei penal como crime e a condenação (com vista à posterior reintegração na sociedade) dos seus agentes, estes objectivos não podem ser atingidos a todo o custo, sendo que, além dos direitos do arguido, os quais têm necessariamente de ser sempre salvaguardados, o legislador tem vindo a assegurar, de forma gradual, que também os interesses e direitos das vítimas são acautelados.

DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA

3. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

As declarações para memória futura, tal como se encontram hoje previstas no nosso ordenamento jurídico, traduzem essa intenção do legislador, daí a sua cada vez maior relevância.

2. Objectivos

Com o presente trabalho pretendemos, não só analisar o regime legal das declarações para memória futura, como também estudar qual a melhor forma de o enquadrar no âmbito do inquérito, cuja direcção cabe, nos termos do disposto no artigo 263.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ao Ministério Público.

Tentaremos ainda analisar a possibilidade das declarações prestadas de acordo com o procedimento previsto nos artigos 271.º e 294.º do Código de Processo Penal serem utilizadas fora do processo penal em que foram tomadas e as especiais cautelas que, com esse propósito, a diligência deve revestir.

Atentos os objectivos a que nos propomos, o presente trabalho visa funcionar como um ponto de partida para uma melhor e mais profunda compreensão do instituto das declarações para memória futura e é direccionado a todos aqueles profissionais que trabalham com o mesmo, sejam eles magistrados, advogados, juristas ou especialistas de outras áreas que, em alguma fase, têm intervenção a este nível e, por esse motivo, querem ter um conhecimento mais abrangente do seu âmbito.

3. Resumo

Com o objectivo de preservar a prova, bem como de proteger determinadas vítimas, o legislador veio a estabelecer no Código de Processo Penal, como noutros diplomas avulsos, a possibilidade da produção antecipada de prova, através das declarações para memória futura. Este instituto jurídico corresponde a uma antecipação parcial da audiência de discussão e julgamento, motivo pelo qual se impõe o integral e mais completo respeito pelos direitos de defesa do arguido.

Na sua aplicação prática levantam-se, no entanto, inúmeras questões, as quais têm vindo a ser tratadas quer pela jurisprudência, quer pela doutrina, nem sempre com soluções consentâneas.

Tentaremos, neste trabalho, não só, apresentar uma esquematização do instituto tal como se encontra actualmente previsto na lei, como também sistematizar as questões mais frequentemente levantadas, de forma a possibilitar ao leitor uma compreensão simplificada e integrada deste meio de produção de prova.

DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA

3. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

4. Enquadramento Jurídico

A Constituição da República Portuguesa enquanto Lei Fundamental estabelece os princípios pelos quais se rege Portugal, enquanto Estado de Direito Democrático que é. Tal premissa aplica-se, claro está, também ao direito penal e ao direito processual penal. Assim, o legislador ordinário parte, necessariamente, da Constituição, da qual retira, não só, os princípios fundamentais por que se deve reger o ordenamento jurídico-penal, mas também os direitos fundamentais de que todos os cidadãos gozam, tendo sempre por objectivo a concordância prática entre uns e outros.

O processo penal possui duas finalidades: por um lado, a investigação penal, com a consequente condenação dos culpados e reafirmação dos valores e normas vigentes na sociedade e, por outro lado, a garantia do respeito pela liberdade e dignidade dos cidadãos, sendo, por isso, proibida a perseguição de pessoas inocentes e a sua condenação1.

Num Estado de Direito Democrático como o nosso, ambas as finalidades supra identificadas possuem idêntico valor, subsistindo, assim, numa constante tensão, de forma a garantir que ambas têm igual campo de aplicação. Como doutamente refere FIGUEIREDO DIAS “o processo penal constitui um dos lugares por excelência em que tem de encontrar-se a solução do conflito entre as exigências comunitárias e a liberdade de realização da personalidade individual. Aquelas podem postular, em verdade, uma 'agressão' na esfera desta; agressão a que não falta a utilização de meios coercivos (prisão preventiva, exames, buscas, apreensões) e que mais difícil se torna de justificar e suportar por se dirigir, não a criminosos convictos, mas a meros 'suspeitos' - tantas vezes inocentes - ou mesmo a 'terceiros' (declarantes, testemunhas e até pessoas sem qualquer participação processual). Daqui que o interesse comunitário na prevenção e repressão da criminalidade tenha de pôr-se limites - inultrapassáveis quando aquele interesse ponha em jogo a dignitas humana que pertence mesmo ao mais brutal delinquente; ultrapassáveis, mas só depois de cuidadosa ponderação da situação, quando conflitue com o legitimo interesse das pessoas em não serem afectadas na esfera das suas liberdades - pessoais para além do que seja absolutamente indispensável à consecução do interesse comunitário. É através desta ponderação e da justa decisão do conflito que se exclui a possibilidade de abuso do poder - da parte do próprio Estado ou dos órgãos a ele subordinados - e se põe a força da sociedade ao serviço e sob o controlo do Direito (…)”2.

Atento o supra exposto, necessário se torna que o direito penal e o direito processual penal se rejam por um conjunto de princípios que, por um lado, permitam a actividade investigatória e a acção penal e, por outro lado, salvaguardem todos e quaisquer cidadãos da perseguição penal infundada.

O processo penal português é então, e por referência à matéria ora analisada, um processo de natureza acusatória, em que há uma clara distinção entre quem investiga e quem, posteriormente, decide. É também um processo sujeito ao princípio da imediação e do contraditório, princípios esses que atingem o seu esplendor máximo em sede de audiência de

1 CANOTILHO, J.J. Gomes – Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5.ª ed. Coimbra, Livraria Almedina. 2 DIAS, Jorge Figueiredo, Direito Processual Penal, Primeiro Volume, Reimpressão, 1984, § 2, II, 1.

DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA

3. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

discussão e julgamento, altura em que a prova é produzida, perante o tribunal que a irá valorar e em que ao arguido é dada a oportunidade de contraditar, não só, a versão dos factos constantes da acusação proferida, como também, a totalidade dos meios de prova em que a mesma se funda (os quais podem não lhe ser totalmente dados a conhecer durante o inquérito).

Tais pressupostos poderiam, numa primeira leitura, ser colocados em crise pela existência, no nosso ordenamento jurídico, de um instituto como o das declarações para memória futura, o qual, em suma, se consubstancia na inquirição de determinadas pessoas (ou não produção de outros meios de obtenção de prova, sempre realizados com a prestação, pelos visados, de declarações), em momento prévio ao da audiência de discussão e julgamento e na posterior valoração dessas mesmas declarações na decisão a proferir pelo tribunal.

Todavia, assim não acontece, tendo o legislador acautelado, de forma tendencialmente perfeita, como veremos infra, todos os interesses em causa, mormente aqueles relacionados com os direitos de defesa do arguido.

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