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I. Das Declarações para memória Futura

6. Da uniformização de procedimentos

As declarações para memória futura constituem um meio de obtenção de prova que, em nosso entendimento, deve ser, sempre que possível, promovido. Com efeito, se por um lado permite a preservação da prova com vista à descoberta da verdade material, por outro tem benefícios inigualáveis ao nível da protecção das vítimas. Acresce que, caso se entenda necessário e não coloque em causa a integridade física ou psíquica da vítima, pode ser sempre determinada a renovação do depoimento, em sede de audiência de discussão e julgamento.

Todavia, a verdade é que actualmente o recurso a este meio de prova não é obrigatório (excepto no caso de vítimas de crimes de catálogo menores de idade), sendo que a prática judiciária é muito variável, dependendo, desde logo, do magistrado que preside ao inquérito, da comarca onde o mesmo corre termos e, claro está, das circunstâncias concretas do caso (situações existem em que se torna inviável a tomada de declarações para memória futura ou a tomada de declarações para memória futura em determinada fase do processo).

Tendemos, no entanto, a concluir que urge uniformizar procedimentos, de forma a melhor acautelar todos os interesses e valores em questão.

Nesse sentido, foram já adoptadas pelos magistrados do Ministério Público, algumas orientações, bem como, em algumas comarcas existem já ordens de serviço relativas a estas questões, as quais determinam a tomada de declarações para memória futura quando estiver sob investigação a prática de determinados crimes, quando as vítimas forem tidas por especialmente vulneráveis, quando tiverem sido aplicadas aos arguidos determinadas medidas de coacção (em especial as privativas da liberdade), etc42.

42 Nomeadamente a orientação adoptada no encontro da Rede de Magistrados do MP dos Tribunais de Família e

Menores de 27/11/2008, disponível em www.pgdlisboa.pt; a Directiva n.º 1/2017, da PGR, de 13 de Outubro de 2017; a Ordem de Serviço n.º 11/17, de 9 de Junho de 2017, do Procurador-Geral Adjunto Coordenador da comarca de Braga; a Ordem de Serviço n.º 32/18, de 02 de Novembro de 2018, emitida pelo Procurador da República Coordenador do D.I.A.P. da Comarca de Viana do Castelo; a Ordem de Serviço n.º 1/2019, emitida pelo Procurador da República Coordenador do D.I.A.P. da Comarca de Lisboa Oeste.

DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA

3. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

Tais instrumentos hierárquicos são, em nosso entendimento, de louvar, na medida em que auxiliam os magistrados do Ministério Público que diariamente se debatem com situações pouco líquidas, nas quais têm dúvidas sobre a viabilidade e a necessidade de ouvir as vítimas ou testemunhas para memória futura, na sua tomada de decisão.

De forma praticamente unânime tais documentos hierárquicos tendem a determinar:

 A articulação entre os magistrados das diferentes jurisdições, em especial quando na presença de crimes de violência doméstica, maus tratos, contra a liberdade e autodeterminação sexual e bem assim quando existam vítimas menores de idade;  A tomada de declarações para memória futura, de forma a evitar fenómenos de revitimização;

 A preferência pela inquirição das testemunhas em termos que permitam, no futuro, o seu aproveitamento em sede de audiência de discussão e julgamento, nos termos do disposto nos artigos 356.º do Código de Processo Penal.

7. Conclusão

Chegados ao fim do nosso trabalho, concluímos necessariamente que, apesar das declarações para memória futura serem um tema muito abordado por todos os profissionais da área, continuam a subsistir algumas dúvidas relativamente às mesmas e ao seu regime processual, bem como no que à sua valoração concerne.

Sem prejuízo das dúvidas lançadas dos diversos quadrantes, entendemos que o actual regime processual das declarações para memória futura acautela, de forma satisfatória, todos os interesses que no mesmo se contrapõem, isto é, por um lado, os interesses relacionados com a descoberta da verdade material, a prossecução da acção penal e a preservação da prova e, por outro lado, não só os interesses e direitos do arguido (em especial o direito ao contraditório), como também os interesses das próprias testemunhas inquiridas.

Com efeito, o actual regime processual aplicável às declarações para memória futura, aproximando-se da produção de prova em sede de audiência de discussão e julgamento, permite ao arguido (esteja ou não já constituído no processo) o exercício do seu direito de defesa, porquanto não só exige a presença, na referida diligência, do respectivo defensor, como lhe permite intervir, colocando questões e solicitando esclarecimentos directamente ao depoente.

Por outro lado, a produção desta prova nas fases iniciais do processo-crime acautela a fidedignidade da prova produzida, desde logo por ser demais sabido que a memória tende a esmorecer ao longo do tempo e que não se coaduna com o tempo normalmente necessário à investigação criminal, em especial quando nos referimos a testemunhas mais novas.

Sem prejuízo do supra exposto, somos obrigados a concluir que a grande mais-valia das declarações para memória futura se relaciona com a própria testemunha (seja ela a vítima de

DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA

3. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

crime, ou não). De facto, a inquirição da testemunha para memória futura permite-lhe, na grande maioria das vezes, afastar-se do processo-crime, com vista à sua recuperação, em especial psicológica e emocional.

Concluímos também, e por último, que o Ministério Público deve continuar a perseguir o caminho que até agora vem trilhando, com vista, por um lado, à articulação, cada vez mais perfeita, dos seus magistrados e, por outro lado, à uniformização de procedimentos, a qual trará, certamente, uma melhor imagem para a justiça e os seus actores.

8. Hiperligações e referências bibliográficas

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