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IV. Hiperligações e referências bibliográficas

1. Enquadramento Jurídico

1.7. A leitura e valoração das declarações para memória futura em audiência de julgamento

Nos termos do disposto no artigo 355.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, não são válidas, para efeitos de formação de convicção do Tribunal, quaisquer provas que não tenham sido produzidas ou examinadas em sede de audiência de julgamento, sendo esta norma um afloramento dos princípios da imediação, concentração e oralidade, que regem o processo penal português, subjacentes ao princípio do contraditório constitucionalmente consagrado (artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa).

No entanto, não podemos olvidar a ressalva do n.º 2 do referido artigo 355.º, para a prova que se encontra em peças processuais cuja leitura é permitida, nos termos do disposto nos artigos 356.º e 357.º, ambos do Código de Processo Penal.

No caso das declarações para memória futura, dispõe o artigo 356.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal que a sua leitura é permitida em audiência de julgamento e assim valorada e tida em conta na formação da convicção do Tribunal. Mas a questão que se coloca é a seguinte: é ou não obrigatória a leitura/audição das declarações para memória futura em audiência de julgamento?

A este respeito, o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 8/2017, datado de 11 de Outubro de 201718 veio responder da seguinte forma: “As declarações para memória futura, prestadas

nos termos do artigo 271.º, do CPP, não têm de ser obrigatoriamente lidas em audiência de julgamento para que possam ser tomadas em conta e constituir prova validamente utilizável para a formação da convicção do tribunal, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 355.º e 356.º, n.º 2, al. a), do mesmo Código” (sublinhado nosso).

No referido acórdão são expostas, de forma exaustiva, as duas correntes que quer na Doutrina, quer na Jurisprudência respondem de forma antagónica a tal questão, apesar de a corrente maioritária em ambos os meios defender a exigência da leitura das declarações para memória futura em sede de audiência de julgamento, para que possam ser submetidas ao contraditório e consequentemente valoradas19.

18 Processo n.º 895/14.0PGLRS.L1-A.S1, no qual foi relator MANUEL AUGUSTO DE MATOS - disponível para consulta

em www.dgsi.pt.

19 Neste sentido: ANTÓNIO MIGUEL VEIGA, “Notas sobre o âmbito e a natureza dos depoimentos (ou declarações)

para memória futura de menores vítimas de crimes sexuais (ou da razão de ser de uma aparente "insensibilidade judicial" em sede de audiência de julgamento)”, in: Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 19, n.º 1, Janeiro- Março de 2009, Coimbra Editora, páginas 101 a 121; ANTÓNIO GAMA, “Reforma do Código de Processo Penal:

Prova testemunhal, declarações para memória futura e reconhecimento”, in: Revista Portuguesa de Ciência

Criminal, n.º 19, Julho-Setembro de 2009, página 399; CRUZ BUCHO, “Declarações Para Memória Futura, Elementos de Estudo”, 2002, disponível em: www.trg.pt/ficheiros/estudos/declaracoes_para_memoria_futura.pdf; GERMANO

DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA

2. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

No entanto, tal acórdão acaba por defender a posição minoritária20 que advoga não ser

necessária a leitura dessas declarações para que possam ser valoradas e formar a convicção relativa à matéria de facto, na medida em que, desde que sejam prestadas com respeito pelos princípios do contraditório e da imediação da prova, não necessitam de ser lidas em audiência de julgamento.

É avançado, desde logo o elemento textual, já que o disposto no artigo 356.º, n.º 2, alínea a), conjugado com o disposto no artigo 355.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, não consagra a obrigatoriedade da leitura das declarações para memória futura em audiência de julgamento, apenas a permite.

Por outro lado, as últimas alterações legislativas ao regime legal das declarações para memória futura, previsto no Código de Processo Penal, nomeadamente a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto e a Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, vieram reforçar o respeito pelos referidos princípios, daí a decisão do acórdão de uniformização de jurisprudência.

Assim sendo, com a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, passou a ser obrigatória a comparência, na inquirição, do Ministério Público e do defensor do arguido (artigo 271.º, n.º 3, do Código de Processo Penal), sendo que a inquirição é feita pelo Juiz, podendo os intervenientes processuais (Ministério Público, advogados do assistente e das partes civis e o defensor) formular perguntas adicionais directamente, sem prévia solicitação/autorização, ou intermediação do juiz (artigo 271.º, n.º 5, do Código de Processo Penal). Já com a Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, consagrou-se a regra da documentação das declarações através de registo áudio ou audiovisual artigo 271.º, n.º 6, do Código de Processo Penal).

Concordamos com a decisão proferida no referido acórdão de fixação de jurisprudência, segundo o qual: “Temos consciência de que uma realidade é a produção antecipada de prova (v.g. em inquérito), com observância do contraditório, e outra é o exame dessa prova na audiência de julgamento. Contudo, entendemos que essas declarações, em audiência de MARQUES DA SILVA, “Produção e valoração da prova em processo penal”, in: Revista do CEJ, 1.º semestre 2006, n.º 4, páginas 44 e 45; JOAQUIM MALAFAIA, “O acusatório e o contraditório nas declarações prestadas nos actos de

instrução e nas declarações para memória futura”, in: Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 14, n.º 4,

Outubro-Dezembro de 2004, páginas 537 a 539; JOSÉ DAMIÃO DA CUNHA, “O regime processual de leitura de declarações na audiência de julgamento: arts. 356.º e 357.º do CPP in: Revista portuguesa de ciência criminal - Coimbra - A. 7, n.º 3 (Jul.- Setembro 1997), páginas 403 a 443; PAULO DÁ MESQUITA, A prova do crime e o que se

disse antes do julgamento – estudo sobre a prova no processo penal português à luz do sistema norte-americano,

Coimbra Editora, páginas 596 a 615 e nota n.º 286; SANDRA OLIVEIRA E SILVA, A Proteção de Testemunhas no

Processo Pena, Coimbra Editora, 2007, página 246. Na Jurisprudência, indicam-se, a título exemplificativo acórdãos

do Supremo Tribunal de Justiça, cujos sumários estão disponíveis em www.stj.pt, datados de: 22 de Setembro de 2005 (processo n.º 2239/05 - 5.ª Secção); 9 de Maio de 2007 (processo n.º 247/07 - 3.ª Secção); 17 de Maio de 2007 (processo n.º 1608/07 - 5.ª Secção).

20 Neste sentido, MAIA COSTA, “Código de Processo Penal” Comentado, 2016, 2.ª Edição Revista, Almedina, páginas

917, 919 e 920”; OLIVEIRA MENDES, “Código de Processo Penal” Comentado, 2016, 2.ª Edição Revista, Almedina, página 1071; FERNANDO GAMA LOBO, Código de Processo Penal Anotado, Almedina, página 496. Na Jurisprudência, indicam-se, a título exemplificativo, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, cujos sumários estão disponíveis em www.stj.pt, datados de: 20 de Junho de 2012 (processo n.º 258/01.8JELSB.C1.S1 - 3.ª Secção); 23 de Abril de 2014 (processo n.º 68/08.1GABNV.L1.S1 - 3.ª Secção). O Tribunal Constitucional também se pronunciou a este respeito no Acórdão n.º 367/2014, publicado no Diário da República, II Série, de 27 de Novembro de 2014: segundo o qual: “Não julga inconstitucional o artigo 271.º, n.º 8, do Código de Processo Penal, no segmento segundo o qual não é obrigatória, em audiência de discussão e julgamento, a leitura das declarações para memória futura”, disponível em: https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/59068812/details/normal?perPage=100&q.

DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA

2. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

julgamento, também podem ser contraditadas, no exercício do contraditório, na medida em que podem ser discutidas e contestadas, através de outra prova arrolada./ Assim, consideramos que a leitura/audição das declarações para memória futura, em audiência de julgamento, não aporta um reforço do princípio do contraditório, porque apenas se ouve/reproduz o que já está documentado no processo”.

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