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IV. Hiperligações e referências bibliográficas

1. Enquadramento Jurídico

1.8. A previsão de tomada de declarações para memória futura em diplomas avulsos

O instituto das declarações para memória futura, além de estar previsto no artigo 271.º do Código de Processo Penal, está ainda previsto noutros diplomas legais avulsos21, nos quais se

visa essencialmente a protecção de certas testemunhas ou vítimas, que dada a sua vulnerabilidade, exigem uma outra atenção por parte da prática judiciária, pelo que de seguida iremos expor tais disposições, ainda que de forma sintética.

1.8.1. O Estatuto da Vítima

O Estatuto da Vítima – Lei n.º 130/2015, de 04 de Setembro – prevê no seu artigo 24.º que a requerimento da vítima especialmente vulnerável ou do Ministério Público a inquirição da vítima especialmente vulnerável para os fins e efeitos previstos no regime legal das declarações para memória futura.

No referido artigo 24.º do Estatuto da Vítima é plasmado um regime legal de tomada de declarações para memória futura em tudo semelhante ao que está consagrado no artigo 271.º do Código de Processo Penal22.

Por vítimas especialmente vulneráveis entende-se “a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de

21 No entanto, a nosso ver esta dispersão legislativa e até sobreposição não facilita a uniformização e eficiência da

prática judiciária.

22 “Artigo 24.º

Declarações para memória futura

1 - O juiz, a requerimento da vítima especialmente vulnerável ou do Ministério Público, pode proceder à inquirição daquela no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 271.º do Código de Processo Penal.

2 - O Ministério Público, o arguido, o defensor e os advogados constituídos no processo são notificados da hora e do local da prestação do depoimento para que possam estar presentes, sendo obrigatória a comparência do Ministério Público e do defensor.

3 - A tomada de declarações é realizada em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas.

4 - A tomada de declarações é efetuada, em regra, através de registo áudio ou audiovisual, só podendo ser utilizados outros meios, designadamente estenográficos ou estenotípicos, ou qualquer outro meio técnico idóneo a assegurar a reprodução integral daquelas, ou a documentação através de auto, quando aqueles meios não estiverem disponíveis, o que deverá ficar a constar do auto.

5 - A inquirição é feita pelo juiz, podendo em seguida o Ministério Público, os advogados constituídos e o defensor, por esta ordem, formular perguntas adicionais, devendo a vítima ser assistida no decurso do ato processual por um técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado pelo tribunal.

6 - Nos casos previstos neste artigo só deverá ser prestado depoimento em audiência de julgamento se tal for indispensável à descoberta da verdade e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar”.

DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA

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o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social”, sendo que “As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis”, nos termos do disposto no artigo 67.º-A, n.ºs 1, alínea b), e 3, do Código de Processo Penal, por força do conceito de criminalidade violenta consagrado no artigo 1.º, alínea j), do Código de Processo Penal23.

Na senda de protecção destas vítimas, por forma a evitar o fenómeno da vitimização secundária, logo aquando da apresentação da denúncia e não existindo fortes indícios de que a mesma é infundada, as autoridades judiciárias ou os órgãos de polícia criminal competentes devem atribuir-lhes o estatuto de vítima especialmente vulnerável, devendo também informá- las dos seus direitos, nomeadamente, do direito de ser inquiridas no âmbito das declarações para memória futura (artigos 20.º, 21.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), e 24.º, todos do Estatuto da Vítima).

A este respeito importa também referir o disposto no artigo 23.º, n.º 1, do Estatuto da Vítima, segundo o qual: “Os depoimentos e declarações das vítimas especialmente vulneráveis, quando impliquem a presença do arguido, são prestados através de videoconferência ou de teleconferência, por determinação do Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento da vítima, durante a fase de inquérito, e por determinação do tribunal, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou da vítima, durante as fases de instrução ou de julgamento, se tal se revelar necessário para garantir a prestação de declarações ou de depoimento sem constrangimentos”.

1.8.2. A Lei de Protecção de Testemunhas

No âmbito da Lei de Protecção de Testemunhas - Lei n.º 93/99, de 14 de Julho - é consagrado que: “Sempre que possível, deverá ser evitada a repetição da audição da testemunha especialmente vulnerável durante o inquérito, podendo ainda ser requerido o registo nos termos do artigo 271.º do Código de Processo Penal” (artigo 28.º, n.º 2).

Nos termos do disposto nos artigos 2.º, alínea a), e 26.º, n.º 2, ambos da Lei de Protecção de Testemunhas, testemunha especialmente vulnerável é “qualquer pessoa que, independentemente do seu estatuto face à lei processual, disponha de informação ou de conhecimento necessários à revelação, percepção ou apreciação de factos que constituam objecto do processo, de cuja utilização resulte um perigo para si ou para outrem” e cuja vulnerabilidade resulta, “nomeadamente, da diminuta ou avançada idade, do seu estado de saúde ou do facto de ter de depor ou prestar declarações contra pessoa da própria família ou de grupo social fechado em que esteja inserida numa condição de subordinação ou dependência”.

23 Segundo o qual: “'Criminalidade violenta' as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade

física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos”.

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O recurso ao instituto das declarações para memória futura propõe-se, nestes casos, a garantir a espontaneidade e a sinceridade das respostas dadas por estas testemunhas (artigo 27, n.º 1, da Lei de Protecção de Testemunhas) aquando da sua inquirição e evitar a sua fragilização emocional, dada a sua vulnerabilidade.

Também no disposto no artigo 29.º e 30.º da referida Lei são avançadas estratégias de protecção da testemunha especialmente vulnerável, que devem ser conjugadas com o regime legal disposto no artigo 271.º do Código de Processo Penal, a saber: “O juiz que presida a acto processual público ou sujeito ao contraditório, com vista à obtenção de respostas livres, espontâneas e verdadeiras, pode:/ a) Dirigir os trabalhos de modo que a testemunha especialmente vulnerável nunca se encontre com certos intervenientes no mesmo acto, designadamente com o arguido;/ b) Ouvir a testemunha com utilização de meios de ocultação ou de teleconferência, nomeadamente a partir de outro local do edifício do tribunal, aplicando- se devidamente adaptado o disposto nos artigos 4.º a 15.º;/ c) Proceder à inquirição da testemunha, podendo, depois disso, os outros juízes, os jurados, o Ministério Público, o defensor e os advogados do assistente e das partes civis pedir-lhe a formulação de questões adicionais”. Além disso, “Sempre que tal se lhe afigure útil, o juiz que presida a acto processual público ou sujeito a contraditório poderá notificar o acompanhante para que compareça perante si com a testemunha especialmente vulnerável para fins exclusivos de apresentação e para que lhe sejam previamente mostradas as instalações onde decorrerá o acto em que deva participar”.

1.8.3. Regime Jurídico Aplicável à Prevenção da Violência Doméstica e à Protecção e Assistência suas Vítimas

A Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro consagra o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à protecção e assistência suas vítimas, sendo que no seu artigo 33.º24

consagra que, a requerimento da vítima do crime de violência doméstica ou do Ministério Público, pode ser requerido a tomada de declarações da referida vítima para memória futura,

24 “Artigo 33.º

Declarações para memória futura

1 - O juiz, a requerimento da vítima ou do Ministério Público, pode proceder à inquirição daquela no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento. 2 - O Ministério Público, o arguido, o defensor e os advogados constituídos no processo são notificados da hora e do local da prestação do depoimento para que possam estar presentes, sendo obrigatória a comparência do Ministério Público e do defensor.

3 - A tomada de declarações é realizada em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas, devendo a vítima ser assistida no decurso do ato processual pelo técnico de apoio à vítima ou por outro profissional que lhe tenha vindo a prestar apoio psicológico ou psiquiátrico, previamente autorizados pelo tribunal.

4 - A inquirição é feita pelo juiz, podendo em seguida o Ministério Público, os advogados constituídos e o defensor, por esta ordem, formular perguntas adicionais.

5 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 352.º, 356.º, 363.º e 364.º do Código de Processo Penal. 6 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável a declarações do assistente e das partes civis, de peritos e de consultores técnicos e acareações.

7 - A tomada de declarações nos termos dos números anteriores não prejudica a prestação de depoimento em audiência de julgamento, sempre que ela for possível e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar”.

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sendo o regime aí plasmado em tudo idêntico ao disposto no artigo 271.º do Código de Processo Penal.

No entanto, assinala-se a exigência também para as vítimas de violência doméstica (e não só para as vítimas menores de idade de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, conforme previsto no artigo 271.º, n.º 4 do Código de Processo Penal), de a realização da diligência ser levada a cabo em ambiente reservado e informal, por forma a permitir a espontaneidade e a sinceridade das respostas.

Também neste âmbito, a ratio do legislador foi a protecção da vítima do crime de violência doméstica, evitando o fenómeno da vitimização secundária. Por outro lado, existe ainda uma importante preocupação prática de preservação da prova, na medida em que os depoimentos das vítimas de violência doméstica são, na maioria das vezes, os únicos elementos que sustentam a factualidade denunciada, dado o seu carácter familiar e reservado, aliado ao facto de as vítimas poderem lançar mão da prerrogativa de não prestar declarações, tendo em conta o disposto no artigo 134.º do Código de Processo Penal, em fases posteriores do Processo. Refira-se ainda que a vítima do crime de violência doméstica sempre teria direito a prestar declarações para memória futura, na medida em que, além do mais, também é considerada uma vítima especialmente vulnerável, nos termos do disposto no artigo 67.º-A, n.º 3, do Código de Processo Penal, por força do conceito de criminalidade violenta consagrado no artigo 1.º, alínea j) do Código de Processo Penal, pelo que sempre seria de aplicar o disposto nos artigos 21.º, n.º 2, alínea d), e 24.º, ambos do Estatuto da Vítima.

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