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A relatividade das valorizações éticas, estéticas e cognoscitivas.

Duas espécies de discursos fazem-se na Grécia pelos fi­ lósofos, em tôrno do bem e do mal. Uns afirmam que um é o bem, outro é o mal; outros, que são a mesma cousa e esta seria para alguns, bem, para outros, mal, e para o mesmo homem, ora bem, ora mal. Eu, por m inha parte, junto-me a êstes últimos. Fazem-se, também, duas afirma­ ções sôbre o belo e o feio. E uns afirmam que é diferente o belo do feio, diferindo tanto no nome como de fato; os ou­ tros (afirmam) que belo e feio são a mesm a cousa. E pro­ curarei demonstrar êste modo de v er. . . Também sôbre o justo e o in ju s to .. . Também sôbre o verdadeiro e o f a ls o .. . Creio que se pedíssemos a todos os hom ens que reunissem em um montão as cousas que cada um dêles julgar feias, e, depois, que tomassem dêsse montão o que cada um julgar belo, não ficaria nenhum a, mas entre tôdas tirariam tôdas. Porque nem todos crêem nas mesmas cousas. Citarei tam ­ bém alguns versos: “E distinguindo de fato, diversa lei ve­ rás assim aos (diversos) m ortais: nada é absolutamente belo nem feio, mas o momento, tomando certas cousas, fá-las feias, e, mudando-se, belas”.

[Dos Discursos dúplices, de autor desconhecido, que nas observações dos contrastes entre os povos, se inspira em H eródoto (I, 216; III, 38; IV, 26 e 65; VII, 152). Os versos citados são atribuídos a Eurípedes. Também P índaro disse que a convenção reina soberana entre os homens].

GÓRGIAS DE LEONCIO

[483-375; foi principalm ente retórico e exaltador da arte oratória. In te­ ressa, porém , à história da filosofia pelo livro Da natureza, ou seja do não- -ser, cujo título, evidentemente oposto ao de Melisso (Da natureza ou seja do ser), serve já para dem onstrar que as doutrinas dos eleatas constituem um objetivo particular da polêmica de Górgias],

1. Exclusão de um critério absoluto e negação do ser, do conhecer e do comunicar.

Górgias de Leoncio pertence ao número dos negadores de um critério absoluto porém não por iguais razoes aos seguidores de Protágoras. De fato, no seu livro, Do nao-ser,

ou melhor da natureza, estabelece tres P /m c’P0\° 3’

nados entre si; 1.°) que nao existe nada, 2. ) q

aue exista (algo), é inacessível ao homem; 3.°) que, embora concebível, é inexplicável e incomunicável ao próximo.

2. Nada existe.

Demonstra da seguinte maneira que nada existe: jse alguma cousa existe, será o ser ou não-ser, ou o ser e o nao­ -ser iuntos . . E na verdade não existe o nao-ser. Pois, se existe, será ou não será ao mesmo tempo, porque, enquanto é iulgado não-ser, não será, mas enquanto é nao-ser, sera. Mas é absolutamente absurdo que um a cousa seja e nao seia ao mesmo tempo; logo, o não-ser nao é. E de outro modo se é o não-ser, o ser não será; pois sao cousas conra- rias entre s i . . . E nem mesmo é o ser. Porque se e, ou e eterno ou gerado, ou gerado e eterno ao mesmo tempo, mas, se é e te r n o ... não tem nenhum p rin cíp io ... Nao tendo princípio, é infinito. E se é ilimitado não^ está em nenhum lugar. Se estivesse em algum lugar, aquele em que esta e cousa diversa dêle, e assim não será mais infinito o ser con­ tido em a lg o . . . , pois o infinito não está em nenhum lugar. E nem mesmo está contido em si. Porque seria a mesma cousa o lugar e o conteúdo, e o ser tornar-se-ia dois, lugar e corpo . . o que é absurdo. . . Pois se o ser é eterno, é infi­ nito, se infinito não está em nenhum lugar, nao e x is te .. . Também não pode ser gerado o ser. Pois, se_tivesse nascido, teria nascido do ser ou do não-ser. Mas não é nascido do ser- porque se é ser não e nascido mas ja e; nem do não-ser, pois não-ser não pode gerar, devendo o gerador, necessaria­ mente, participar da ex istên cia .. . De maneira analoga, nao pode ser um e outro, eterno e gerado ao mesmo tempo, pois êstes têrmos se excluem reciprocam ente... E, além disso, se é, ou é um ou multíplice; m a s .. . se é um, é quantidade,

ou continuidade, ou grandeza ou corpo. Mas qualquer dêles que seja, não é uma; mas a quantidade será divisível, o con­ tínuo separável, e, da mesma maneira a grandeza não será julgada indivisível; e o corpo será tríplice, pois terá compri­ mento, largura e altu ra. . . E nem mesmo é multíplice, por­ que se não existe o um não existem os multíplices, pois os multíplices são reunião de unidades. . . Portanto, com estas provas, está demonstrado que não existe nem o ser nem o n ã o -ser...

[É fácil reconhecer nesta discussão a referência a motivos doutrinais e polêmicos de Parm ênides, Zenão e Melisso].

3. O existente é inconcebível.

Deve-se em seguida demonstrar que, se ainda alguma cousa existe, ela é incognoscível e inconcebível para o ho­ m e m ... É uma dedução exata e impecável: “se o pensado não existe, o existente não é pensado” . . . É evidente que as cousas pensadas não existem. Se de fato as cousas pensadas existem, tôdas as cousas pensadas devem existir, depois que alguém as pense. O que é inverossímil, pois, de fato não é verdade que, se alguma pessoa pensar em homens voadores ou em carros correndo sôbre o mar, só por isso um homem voe e os carros corram sôbre o mar. Por essa razão, não é verdade que o pensado exista. Além disso, se o pensado existe, o não existente não poderá ser pensado, porque aos contrários correspondem atributos contrários. . . assim, se ao existente corresponde o ser pensado, ao não existente corresponde o não ser pensado. Mas isto é absurdo; porque se pensa também em Sila e na Quimera e em muitas outras cousas irreais. Conclui-se que o ser não é pensado. . .

[Já se observou no capítulo sôbre Parm ênides que se encontra aqui um a refutação, pois êste filósofo considerava a conceptibilidade como cri­ tério e prova da realidade].

4. O conhecimento é incomunicável.

Mas embora fôsse concebível, seria incomunicável aos outros. . . Porque (o meio) pelo qual nos exprimimos é a palavra; e a palavra não é o subsistente e o ser; pois não

exprimimos os sêres reais ao nosso próximo, mas palavras, que são diversas da realidade subsistente. Como o visível não pode tornar-se audível e vice-versa, assim o ser, pois que subsiste fora (de n ó s), não pode transformar-se em pa­ lavra nossa. E não sendo palavra, (o real) rião pode ser m a­ nifestado aos outros. A palavra, de fato, (disse êle) organi­ za-se pelas impressões dos objetos exteriores, isto é, pelas sensações; pois da ação do sabor surge em nós a palavra que exprime tal qualidade, e da impressão da côr a palavra da côr. Se isto é verdade, não é a palavra representativa do objeto externo, mas o objeto externo é revelador da palavra. E, portanto, nem ainda se pode dizer que, tal como subsis­ tem os objetos visíveis e os audíveis, assim também a pala­ vra; de maneira que possa, por ser subsistente e real, reve­ lar os objetos subsistentes e reais. Porque se tambem sub­ siste a palavra (disse êle) é diversa dos outros subsistentes; e sobretudo, diferem os corpos visíveis das palavras: pois o visível se percebe por meio de um órgão distinto do que per­ cebe a palavra. Por isso, a palavra não pode exprimir a maior parte dos subsistentes, da mesma maneira que nem amda êstes podem m anifestar uns a natureza dos outros (fr. 3, D iels: de Sexto Empírico,

adv. mathem.,

VII, 65-87).

[Êstes são os três argum entos referidos por Sexto Em pírico sôbre :a incomunicabilidade do conhecimento segundo Górgias: - 1) antítese entre a exterioridade, a nosso respeito, da subsistência dos objetos e ai interiorida­ de da palavra; - 2) im possibilidade, p o r isso, de que a palavra tenha a função de representar o objeto externo, o qual e m com pensaçao tem a função de revelar-nos a palavra, suscitando-a por via da imPr ®ss“ s“ a s£vel· _ 3) diferença entre a subsistência visível (objetos) e a auditiva (palavra), e a irrepresentabilidade recíproca - respondem sòmente em p arte os referidos no De Xenófanes e Górgias pseudo-anstotelico Onde reaparece o argumento terceiro, m as em form a um pouco diferent ^ ‘ Como poderia tornar-se m anifesto a quem ouve m as nao ve? Assim como a vista não conhece os sons, assim tam bém o ouvido não escuta as cores, m as os sons; e quem fala diz, m as não (diz) a côr nem a cousa. Como então quem não concebe, poderia pedi-lo às palavras de outro? Nao diz pois, o som nem a côr, m as a palavra, por isso nao e possível conce­ b er a côr m as vê-la; nem o som, m as sòmente ouvi-lo”. Juntam-se, porem , dois outros argum entos: a antítese entre a unidade da cousa pensada e plu­ ralidade dos pensantes; e um argum ento análogo ao de Protágoras, da variedade das percepções sensíveis: “Se ainda fôsse possível (conceber em vez de sentir côres e sons) e quem fala pudesse conhecer e reconhecer, m as como poderia entender a m esm a cousa quem escuta? Visto que a m esm a cousa não pode estar ao mesmo tem po em m uitos (indivíduos) separados: pois o um seria dois. E se (diz êle) estivesse em m uitos (in­

divíduos) e no mesmo, nada impede que lhes pareça diverso, por não serem os indivíduos iguais e não estarem n a m esm a posição: pois, se fôssem assim, seriam um e não dois. E parece que nem ainda o mesmo indivíduo sente cousas iguais ao mesmo tempo, m as diversas, com o ou­ vido e a vista, e diversam ente agora e um tem po antes: por isso, seria impossível que alguém sentisse inteiram ente o mesmo que outro (De Mel. Xen. Górgias, VI, 980)].