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I I I O POLEMISTA: ZENÃO DE ELÉIA

IV. MELISSO DE SAMOS

[Floresceu por volta de 444-441; Da natureza ou do ser. Metafísico e po­ lemista, a sua polêmica dirige-se não só contra os pitagóricos (como já a de Zenão) m as particularm ente contra Empédocles, como o dem onstrou Covot- ti: Um metafísico polemista, Memória à Sociedade Real de Nápoles, 1914],

1. A eternidade do ser.

Sempre foi (existiu) o que foi e sempre será. Se tivesse nascido, seria necessário que antes de nascer fôsse nada; e se tivesse sido nada, de nenhum modo teria podido nascer nada do nada (fr. 1).

Desde o momento, pois, que não nasceu e é e sempre foi e será, não tem princípio nem fim, mas é infinito (fr. 2). Mas nada do que tem princípio e fim pode ser eterno ou in­ finito (fr. 4).

[A infinidade de que se fala é evidentemente a tem poral (eternidade)].

2. Imutabilidade do ser.

Se devesse mudar, deveria parecer o que era e nascer o que não era (fr. 8).

3. Totalidade indivisível.

Não é possível que seja sempre o que não seja tudo (fr. 2). Se o ser se divide, move-se; mas o que se move não pode ser (fr. 10).

[Esta negação da divisibilidade é contra os pitagóricos e Empédocles].

4. Unidade e infinidade.

Se deve, pois, existir, também deve ser uno; e se deve ser uno que não tenha um corpo (delimitado). Se tivesse uma espessura (limitado), teria também partes, e não seria mais uno (fr. 9). Mas além disso, do mesmo modo como sempre é, assim também deve ser sempre infinito (fr. 3).

[A afirm ação da infinidade espacial contida no fragm ento 3 acha-se li­ gada à da unidade, como se verifica no fragmento 9, onde se põe em relêvo que, no que é limitado, se podem distinguir as partes, o que para Melisso é contrário ao ser (veja-se frag. 10). Cfr. tam bém Aristóteles (Física, III, 5): “Como haverá no infinito um sôbre e um abaixo, um extremo e um meio, um diante e um atrás, um a direita e um a esquerda? No infinito, são impossíveis estas diferenças” . E esta é precisam ente a razão pela qual Melisso abandona o conceito da esfericidade do ser, estabelecido por Par- mênides e retom ado por Empédocles (conceito que fàcilmente sugeria a idéia de um a lim itação); e passa à infinidade do ser, só conciliável com a unidade, indivisibilidade e imobilidade dêste.

Que, além disso, a infinidade está ligada à unidade, atributo do ser eleático, acha-se tam bém em Aristóteles, De generat. et corrupt., 325 a, onde se afirm a que Melisso declara infinito o ser, porque de ou tra m aneira o

seu limite deveria ser dado pelo vácuo, que êle nega. Porém o fr. 9 pode interpretar-se tam bém (e se interpreta hoje geralmente) como crítica do conceito da unidade elemento do m ultíplice que, para ser verdadeira uni­ dade, deverá ser indivisível, isto é, não tem parte, nem espessura, nem corpo. E então seria inexistente].

5. Confirmação da imutabilidade pela unidade.

E não poderia perecer nem tornar-se maior nem orde­ nar-se de outra maneira, nem sofrer dor ou castigo. Pois, se algum a destas cousas lhe acontecesse, não poderia mais ser uno. Porque, sendo passível de alteração, é necessário que o ser não seja igual, mas pereça o que primeiro era e venha a nascer o que não era. Logo, se em dez mil anos mudasse em um só fio de cabelo, pereceria, tudo, de maneira absoluta, na totalidade do tempo (fr. 7).

[Note-se como, depois de haver deduzido a unidade da imutabilidade, Melisso confirm a esta com a q u e la ... É um processo característico em Melisso: a infinidade é tam bém deduzida da unidade e depois, reciproca­ mente, lhe serve de confirm ação (veja-se m ais abaixo). É de notar-se neste fragm ento a am pla visão da infinita totalidade do tempo que levaria à destruição do universo, se êste m udasse em um só cabelo no decorrer de dez m il anos = ao “grande ano” cósmico].

6. Confirmação da unidade pela infinidade.

Se não fôsse um só, deveria estar limitado por outro (fr. 5). Pois se é (infinito), deve ser uno e, se fossem dois, não poderiam ser infinitos; mas um constituiria o limite do outro (fr. 6).

[Veja-se a nota precedente].

7. Exclusão do vácuo, do movimento e da variedade.

Não há nada vazio; pois o vácuo é nada, e o nada não poderia existir. Nem se move, porque não existe nenhum lugar onde mover-se, mas está cheio. Se o vácuo existisse, poderia mover-se para o vácuo; não havendo, porém, o vácuo, não tem para onde se mover.

E não poderia ser denso e rarefeito. Porque o rarefeito não é possível que seja o cheio como o denso, pois o rarefeito já é mais vazio do que o denso. E esta diferença deve-se fazer entre o cheio e o nao ch eio: se der lugar a alguma cousa e a receber em si não é cheio; se não lhe der lugar e não a receber, está cheio. _

É necessário, portanto, que esteja cheio, se nao existir vácuo. Pois se está cheio, não se move (fr. 7).

[A negação do vácuo aqui é dúplice: o vácuo externo, condição do movimento do ser uno e total (como nos pitagóricos); e o vácuo interno, condição da rarefação e condensação (Anaxímenes e Heráclito). Note-se que identificando o ser com o cheio (im penetrabilidade) Melisso da expli­ citam ente a corporeidade como essência do real, contrariam ente à errada interpretação que Tannery deu ao fragm ento 9 (veja-se n.° 4), de que pre­ tendeu extrair a afirm ação de um a incorporeidade ou espiritualidade do ser, segundo Melisso].

8. Prova ulterior: contradição entre a percepção e o ser — crítica do conhecimento sensível.

Êste argumento é a maior prova de que não há um só Uno; mas as seguintes são também provas. Se houvesse, pois, múltiplas cousas, seria preciso que fôssem feitas da mesma maneira, como digo que é o Uno. Porque se a terra e a água, o ar e o fogo, o ferro, o ouro, e os sêres viventes e os mortos, e o negro e o branco e as demais cousas, todas as que os homens dizem que existem verdadeiramente, se estas cousas são, e nós vemos e ouvimos, é necessário que cada cousa seja tal como nos apareceu primeiramente, e não deve mudar nem transformar-se, m as ser sempre cada uma como é. Agora, nós dizemos que vemos, ouvimos e entendemos corretamente. Mas parece-nos que o calor se transforma em frio e o frio em calor e o duro em macio, e o vivente morre e nasce do não vivente, e tôdas estas cousas se transfor­ mam, e o que era antes e o que é agora, não é de fato igual, mas o ferro, apesar de ser duro, consome-se com o contacto dos dedos, perdendo-se do mesmo modo, e o ouro e a pedra, e tôdas as outras cousas que parecem ser fortes, e que da água nascem a terra e a pedra; de maneira que não vemos nem conhecemos os sêres. Estas cousas, pois, não concor­ dam entre si.

Porque a nós outros, que dizemos existirem muitas cou­ sas eternas e dotadas de forma e de fôrça próprias, parece que tôdas as cousas se transmutam em algo diferente do que foi visto cada vez. É claro, então, que não vemos direito, nem que corretamente nos parecem existir essas muitas cousas. Porque não mudariam se fôssem verdadeiras; e cada uma seria igual ao que pareceu. Pois nada é melhor do que o que é verdadeiramente. Se devessem transmutar-se, deveria perecer o que era e nascer o que não era. Assim, pois, se existissem multíplices cousas, deveriam ser feitas da mesma maneira como o foi o Uno (fr. 8).

[Esta crítica é dirigida, como se depreende da correspondência das ex­ pressões (dem onstrada por Covotti), principalm ente contra Empédocles; m as fere tôda teoria da m ultiplicidade dos sêres, com a crítica do conhe­ cimento sensível: o qual, apreendendo a mutação, não é capaz de apreender o ser, ou seja, a realidade, cujo conceito, para os eleatas, deve im plicar a eternidade imutável para não ser contraditório e absurdo. Com esta obje­ ção prepara-se a posição de Anaxágoras, que atribui às cousas multíplices a eternidade invariável e reduz tôda m utação a uniões e separações].

C a p í t u l o V