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Reelaboração crítica da doutrina: problemas e dificul­ dades na teoria das idéias como entes separados imóveis.

I I I A ESCOLA MEGARICA

OS GRANDES SISTEMAS

E, quanto à procura da sabedoria, que dizes? O corpo não é um impedim ento? por isso, a alma raciocina

IX. O SER: O MUNDO DAS IDÉIAS

10. Reelaboração crítica da doutrina: problemas e dificul­ dades na teoria das idéias como entes separados imóveis.

a) Há um a idéia ãe cada espécie de cousas. Distingues

e colocas separadamente e sta s. . . espécies de per si, e sepa­ radamente as cousas que delas participam? E parece a ti que exista a semelhança de per s i . . . e assim o uno e o mul­

tí p li c e ... Quem sabe creias também que haja um justo de

per si, um belo, um b o m .. .? — Sim. — E então? Parece-te também que haja uma espécie de hom em separada de nós e dos outros homens, ou uma espécie de fogo ou também de água? — Muitas vêzes duvidei se devia dizer-se assim destas como daquelas outras (espécies) ou n ã o . . . — E também daquilo que pareceria ridículo, cabelos, tédio e lôdo ou qualquer outra cousa que pareça vil e desprezível. . . ? —

N ã o ..· destas cousas existe somente aquilo que se vê: pois temo que seria uma cousa muito absurda querer imaginar que haja ainda um a Idéia destas cousas. Não obstante,

a l g u m a s vêzes perturbou-me o pensamento se não fôsse o mesmo para tôdas as cousas (Parmên., IV, 130 — Cfr. tam ­ bém Filebo, V, 15).

b) A m ultiplicidade nas idéias participadas. Parece-te

que a Idéia esteja tôda inteira em cada um a das múltiplas cousas, permanecendo ela um a s ó ? . . . se ela se encontras­ se uma só e a mesma tôda inteira nas múltiplas cousas, as quais são separadas, estaria também separada de si mesma. _N ão. . . se, como a luz do dia, cada espécie estivesse pre­ sente nas múltiplas c o u s a s.. . — Olhe! é belo o modo como fazes que um mesmo u m seja ao mesmo tempo m ú ltip lo s ... Suponhamos que cobrisse com um véu muitos hom ens. . . colocar-se-ia o véu todo sôbre cada um, ou parte sôbre um e parte sôbre outro? — Uma parte. — Então, as mesmas idéias são divisíveis. . . E queres dizer que a espécie se divide por si e entretanto permanece uma? (Parmên., V, 131).

Cfr. Filebo, V, 15: como se ex p lica ..., que sendo a idéia sempre só e a mesma, que não adm ite nem geração, nem destruição, ao contrário, é muitíssimo firm e em sua unidade, depois disto deva ser posta (ao mesmo tempo) e espalhada nas cousas que se geram e infinitas, multiplicando-a, e íntegra, tôda por si, separadam ente: o que parecia o máximo da impos­ sibilidade, isto é, que o mesmo e o uno, ao mesmo tempo, seja gerado em um e em múltiplo.

c) O terceiro ente na participação e na imitação. E o

que dizes disto? — De quê? — Que eu creio que tu crês que tôda espécie seja uma, pelo fato de que quando, por exem­ plo, te parecem muitas cousas grandes, talvez te pareça ver brilhar em tôdas um a mesma idéia: daí creres que seja um o grande que existe de per s i . . . Mas o quê? Se con­ sideras êste mesmo grande e as outras cousas grandes tô­ das juntas, não te parecerá novamente que haja um certo

grande, pelo qual é necessário que pareçam grandes todos

êstes?. . .

Nem isto é razoável, Parmênides: parece-me me­ lhor . . . que a participação das cousas nas espécies não é outra cousa sen ão. . . semelhança. —- E se a cousa asseme­

lha-se assim à e sp écie.. . o semelhante junto com o seu se­ melhante, não devem ambos comunicar com uma mesma e s p é c ie ? ... Por isso, não pode ser que uma cousa seja se­ m elhante à espécie, nem a espécie a alguma cousa; se não, por sôbre a espécie brilharia outra espécie cada v ez. . . e assim, in fin ita m e n te ... Olha pois, Sócrates, quantas difi­ culdades surgem, se alguém define as espécies como entes que vivem por si (Parm ên., V-VI, 131 a 133).

[Esta objeção contra a teoria das idéias é conhecida pelo nome de argumento do terceiro homem, proveniente do exemplo típico com o qual era formulada. Se todos os homens são tais por sua participação ou por im itação da idéia do homem, isto é, se para explicar a relação de seme­ lhança entre os indivíduos sensíveis de um a mesm a espécie, deve-se recor­ rer à semelhança ou comunidade que cada um dêles tem com a idéia da espécie considerada em si, a mesm a exigência repetir-se-á para explicar a relação entre a coletividade dos indivíduos sensíveis e a idéia: quer dizer será m ister levar a semelhança entre êles a um têrm o comum único (o terceiro hom em ). E assim até o infinito. E sta objeção do terceiro hom em encontra-se expressa contra a teoria das idéias tam bém em Aristó­ teles, Metafísica, 990, 1039, 1 079; isto constituiu para alguns críticos um motivo para duvidar da autenticidade do Parmêniães, não querendo atribuir um plágio a Aristóteles e, pior ainda, uma desonestidade ao dar como ob­ jeção a Platão uma dificuldade que já êste planejara por si mesmo. Ou­ tros, reconhecendo a autenticidade do Parmêniães, pensaram que êste re­ petisse aqui as objeções já expressas por Aristóteles ao m estre na escola (que depois êle, por isso, podia reclam ar como próprias na Metafísica). Mas deve notar-se: 1) que Aristóteles alude apenas ao argum ento como cousa conhecida e não como a um achado pessoal; 2) que Alexandre de Afrodísia atribui a sua invenção ao megárico Políxenos; 3) que já alude a êle Platão em República, 597 bc, e em Teetetos, 200 b; e que o Parmê- nides (provavelmente interm édio entre o Teetetos e o Sofista) já estava talvez escrito ou em curso de composição quando Aristóteles fazia o seu ingresso na escola platônica].

d) Impossibilidade do conhecimento humano e divino.

T u . . . e todo aquêle que supõe que de cada cousa há uma essência existente de per si consentirá antes de tudo que não há em nós nenhum a delas. —- Se estivesse em nós, como po­ deria estar também em s i? . . . Portanto, a natureza do belo,

bom, e de tôdas as idéias que supomos que existam de per­

-si, acha-se oculta para n ó s? . . . — Parece. — E presta aten­ ção a esta outra cousa, porque é muito mais grave. . . Se em Deus se acha a mesma espécie de senhorio e a espécie mesma de Ciência, nem o seu senhorio pode assenhorear-se

de nós, nem nos conhecer. . . a sua ciência, como não pode­ mos com o nosso domínio, assenhorear-nos dos Deuses, nem conhecer nada dêles com a nossa Ciência (Parmên., VI-VII, 133-134).

1 1 . M o d i f i c a ç õ e s p o s t e r i o r e s d a t e o r i a .

a) As idéias têm vida, alm a e movimento. Se admitir­

mos que a alma conhece e que a essência é conhecida. . . , como o conhecer é um fazer, o ser conhecido é necessário que seja um padecer. Ora, segundo êste raciocínio, a essên­ cia conhecida pelo conhecimento, enquanto é conhecida, move-se por tal padecer, o que negamos que aconteça ao que é imóvel. — É justo. — Mas, como, por Júpiter? — Na ver­ dade nós nos persuadiremos fàcilmente de que movimento, vida, alma e inteligência não pertencem ao ser perfeito, e que êste não vive nem pensa, m as venerável e santo sem ter inteligência, acha-se fixo e imóvel?. . . — Tudo isto pa­ rece-me absurdo. . . — Então, Teetetos, se os entes fôssem imóveis não haveria inteligência para ninguém, de cousa nenhuma e em nenhum lugar (Sofista, XXXV, 248-9).

[A interpretação dêste trecho do Sofista é objeto de m uitas discussões, em relação ao significado da expressão: o ser perfeito ou "aquêle que é inteiram ente” (tó pantelós ón). Que quer significar esta expressão? “ O ser como soma de tôdas as espécies” , entendia Simplicio; “o que é absoluta­ mente completo e tem em si a própria causa”, isto é, Deus ou o Demiurgo, interpretam Rosmini, Bertini, Praccaroli; o Deus sensível do Timeu, quer dizer, o cosmos animado, explicam, em compensação, Teichmueller, Rivaud, C. R itter e, em um a prim eira interpretação, Brochard e Diès, acompanha­ dos por Ad. Levi; o ser considerado como soma de todos os gêneros, sus­ tentam em um a segunda interpretação B rochard e Diès, voltando a Sim- plício; o ser parm enídeo, propõe Capone Braga; as idéias, afirm am Stall­ baum, Zeller, Chiappelli, Gomperz, Peipers, H orn, Stefanini e outros, no­ tando que esta expressão está em pregada com tal significado em Rep., V, 477-a, onde o que é inteiram ente (pantelós ón) é declarado tam bém o perfeitamente cognoscível (pantelós gnostón). Note-se agora que, tam bém no Sofista, se faz questão da cognoscibilidade “ do que é perfeitam ente”, e que a discussão é dirigida contra os amigos das idéias. Por isso, a in­ terpretação mais plausível parece ser precisam ente esta: que o ser perfeito sc acha referido às idéias].

b) A comunhão recíproca das idéias e a dialética. Fa­

mas também bom, com infinitos outros predicados, e tam­ bém das outras cousas. . . Imediatamente está pronta a ob­ jeção de que é impossível os múltiplos sejam um e o um m últiplo. . . Mas não devemos atribuir o ser ao movimento e ao repouso nem cousa alguma a nenhum a outra, mas as colocaremos em nossos discursos como insociáveis e incapa­ zes de participar umas das outras?. . . Suponhamos que al­ guém nos d ig a ... que jamais há em nenhum a cousa ne­ nhum a capacidade de comunicação com nenhuma outra, por nenhum efeito. Portanto movimento e repouso não parti­ ciparão absolutamente do ser. — Certamente que não. — E então? poderá ser algum dos dois não participando do ser? — Não poderá. — E eis aqui, subitamente, lançadas pelo ar tôdas as cousas. . .

E que sucederia, então, se deixássemos que tôdas as cousas tivessem capacidade de comunicação entre s i? . . . — Que o próprio movimento estaria inteiramente em repouso e que a mesma quietude, ao contrário, teria movimento, se pudessem unir-se entre s i . . . — Resta então, somente o ter­ ceiro caso. — Sim. — Pois é necessário que uma destas cousas seja: que se misture tudo ou nada, ou alguma cousa sim ou alguma cousa n ã o . . . mais ou menos como as letras do alfabeto. Algumas delas não se unem entre si, outras s im . . . ; e as vogais, a diferença das outras, entram no meio de tôdas como liame, de maneira que, em algumas delas, é impossível unir uma das outras a tal o u tra. . . E então? um a vez ajustado que também as espécies estão na mesma condição, quanto ao se unirem entre si, não será talvez necessário agir com alguma ciência no discurso, para de­ monstrar com exatidão que gêneros concordam com quais, e quais se excluem entre si? E antes, se há alguns que exerçam a função de liame entre todos, de modo que êstes sejam capazes de mistura?, e vice-versa, nas divisões, se, entre todos, outros são causa da divisão? — Não seria necessária, então, uma ciência, e talvez a maior de tôdas?. . . — a ciência dos homens livres. . . a dialética (Sofista, XXXVII-IX, 251 a 253).