1. A virtude como fim — concepção ativista: nas obras, não na Ciência.
O fim (do homem) é viver segundo a virtude, como disse Antístenes em seu livro Hércules (Diógenes Laércio, VI, 9, 104). A virtude basta a si mesma no que se refere à feli cidade, sem precisar de nada m ais senão da fortaleza de ânimo de Sócrates. E a virtude consiste em obras e não tem necessidade de muitos discursos nem de muitas Ciências
(Diógenes Laércio, VI, 1, 11).
2. O exercício e a conquista da virtude.
Dizia Diógenes que n a vida nada, absolutamente, se pode fazer sem exercício: êste, em troca, tudo v e n c e .. . E há um duplo exercício: o do corpo e o da a lm a . . . e um sem o outro torna-se im perfeito. . . E dava provas. . . : os artífices nas artes mecânicas e nas ou tras. . . , e os flautis tas e os atletas sobressaem cada um em proporção da con tinuidade do próprio estudo; e assim, se êles transferissem o exercício também para o campo espiritual, não trabalha riam totalm ente em vão e sem fim (Diógenes Laércio, VI, 2, 70-71).
Hércules, personificação ãêste ativismo. Antístenes dem onstrou com o exemplo de Hércules que a fadiga é um bem (Diógenes Laércio, VI, 1, 2). Diógenes dizia viver o mesmo tipo de vida de H ércules (ibiã., 2, 71).
3. A ação e a unidade da virtude.
Disse Antístenes que o sábio, se realiza uma ação, age de acôrdo com a virtude tôda inteira (Schol. Ups. ad Iliad., 123).
4. Natureza espiritual do bem.
Creio que os homens têm a sua riqueza e pobreza não em casa, mas na alma (Antístenes, em Xenofonte, conv., 4. 34).
5. O bem e a liberdade: contra a submissão aos prazeres e aos desejos.
Nem subjugados nem dominados pelo prazer, que é cou sa de escravos, êles, (os cínicos) amam a imortal rainha, a liberdade. Esta governa-os, honrada por hábito espiritual, não subjugada pelas riquezas nem estimulada pelo desejo dos amôres (Crates em Ciem., Strom., II, 413, A). — Como Hércules, protetor da m inha escola, domei atletas fortíssi mos e animais feroeíssimos: a pobreza, digo, a ignomínia, a ira, o temor, o desejo e o mais enganoso e cruel de todos, o prazer (Diógenes em Díon. Cris., Or., IX ed. Arn., I, 105).
P referiria ser prêsa da loucura antes que do prazer (Antístenes em Diógenes Laércio, VI, 1, 3). Se eu tivesse Afrodite em m eu poder, tê-la-ia asseteado. .. O am or é, por natureza, perversidade; dominados p o r êle, os infelizes chamam de Deus a sua enfermidade (Id., em Ciem., Strom., II, 406, 6).
Os escravos servem aos seus amos; os vis, aos seus de sejos (Diógenes Laércio, VI, 66).
Acontece convosco o mesmo que ao que montava um cavalo furioso; êste, sem freio, arrastava-o em sua louca carreira, e êle não podia descer. Alguém, encontrando-o, perguntou-lhe: aonde vais?, respondeu: aonde êste queira, e indicou o cavalo. E se alguém vos perguntasse: aonde vais?_— deverias responder se quisésseis dizer a verdade: aonde queiram as paixões, o prazer, a glória, a avidez de ganho, a cólera, o tem or; aonde qualquer ou tra paixão nos queira arrastar. Porque vós não m ontais só um cavalo, m as ora êste, ora aquêle, e todos furiosos íLuciano, Cyn.).
6. Â liberação das necessidades: o bastar-se a si mesmo (autarquia) ideal do sábio e estado divino.
A necessidade é sempre um mal, e tom a piores as cou sas a que a ssa lta . . . Ao contrário, o não ter necessidade é um sinal de superioridade. Observa que os meninos têm
mais necessidade do que os adultos, as mulheres do que os homens, os enfermos mais do que os sãos. Em resumo, quem é inferior tem mais necessidades, e o superior, menos. Por isso os Deuses não têm nenhum a e quem está mais perto dos Deuses tem pouquíssimas (Luciano, Cyn.).
Segundo alguns, Diógenes foi o prim eiro que usou o m anto duplo para o uso necessário e p ara nêle dorm ir, e trazia sem pre consigo o alforje em que levava a comida, e, para satisfazer a alguma necessidade, valia-se de qualquer lu g a r... Tendo escrito a alguém para que lhe arranjasse um a casinha, e como tardasse a fazê-lo, tom ou como casa um tonel que havia no M e tro ... Vendo certa vez um menino beber na palm a da m ão, atirou fora a tijela que trazia no alforje, dizendo: um m enino venceu-me no sa tisfazer-se com pouco (Diógenes Laércio, VI, 2, 22-23 e 37).
O sábio basta-se a si mesmo (Diógenes Laércio, VI, 11). Antístenes, tendo sido interrogado sôbre que utilidade ob tivera da Filosofia, respondeu: a de poder estar em compa nhia de mim mesmo (ibid., 6).
Os homens bons são semelhantes aos Deuses (ibid., 51).
7. Derrocada dos valores correntes.
Contraponho (dizia Diógenes) à fortuna, o valor, à lei (convenção) a natureza, à paixão a razão (Diógenes Laér cio, VI, 38). — (Ótimos) os que desprezam riqueza, fama, prazer e vida, para que os seus contrários: miséria, ignom í nia, fadiga, morte fiquem abaixo (Diógenes em Stobeo, Flor.,
8 6, 19).
Com o exercício, o mesmo desprêzo do prazer torna-se agradabilís simo; e assim como os que estão acostum ados a um a vida de prazeres se sentem mal quando êstes faltam , assim os exercitados no contrário sentem prazer em desprezar os prazeres (Diógenes Laércio, VI, 2, 71).
Antístenes dem onstrou com o exemplo de H ércules e de Ciro que a fadiga é um bem (ibid., I, 2).
Devemos procurar sòmente aqueles prazeres que estão no trabalho, não os que estão em lugar da fadiga (Antístenes, em Stobeo, Flor., 29, 65).
A ignomínia, como a fadiga, é um bem (Diógenes Laércio, VI, 1, 11).
8. Revolta contra a Civilização (artifícios e convenções so ciais) e apêlo à natureza.
A debilidade e qualquer outra miséria do homem são efeito da Civilização. Não porque sejam tenras as suas car
nes ou porque se ache desnudo, não porque não se ache co berto de pêlos como os outros animais, ou porque não te nha asas, e não esteja revestido de fortes couros, o homem é tão débil mas por sua maneira de viver. De fato, não teme o frio e o calor, e não foge de um e de outro? A nudez não é causa de enfermidade. As rãs, com efeito, e muitos outros animais têm uma estrutura mais delicada do que a do homem, e acham-se muito mais desnudos do que êle, e são, todavia, resistentes; e não somente suportam o ar, mas também podem viver na água fria em pleno inverno. E . . . em geral, em parte alguma nasce um animal que não possa nela viver; e como teriam podido, de outro modo, conservar-se os primeiros homens, que não dispunham d.e fogo nem habi tações, nem tinham nutrição artificial ou natural? Mas, nem também aos homens que se sucederam em nada beneficiou a astúcia sagaz, e o muito inventar e o muito esmerar-se, pois, enquanto visam ao prazer acima de tudo, vivem sempre m ais entre as dores e os trabalhos. . . E aqui encontra a sua explicação e justificação o que se conta de Prometeu, acorrentado a um a rocha, tendo o fígado devorado por um abutre. Júpiter castigou a Prometeu, não como diz a len da, por ódio aos homens ou inveja de alguns dos seus bens, mas porque, descobrindo para êles e dando-lhes o fogo, lhes deu ao mesmo tempo o princípio e a causa da debilidade, do luxo e da corrupção (Díon. Cris., Orat., VI, I, 88).
9. O repúdio das leis positivas e dos seus vínculos: nega ção da família, do Estado, da diferença entre livres e escravos e entre nações: cosmopolitismo.
O sábio governa, não segundo as leis constituídas, mas segundo a virtude (Antístenes, em Diógenes Laércio, VI, 11).
Os homens, reunidos em cidades, para não perm anecerem expostos às injúrias exteriores, injuriam-se entretanto entre si e cometem as piores perversidades, como se se tivessem reunido para isso, precisam ente (Dió genes em Díon. Cris., Orat., VI, 1, 8 8).
Dizia (Diógenes) que as mulheres devem ser com uns. . . e por isso, comuns também os filhos (Diógenes Laércio, VI, 72).
Há quem creia (os cínicos) que é contrário à natureza possuir escravos. Pois, um é escravo e o outro livre somente por lei (convenção) mas pela natureza não há nenhuma diferença. Não é justo, portanto, porque provém da violên cia (Aristóteles, Política, I, 3, 1 253).
Interrogado Diógenes sôbre onde nascera, respondeu: cidadão do mundo (Diógenes Laércio, VI, 63).
O único verdadeiro Estado é o mundo inteiro (i b i ã 72). Não nos encerremos em Estados e nações, separados cada um pelas próprias leis, mas consideremos todos os ho mens como conaturais e concidadãos, e seja uma a vida e um o mundo, como de rebanho criado com a lei comum do pasto comum (Zenão, Polit., de inspiração cínica: em Plutarco, De Alex., vita, I, 6).
O ideal e a ação do cínico, ô , homem de bem , de que país és? — De todos os países. — Que queres dizer com isso? — Que sou cidadão do mundo. — De quem és seguidor? — De H ércu les... Como êle, guerreio os prazeres, e . . . por m inha própria conta adotei o ofício de purgar a vida h u m a n a ... Sou o libertador dos homens, o médico das suas paixões; enfim, sou o profeta da franqueza e da verdade. — Ó, profeta!... de que modo me instruirás e me dirigirás? — Se te tom ar como discípulo, des pojar-te-ei da indolência, e encerrar-te-ei na pobreza e neste manto. Obri gar-te-ei à fadiga, ao cansaço, a dorm ir no chão, beber água, nutrir-se de qualquer alimento, ta l como o ofereça a ocasião. Se tiveres riquezas e quiseres escutar-me, jogá-las-ás ao m ar. N ão cuidarás de tu a espôsa, dos filhos nem da pátria; nada serão p ara ti (Luciano, Vitar. auctio, 7, 11).
10. Aplicação da fraternidade humana: transmutação dos valores: não desdenhar, mas procurar o contacto com os repelidos pela sociedade.
Tendo-se censurado (Antístenes) certa ocasião, por en contrar-se êle em companhia de malvados, respondeu: os médicos também estão com os enfermos, porém não se con tagiam com a febre (Diógenes Laércio, VI, 6). O médico, sendo produtor de saúde, não exerce a sua ação entre os sãos (Diógenes em Stobeo, Flor., 13, 25).
[A im portância histórica desta afirm ação resulta da cfr. com as quase idênticas afirmações de Cristo: “Não são os sãos que precisam de médico mas os enfermos; não vim cham ar os justos, mas os pecadores” (Evangelho de Marcos, II, 17. Mateus, IX, 12; Lucas, V, 31). Os cínicos, ao determ i
narem a m issão do filósofo e o objeto da mesma, antecipam-se à transm u tação dos valores que o Cristianismo fará depois, ao fixar a m issão da redenção e o seu objeto. Mas já tam bém o cinismo pretendia ser um a es pécie de redenção espiritual: com a diferença, porém , que êle visava unica m ente a vida presente, e o Cristianismo, a futura].