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DO PROBLEMA ANTROPOLÓGICO

I II OS ATOMISTAS : LEUCIPO E DEMOCRITO

DO PROBLEMA ANTROPOLÓGICO

[O predomínio do problema antropológico surge em conseqüência do crescente desenvolvimento democrático das cidades gregas depois das guerras persas. Com a intervenção de novas e m ais amplas clas­ ses no govêrno do Estado, e com a crescente importância das assem ­ bléias e dos tribunais, as discussões jurídicas e m orais tomam uma

difusão e desenvolvimento que devem ter em conta os novos mestres da cultura, que as novas necessidades históricas fazem surgir, para exercer uma tarefa, necessária à sociedade: isto é, a preparação de uma classe ou elite de homens políticos e dirigentes. Êstes necessi­ tam, como fundamento da sua educação política, um conhecimento geral das cousas humanas· A Cultura aparece, assim, em seu valor prático; uma Cultura que encara, sobretudo, os problemas do mundo humano e da vida espiritual, social e política; uma Cultura que é feita, em grande parte, de habilidade dialética, e não se procura mais no estreito âmbito das escolas filosóficas, a que se liga o discípulo de maneira continuada e estável m as no ensino mais dúctil e utili­ tário dos novos m estres, que se põem a serviço das exigências dos discípulos, em vez de impor-lhes as suas próprias regras e o seu próprio sistema.

Explica-se desta form a o aparecimento dos sofistas, m estres erran­ tes, e o caráter humano e político dos problemas tratados preferente­ mente por êles, e também o fato de Sócrates e a maior parte dos seus discípulos permanecerem no m esmo terreno do humanismo].

OS SOFISTAS

^ [No século V a.C., m estres de Cultura como já se disse, não consti­ tuíam um a escola: m as apresentavam diferentes soluções para os mesmos problem as e representavam correntes várias, como se pode ver no curso dêste capítulo. Por isso, temos que repelir o conceito tradicional que agru­ pava todos os sofistas em um a direção comum de individualismo e subje­ tivismo, presentes, ó certo, em alguns déles, poróm repelidos por outros].

X. CARACTERES E RAZÕES HISTÓRICAS DE SOFÍSTICA

I . Correspondência à necessidade de Cultura (não escola filosófica); origem do descrédito posterior.

Creio que a palavra sofista era simplesmente um nome genérico, e que o têrmo filosofia tinha éste valor: ser urna espécie de amor ao belo e exercício nos discursos, e não como agora, um a direção determinada, mas sómente Cul­ tura g e r a l... e parece-me que Platão, de certo modo, sem ­ pre despreza o sofista, e que, mais do que nenhum outro, se insurja contra tal nome. A causa disso era o desprézo que votava a muitos sofistas e especialmente aos do seu tempo. Não obstante, valeu-se dessa palavra também em sentido inteiramente favorável, referindo-se ao Ser, que jul­ ga sapientíssimo e sede de tôda a verdade; precisamente a êle, chamou-o em algum lugar, perfeito sofista (Aristides, 46, II, 407 D indorf).

[O trecho de Platão aqui recordado é Crãtilo, 403-E. Xenofonte também , preocupado como Platão, em acentuar a antítese entre os sofistas e Sócra­ tes, contribuiu para o descrédito que pesa sôbre os sofistas e atrás de P latão tam bém Aristóteles. Dêles recolheram notícias as fontes posteriores. Cito aqui duas opiniões características: "Os sofistas falam para enganar e escrevem em proveito próprio e não beneficiam ninguém; nenhum dêles se tornou sábio nem o é, mas a qualquer dêles basta que seja chamado

sofista, o que entre gente de senso é um a injúria. Recomendo a necessi­ dade de precaver-se contra o ensino dos sofistas e não desvalorizar os raciocínios dos filósofos” (Xenofonte, Cyn. 13, 8). E Aristóteles: “De fato, a sofística é um a sabedoria aparente m as não real;, e o sofista é um traficante de sabedoria aparente m as não real” (.Refutações sofísticas, 1, 165)].

2. Os sofistas como mestres de Cultura; os dois métodos: a erudição e o exercício ativo de habilidades intelectuais.

Protágoras: Declaro ser eu sofista e instruir os ho­ m ens. .. Ó, jovenzinho! se vieres a mim poderás comprovar, no mesmo dia, que, ao voltares a tua casa, já estarás melhor, e o mesmo acontecerá no dia seguinte, e cada dia far as pro­ gressos para o m e lh o r ... Os outros (sofistas) prejudicam os jovens, pois, conduzindo-os justamente às disciplinas de que fogem, conduzem, contra a sua vontade, ensinando-lhes cálculos, Astronomia, Geometria e Música (e aqui voltou o olhar pára H ípias); entretanto, quem vem a mim não estu­ dará senão o que deseja. A prudência é objeto de estudo, seja nas cousas domésticas (para o melhor governo da casa) seja nas cousas políticas (para a maior capacidade política de ação e de palavra). — Sócrates: Parece que entendes a arte política, e que te empenhas em tornar os homens bons cidadãos. — Protágoras: É justamente isso (disse), Sócrates, o que anuncio e proclamo. — Sócrates: Então, chamando-te

sofista, apresentas-te como mestre de cultura e de virtude

(Platão, Protág., 317-319, 349).

[Protágoras personifica aqui, em si mesmo e em Hípias, a oposição dos dois métodos de ensino].

3. Necessidade histórica do ensino sofístico: a Democracia e a Cultura.

Dizem depois alguns nos seus discursos, que os ofícios devem ser assinalados pela sorte; mas estão errados.. . Afir­ m am que isso está bem e que é muito democrático. . . É ne­ cessário portanto que o povo, preocupando-se consigo mes­ mo, eleja os que lhe agradam, e que os capazes tenham o comando militar, e os outros, a vigilância das leis e de todo p resto.

Ora, creio que compete ao mesmo homem e à mesma arte ser capaz de um debate com perguntas e respostas, e conhecer a verdade das cousas e saber julgar retamente, e ser capaz de compor discursos e pronunciá-los. E principal­ m ente quem conhece a natureza de tôdas as cousas, como é possível que não saiba ensinar também à cidade e agir corretamente em tôdas as cousas? E, além disso, conhecen­ do a arte dos discursos, saberá também falar com proprie­ dade sôbre tôdas as cousas. Porque quem quer falar corre­ tam ente deve falar, precisamente, daquilo que sabe: e êle saberá de t u d o ... E, para saber pleitear em juízo, precisa saber exatamente o que é justo; pois sôbre êste se baseiam os julgamentos. Sabendo isso, saberá o contrário e o resto. E é preciso também que conheça tôdas as leis; então, se não tiver conhecimento das cousas, não terá também das le is . . . É evidente que quem conheça a verdade das cousas saiba tudo (Discursos dúbios, de sofista desconhecido: 7 e 8).

[Sôbre a correspondência existente entre o ensino sofista e as tendên­ cias e as necessidades da época, cfr. tam bém P latão (Repúbl. VI, 493): “ êstes doutores m ercenários que a m ultidão cham a de sofistas, e crê que ensinam o oposto do que ensina ela mesma, n a realidade não ensinam senão as máximas seguidas por ela nas assem bléias” ].

4. Exaltação do poder da palavra.

A palavra é um a grande dominadora que, com pequenís­ simo e sumamente invisível corpo, realiza obras diviníssi- mas, pois pode fazer cessar o mêdo e tirar as dores, infundir a alegria e inspirar a piedade. . . O discurso, persuadindo a alma, obriga-a, convencida, a ter fé nas palavras e a con­ sentir nos fa to s. . . A persuasão, unida à palavra, impressio­ na a alma como quer. . . O poder do discurso com respeito à disposição da alma é idêntico ao dos remédios em relação à natureza do corpo. Com efeito, assim como os diferentes remédios expelem do corpo de cada um diferentes humores, e alguns fazem cessar o mal, outros a vida, assim também entre os discursos alguns afligem e outros deleitam, outros espantam, outros excitam até o ardor os seus ouvintes, ou­ tros envenenam e fascinam a alm a com persuasões malva­ das. (Górgias, Elogio de Helena, 8, 12-14).

Cf r., em Platão,

Górgias,

453: “Dizes que Retórica é cria­ dora de persuasão, e que tôda a sua ação e essência tende para êsse fim ”. —

niébo,

58: “Ouvi Górgias dizer muitas vêzes que a arte de persuadir difere m uito das outras, por­ que tudo se deixa dominar espontaneamente e não por vio­ lência”. —

Feãro,

267: “Não lembrarei Tísias e Górgias, que fizeram êste descobrimento: que é necessário contar mais com a aparência do que com a verdade; e que, por meio de argumentação, fazem parecer grande o pequeno e pequeno o grande, e disfarçam o nôvo com forma antiga e o antigo com forma nova”.

rvê-se aaui a passagem para a crítica e a acusação (sôbre a mesma, veja-se mais adiante em Protágoras) dirigida & todos os sofistas por que­ rerem “to rn ar m ais forte a razão m ais débil ].

II. CRITICA DO CONHECIMENTO E DA VALORIZAÇAO:

PROTÁGORAS DE ABDERA

rCCêrca de 480-410 a.C.). Das m últiplas obras catalogadas sob o seu nome, algumas são apenas títulos diferentes de um mesmo escrito'

Do ser, Raciocínios demolidores), a que pertencia o mais famoso dos pou­ cos fragm entos chegados até nós. Os outros fragm entos sao do Grande O c u r s o e de Sôbre os Deuses. E ntre outras obras devemos citar: Sobre as Matemáticas, do Estado, da Virtude, Sobre as Artes, Antilogías etc.].

1. A relatividade do conhecimento: o homem medida de tôdas as cousas (derivação do heraclitism o).

__ (T eetetos): O

conhecimento é sensação.

— (Sócra­ tes) : Tu te arriscas expressando um conceito nada tolo o conhecimento, o mesmo antes expresso por Protagoras. Sob uma forma um pouco diferente, êle disse a mesma cousa. Pois disse em certo lugar que o

homem e a medida^ de todas

as cousas, das que são enquanto são, e das que nao sao en­