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CONHECER E AGIR — CIÊNCIA E VIRTUDE

da experiência do mal e da reflexão Quem não desejou nem jamais experimentou a vergonha e o mal não é (ainda) um

E, tomando esta imagem do enxame, se te perguntar: qual é a natureza das abelhas? Responder-me-ás que há muitas

IV. CONHECER E AGIR — CIÊNCIA E VIRTUDE

1. A identidade da virtude com a Ciência.

Sócrates cria que as virtudes fôssem razão, sustentando que tôdas constituíam C iê n c ia ... e afirmava a todo transe, apelando para a razão, que (onde há Ciência) não pode faltar domínio de si mesmo, pois nenhum homem de juízo age contràriamente ao melhor, a menos que o faça por igno­ rância (Aristóteles, Et. nicom., VI, 13, 1145 e VII, 2, 1146).

[A identidade da Ciência e da virtude, afirm ada por Sócrates, exige, p ara ser compreendida, que se recorde a função atribuída à Ciência pelo pitagorismo, que a considerava caminho de purificação espiritual e de li­ bertação do pecado. E sta idéia, que Platão torna a afirm ar no Mémnon, no Feãro, não deve te r perm anecido estranha a Sócrates, como parece pelo valor religioso que êle atribui à função do filósofo e pela função de purgação espiritual que atribui à refutação do êrro. A sua ética, pois, já não pode considerar-se mais exclusivamente intelectualista, porque o apa­ rente intelectualismo está inspirado em um misticismo profundo],

2. Do conhecimento à convicção, da convicção à ação. Quem sabe a maneira como se devem honrar os Deuses não julgará certamente que convenha fazê-lo de modo di­ verso do que sabe. — Em verdade, não. — . . .E crês que quem saiba o que se deve fazer pode julgar que lhe convém não fazê-lo? — Não o creio. — E conheces alguém que faça cousas diferentes das que julga que deve fazer? — Não. — Aquêles, então, que sabem o que as leis ordenam com refe­ rência aos homens, realizam as cousas justas. — Sem dúvi­ da. — Portanto, definiremos retamente como justos aquêles que sabem o que as leis ordenam com referência aos homens

(Xenofonte, Memor., IV, 6).

3. O êrro da opinião comum: a fôrça das paixões e do saber.

A maior parte dos homens tem, a respeito da Ciência, um a opinião dêste gênero: que não tem fôrça ativa eficiente, nem poder de dirigir e ser soberana; e não só pensam que ela se encontra em semelhantes condições, mas também, amiúde, achando-se a Ciência ainda presente na alma de um homem, não é a Ciência que domina e reina, mas algo diferente, ora a impulsividade, ora o prazer, ora a dor, tal­ vez o amor, muitas vêzes o temor, julgando em tudo e por tudo a Ciência como um servo que é arrastado pelos demais impulsos em tôdas as direções. Ora pois, parece-te seme­ lhante cousa a respeito dela, ou dizes antes que a Ciência é um a bela cousa, capaz de dominar o homem L pelo que, se alguém sabe o que é o bem e o que é o mal, não poderá ser superado por nada nem agir de maneira diferente daquela que a Ciência lhe ordena, mas que basta somente a sabedo­ ria para socorrer o homem? (Platão, Protágoras, 352).

4. Ninguém peca voluntariam ente: a culpa é êrro por igno­ rância.

Quase creio que nenhum dentre os homens admite que algum homem cometa jamais pecado voluntàriamente, nem voluntàriamente leve a cabo ações feias e más; sabem porém, muito bem, que todos os que cometem ações feias e más o fazem a seu pesar (Protágoras,, 345). Ninguém que saiba ou creia que haja cousas melhores do que as que faz, e que sejam possíveis para êle, continua a fazer estas últimas, tendo possibilidade de cousas melhores; e o deixar-se vencer por si próprio não pode ser senão igno­ rância, nem o conseguir vencer-se a si mesmo não pode ser senão sabedoria. . . E então? acaso não afirmais que a igno­ rância é algo sem elhante a isto: ter falsa opinião e enga­ nar-se sôbre argumentos de grande importância? Que ou­ tra cousa dizia eu: senão que ninguém vai voluntàriamente ao encontro dos males, nem do que considera ser mal?

(Protágoras, 358).

5. Elementos contrários à Ética intelectualista.

a) A disposição preliminar·, negativa (impulsividade

ou intem perança) e positiva (domínio de si ou tem perança).

— Consideras livre aquêle que é dominado pelos prazeres do corpo e tornado impotente para fazer o que é melhor? — De modo algum. — E parece a ti que os intemperantes se acham somente impedidos de fazer as cousas melhores, ou também constrangidos a cometer as mais ignóbeis?

. . . Então os intemperantes servem à pior das escravidões. — Assim me parece. — E não te parece que a intemperan­ ça afasta os homens da sabedoria, que é o maior dos bens, e os atira para o seu contrário?. . . Que diferença existe entre o intemperante e o animal mais incapaz de Ciência?

. . . Somente aos temperantes é dado ver o melhor que h á em cada cousa, e, distinguindo-as de acôrdo com o seu gênero, escolher as boas e abster-se das más (Xenofonte, Memor., IV, 5).

b) P o s s i b i l i d a d e d a c o n v e r s ã o d o b o m e m m a u e p e r ­

m a n e n t e m a l d a d e d o m a u . — Assim o homem bom, às vezes,

pode tornar-se mau devido à idade e ao cansaço ou a enfer­ midade ou outras causas — porque so esta pode¡ ser a. con­ dição má: ficar privado da sabedoria — , ao contrai 10 o homem mau nunca poderia tornar-se mau, pois ja o e (Pla­ tão, P r o t á g o r a s , 345).

c) A e s c o l h a d o s d i s c í p u l o s . — O meu demônio ímpe-

de-me de conversar com alguns; com outros, ao contrario, mo permite (Platão, T e e t e t o s , 151). . . -

A muitos êle (o demônio) os repele, e a estes nao lhes seria posSvel obter nenhum a vantagem em conversar comi­ ™ e nem a mim mesmo é permitido conversar com eles; rom muitos não me impede conversar, porque nada apro- v eitem ^ a conversação, iq u ê le s a « favorece na conversação sao os que c o m o já o percebeste, obtêm imediatamente grande proveito (T e a g e t e s, 129).

d) C o n c i l i a ç ã o d a C i ê n c i a c o m a c u l p a? — Estou viva­

m ente desejoso de examinar o ponto ora referido, se sa melhores os que pecam voluntariamente 03J |" e ° f ^Z<^ involuntariam ente.. . Em todas as Artes e ten cu a s e (a capacidade) superior a que sabe fazei voluntariame mal e o feio e enganar-se, enquanto que a pior (acontece) Involuntariam ente . . Então serâ m elhor q ^ m ^ a tic " o mal e peca voluntariamente, ou quem o comete sem o qu

- P seria enorme, oh. S ócrates.. - Mas P ^ c e u -m antes conseqüência de tudo o que se tem dito . . Nao nos nareceu talvez, que a alma, quanto mais capaz e sabia, e ?anto melhor ¿ se acha em melhores condições para fazer ambas as cousas, o bem e o mal em cada a ç a o ? .. . Pois e próprio do homem bom fazer o m al voluntàriamente, e do mau, involuntàriam ente, se o bom é aquele que tem a alma boa . . - Não posso conceder-te, S ó cra tes.. . - Nem eu a m im mesmo, Hípias, porém, não obstante, conclui-se neces­ sariamente do raciocínio feito (Platão, Hipias menor, 373-5).

[E ntre o explícito testem unho de Aristóteles (E t nicom. cif.) e êstes motivos de P latão e Xenofonte, há evidente contraste. Superáve .

p ara o n ° a), em que a rebeldia ao domínio de si mesmo, e por isso, à sabedoria, pode interpretar-se como condição inicial ehmmável; não para p n.° c) em que ela apareceria como disposição congênita melim ·

Superável, é certo, p ara o n.° b) em que a perversão dos bons está subor­ dinada à perda da Ciência, e não entra, por isso, no âm bito do pecado voluntário do n.° d). Mas é necessário advertir que Sócrates, ao declarar a sua repugnância à conclusão, insiste em dizer que deriva das prem issas estabelecidas, que estão precisam ente na afirm ação de H ípias (365-6), que “ os m entirosos são capazes, inteligentes e sábios no que m entem ” : Sócra­ tes, com a redução ao absurdo, quer dem onstrar que a quem pratica o mal não se pode atrib u ir inteligência e sabedoria, que não são habilidades par­ ciais, m as um a virtude unitária e com pleta de todo o espírito (cfr. p ará­ grafo seguinte). Com isto diferenciam-se os conhecimentos e habilidades parciais da sabedoria e inteligência, que constituem um hábito unitário e sistem ático de todo o espírito. O espírito purificado pela Ciência em sua unidade e totalidade não é m ais capaz de êrro e de pecado senão com o sobrevir das condições patológicas de que fala o n.° b].

6. Unidade e identidade das virtudes entre si e com o saber.

Explica-me com precisão o seguinte: se a virtude é algo único e a justiça, a sabedoria e a santidade constituem suas partes, ou então estas, que acabo de citar, são nomes da mesma cousa, que é um a só. — Mas a isto, Sócrates, é fácil de responder: que as que dizes são partes da virtude, que é uma s ó . . . — E cada um a dessas partes é diferente das demais? — Sim. — E cada um a tem também a sua função própria com as partes do rosto? Não é (com efeito) o ôlho como a orelha, nem a sua função é a mesma, nem das ou­ tras partes alguma é igual nem pela sua função nem pelo resto. Assim, pois, também as partes da virtude não são iguais uma a outra nem em si nem na própria função?. . . — Certamente. — Então, a santidade não é um a cousa justa nem a justiça uma cousa s a n t a .. . mas aquela, injusta, e es­ ta, ímpia, Que responderemos, Eu, da m inha parte, direi que a justiça é santa e a santidade, j u s t a .. . E há alguma cousa a que chamas loucura? — Sim. — E a sabedoria não é todo o contrário disso? — Parece-me que sim (disse). — Mas, quando os homens agem reta e utilm ente, parecem ser sá­ bios assim agindo, ou o contrário? — Parecem-me sábios. — Ora, não são sábios por sabedoria? — Efetivamente. — Logo. . . para cada um dos contrários, há um só contrário e não mais, — Concordo com isso. — Portanto, é Ciência tanto a justiça quanto a sabedoria e a coragem e qualquer outra (virtude) (Platão, Protágoras, 329-30, 332, 361).

A virtude e a vida pública. A prim eira cousa que deves fazer é adqm- • ■ t tu p tnrln aauêle aue deva tom ar a direção e o cuidado nao rsô d a s1 suas c o u s a s m a s cidade e dos negócios desta. - D i.es a ver­ dade — Portanto, não deves procurar liberdades abusivas e ® fazer o que desejas, para ti e p ara a cidade, m as justiça e s a b .d o n a (Pia­

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crer que nao se p ^ ’haWii(iade em governar-se a si mesmo e aos outros,

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çar a falar assim : Ateniense , mestre Apesar disso, nomeia-me C o PS : 3" e i Ude aprender a arte com a prática, experimentando em vós” (Xenofonte, Memor., IV, 2).

V . O BEM

1. O bem viver (eupraxia): identidade de virtude e lelici- dade.

Não sabes que a nenhum homem do mundo concederia „Abre mim o direito de afirmar que viveu melhor nem mais alegremente“? Pois, segundo a m inha opinião, vivem o i - m ente os que se estudam para achar o melhor modo de S e g a r a ser ótimos, e vivem felizes os que tem a consciência do seu contínuo melhoramento (Xenofonte,

Memor., IV, 8).

TA expressão grega "bem viver" (.eú práttein, eupraxia) que significa ao tpmnn “fazer bem ” e “estar bem ”, identifica em si a virtude com a felicidade, Êste conceito, característico dos gregos, aplica-se Pa^ ° ulare m ente ao sábio que, através da contemplação da verdade e do bem , se m irifica espiritualm ente e se eleva ao estado divino de bem-aventurado

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e dos pitagóricos, Píndaro já aplicava aos iniciados nos misté:rios, e Epi carmo e Eurípedes davam aos cultores do Belo, do Bem e da Ciencia. Semelhante concepção do estado e destino do filósofo transm ite-se depois ? P la tã o A ris tó te le s Epicuro. A identidade entre o aperfeiçoamento espi­ ritu al e ’a aproxim ação ao estado divino encontra; s% corfir.manddala^ ° tes em outra passagem dos Memoráveis (I, 6), referido m ais a^ n t e , · 3b. Também êste docum enta a inspiração religiosa da étiea socratic ].

A independência das situações exteriores no bastar-se a si ™esm°e ° homem que pôs sòmente em si mesmo tudo aquilo que o ^ d u z a ià felici dade ou quase a ela, e não perm anece dependente da condição do ,

de modo que a sua situação seja obrigada a oscilar segundo a boa ou m á situação dêles; êste homem acha-se preparado p ara a vida ótima; é sábio, valoroso e prudente. (Platão, Menexeno, XX, 248).

Viver bem e ter fortuna. Interrogado em certa ocasião sôbre qual lhe parecia a melhor finalidade para o homem, Sócrates respondeu: o bem viver. Interrogado ainda se tam bém cria que a boa fortuna era a finalidade do homem, respondeu: creio que a fortuna e a ação são duas cousas con­ trárias; pois achar o que nos convenha sem procurá-lo, considero-o boa sorte; conseguir êxito em um a em prêsa por meio do estudo e do exercício, chamo-o bem viver; e os que disto se ocupam parece-me que vivem bem (Memor., III, 9).

[Observe-se o que eu disse na página anterior sôbre a expressão grega "bem viver”}.

A sabedoria e a fortuna. A sabedoria, em cada caso, produz a boa for­ tuna dos homens, pois ninguém, certam ente, pode jam ais enganar-se por sabedoria, mas, necessariam ente, faz o bem e consegue os seus fins, por­ que, então, não seria sa b ed o ria... Quando se tem sabedoria, não se ne­ cessita de boa fo rtu n a ... No uso dos bens anteriorm ente nomeados (ri­ queza, saúde, beleza), é a Ciência ou outra cousa que guia e dirige a ação ao seu justo uso? — A Ciência (digo eu). — E ntão, a Ciência não sòmente prepara para os homens a boa fortuna, mas tam bém o bom emprêgo de tudo o que possuem e fazem (Platão, Eutid., 280, g).

2. A visão comum do bem (u tilitária): a virtude é Ciência (de medida) ainda mesmo aceitando a opinião comum.

A maior parte dos h om en s. . . dizem que muitos, mesmo conhecendo o melhor e podendo segui-lo, não querem fazê­ -lo, antes fazem tudo ao contrário. . . vencidos pelo prazer ou pela dor ou por qualquer dos impulsos que acabamos de c it a r ... E se perguntássemos: sob que aspectos considerais más estas cousas?. . . Creio que não responderiam senão que são males, não pelos prazeres que proporcionam no mo­ mento, mas pelas conseqüências posteriores de enfermidades ou outras infelicidades que acarretam . . . E se ao contrário, lhes perguntássemos: ó, homens, dizeis, por outro lado, que existem bens m olestos. . . ; vós os chamais, justamente por isso, porque no primeiro momento causam graves dores e sofrimentos, ou porque produzem com o tempo saúde e bem­ -estar do corpo, salvação da cidade e domínio sôbre os ou­ tros e riquezas?. . . Logo, credes que o mal é um a dor e o prazer um bem, porque o mesmo gozar dizeis que é, às vêzes, um mal quando nos priva de prazeres maiores do que

aquêles que traz em si ou nos prepara dores maiores do que os prazeres que procura. . . e ora chamais bem ao pró­ prio sofrer, quando preserva de dores maiores do que as que há nêle, ou provoca prazeres maiores do que as dores. , . Pois se pesares prazeres contra prazeres, seriam tomados sempre os maiores e mais numerosos; se dores contra dores, os menores e menos numerosos; se prazeres com dores, quan­ do as dores são superadas pelos prazeres, ou os afastados pelos próximos, dever-se-á realizar a ação que apresente tais condições; se em vez disso, os prazeres são superados pelas dores, não se deverá fazê-lo. Poder-se-ia dizer de outro modo, homens? Sei que não se poderia responder de outra ma­ n e ir a ... Se pois o viver bem, para nós, consiste nisto: em fazer e tomar as medidas maiores e fugir e não fazer as pe­ quenas, qual nos parecerá a salvação de nossa vida?. . . Não parece que seja, antes de tudo, medida de excesso e da falta e procura de igualdade entre os têrmos? — Necessària­ mente. — Uma vez que é medida, deve, pois, ser Arte e C iência. . . E assim deveis convir que, por falta de Ciência, erra quem peca na escolha dos prazeres e dores, isto é, dos bens e dos m a les. . . Sabei, também, que a ação errada por falta de Ciência se realiza por ignorância (Platão, Pro-

tágoras, 352-7).

[Esta Ciência de cálculo e de medida (utilitarism o) é dem onstrada como necessária, pois, partindo da prem issa de que o viver bem. consiste em conseguir a m aior soma de prazeres: que é a opinião m ais difundida entre o vulgo. Mas a visão própria de Sócrates é, entretanto, de que o viver bem consiste no contínuo transform ar-se em m elhor (cfr. o item n.° 1) e em contribuir para a m elhoria dos outros (cfr. item n.° 3). Todavia, frente à comum visão utilitarista, Sócrates dem onstra que é pre­ ciso um a medida, que é Ciência, e que o agir bem beneficia sem pre e o agir m al traz em si o seu próprio castigo].

A sanção intrínseca às leis naturais (divinas). Conheces, Hípias, leis não e scrita s?... Quem crês, pois, que haja estabelecido estas leis? — Por mim, creio que foram os D euses... Alguns as infringem. — Mas sofrem um a pena os que transgridem as leis estabelecidas pelos Deuses, um a pena a que nenhum homem pode fugir; enquanto que, em compensação, infrin­ gindo as leis estabelecidas pelos homens, alguns escapam à pena e aos c astig o s... — E qual é a pena a que não é possível fugir, pelas relações incestuosas entre pais e filhos? — A m ais grave que se pode im ag in a r... gerar filhos mal form ados. . . — Em verdade, isso assemelha-se a cousa di­ vina; que as m esm as leis encerrem em si penas p ara quem as infrinja e viole (Xenofonte, Memor., IV, 4).

3. A visão filosófica do bem (idealista).

a) A liberdade espiritual no domínio ãe si mesmo Crês

que a liberdade seja uma cousa bela e sublime, não só para a cidade, mas também para o homem? — Certamente, a mais bela e a mais sublime. — Ora, julgas que é livre quem se acha dominado pelos prazeres do corpo ou tornado im­ potente para fazer o melhor? — De modo a lg u m . . . _ E parece-te ou não que somente os intemperantes se acham impedidos de fazer as cousas melhores ou também cons­ trangidos a cometer as cousas mais ignóbeis? __ Não se acham menos constrangidos a estas que impedidos para aquelas. — E de que espécie de amos julgas que são os que impedem de fazer 0 melhor e obrigam ao pior? — Da pior espécie possível. — E qual julgas que seja a pior escravidão? — A que se sofre sob os piores senhores, creio eu — Então, os intemperantes servem à pior das escravidões (Xenofonte,

Memor., IV, 5).

^ b) A libertação das necessidades e o aperfeiçoamento próprio e dos outros. Se eu não sou escravo do estômago, do

sono e da luxúria, crês acaso que a sua causa primeira seja outra e não esta: que conheço outros prazeres mais suaves do que aquêles, prazeres que me alegram não somente com a satisfação do momento, mas com a esperança que me ofe­ recem de obter um perpétuo proveito?. . . De que fonte crês que provenha tanto prazer, senão o de sentir-se transfor­ mado em melhor e contribuir para 0 melhoramento dos a m ig o s? .. . Ora, êste é um pensamento que enche a m inha v id a ... Baseias a felicidade nas delícias e no luxo; em compensação, penso que o não ter nenhum a necessidade ê cousa divina, e ter o menos possível é 0 que mais me apro­ xim a do divino: pois bem: 0 divino é 0 ótimo; e o que mais se avizinha do divino é 0 que mais se acerca do ótimo

(Xenofonte, Memor., I, 6).

[Desta concepção do bem vem a Sócrates o sentim ento profundo da sua missão, que deve cum prir a custo da própria vida. Mas, justam ente porque no cum prim ento desta m issão a consciência do próprio m elhora­ m ento se acha ligada à consciência de contribuir p ara o m elhoram ento dos outros. Sócrates deve purgar os outros espíritos com a refutação, antes de

conduzi-los, com a maiêutica, ao reconhecimento da verdade e do bem. A sua condição é a que Platão, na alegoria da caverna (Rep. V II), repre­ senta na pessoa de quem haja visto o sol ilum inante da realidade, e tra ta depois de transfundir nos seus com panheiros de prisão, na caverna escura, o conhecimento da verdade que conquistou],

c) Passagem, à moral desinteressada', o amor como ele­

vação espiritual. De tôdas estas belas e felizes Ciências, na­

da sei embora quisesse saber; m as sempre digo que me en­ contro para assim me exprimir, em condições de nada saber além de uma pequena Ciência: a do amor. Nesta, porém, posso gabar-me de ser mais profundo do que todos os homens que me precederam e os do nosso tempo (Teagetes, 128).

Se quisesses que um teu amigo se preocupasse com as tuas cousas. . . que farias? — Eu me preocuparia primeiro com as d êle. . . — E se quisesses que êle te acolhesse como h ó sp ed e? ... — Primeiramente eu o a co lh e ria ... — E tu, e n t ã o .. . trata de tornar melhor êsse h o m e m .. . — Mas, se eu fizesse isso e êle não se tornasse melhor. — E que outro perigo corres, senão o de mostrar que és homem de bem e amoroso para com teu irmão, e êle, em troca, homem de mau coração e indigno dos benefícios? (Xenofonte, Memor., II, 3).

4. Condenação da injustiça (m al).

a) Porque torna pior quem a recebe. Desejas um com­

plemento a definição dada no comêço ao dizer que é justo fazer bem ao amigo e mal ao inimigo; agora a isto deves acrescentar que é justo fazer bem ao amigo que é bom, e mal ao inimigo que é mau. — Exatamente; parece-me que assim está bem dito. — De modo que é próprio do homem justo fazer mal a um homem qualquer. — Decerto (disse), aos malvados e aos inimigos é necessário fazer mal. — Mas, os cavalos que são maltratados transformam-se em melho­ res ou em piores? — Em piores. . . E os homens, amigo, não diremos igualmente que quando são maltratados, ficam piores na virtude própria do homem? — Certamente. — E a justiça, não é um a virtude humana? — Necessàriamente. — De modo que os homens maltratados e prejudicados, fica­ rão necessàriamente mais injustos. — Pareee. . . — Podem,

porém, os justos tom ar injustos aos outros com a justiça, ou, em suma, podem os bons com a virtude (transformar aos outros) m au s?. . . — Não, isso é im possível. . . — Logo,