• Nenhum resultado encontrado

achando-se assim estas cousas, convém crer que em tôdas as cousas que se reúnem há muitas e variadas cousas,

I I I O POLEMISTA: ZENÃO DE ELÉIA

NOVOS DESENVOLVIMENTOS DA FÍSICA

E, achando-se assim estas cousas, convém crer que em tôdas as cousas que se reúnem há muitas e variadas cousas,

e as sementes de tôdas as cousas, tendo formas de todos os gêneros e côres e sabores (do fr. 4). E em cada cousa há partículas de cada cousa (do fr. 1 1).

E nenhum a cousa é igual a outra cousa, mas aquela que há em maior quantidade, essa, de maneira mais m ani­ festa dá e deu a sua característica a cada cousa (do fr. 1 2). Sendo cada cousa caracterizada segundo o que nela pre­ domina, parece, de fato, ouro aquilo em que predominam as partículas de ouro, embora haja nêle tôdas as cousas (Sim- plício, Física, 272).

[Sôbre a questão referente ao sentido desta teoria, veja-se depois a nota núm ero 1 2].

6. Inseparabilidade dos sêres e dos contrários.

As cousas que existem neste mundo não estão separa­ das umas das outras, nem se podem separar entre si com um golpe de machado, nem o calor do frio, nem o frio do calor (fr. 8).

[“Não somente a respeito dos corpos (Anaxágoras) m as tam bém das côres; pois disse tam bém que o negro está no branco e o branco no negro. E o mesmo estabelece para os pesos, afirm ando que o leve se acha m is­ turado ao pesado, e reciprocam ente, êste àquele” (Schol. em Gregorium XXXVI, 911)].

7. A união originária e a indiscemibilidade das cousas.

Mas antes que estas cousas fôssem separadas, quando estavam tôdas juntas, não era discernível nenhuma côr, pois

se opunha a ela a mistura de tôdas as cousas (do úmido e do sêco, do calor e do frio, do luminoso e do escuro e da grande quantidade de terra contida) e da multidão de se­ mentes infinitas, nenhum a semelhante a outra. Pois ne­ nhum a das cousas parece uma igual a outra. E, achando-se assim as cousas, convém crer que tôdas as cousas estivessem no Todo (do fr. 4).

8. A união originária e a infinidade dos infinitesim ais.

Tôdas as cousas estavam juntas, infinitas em quantida­ de e em pequenez: porque também o pequeno era infinito. E, estando tôdas as cousas juntas, nenhum ser era discer­ nível por causa da sua pequenez (do fr. 1). Porque não há um grau mínimo do pequeno, mas sempre há um grau m e­ nor. Pois é impossível que o ser não seja. Mas também do grande há sempre um maior. E é igual em multidão ao pequeno, e tôda cousa, comparada consigo mesma, é ao mesmo tempo grande e pequena (fr. 3).

[O conceito de infinito está assim desenvolvido, sob um tríplice aspecto: infinitam ente grande (a totalidade do universo), infinitam ente pequeno (os infinitésimos indiseerníveis), infinitam ente m ultíplice (a composição de cada cousa). Desta últim a deriva um a dupla conseqüência com respeito ao grande e ao pequeno: 1) que, resultando ambos de infinitos infinitesi­ mais, são iguais em multiplicidade; 2) que a sua distinção se torna pu­

ram ente relativa. _

Mas os infinitésimos indiseerníveis são introduzidos no frag. 1, para explicar-se que a m istura originária era indiferenciada: de outra m aneira a diferente constituição das partes desta m istura teria dado lugar_ à sua distinção (cfr. antes no n.° 5, citação do fr. 12 e de Simplicio). Não sem surpresa, lê-se na continuação do fragm ento 1: “Pois sôbre tôdas as cousas prevaleciam o ar e o éter, sendo ambos infinitos, pois estas são as maiores entre tôdas as cousas, em quantidade e em grandeza”. E no fragm ento 2: “ Pois tam bém o ar e o éter se estão diferenciando da m assa envolvente, e o envolvente é infinito em quantidade” . Como podem, no diferenciado, apresentar-se dois elementos predom inantes? Aqui, diz Burnet, Anaxágoras tornava a com binar com Anaxímenes. Mas não sem contradição. O frag­ m ento 2 refere-se não m ais ao mom ento da união originária, m as à dife­ renciação já iniciada no curso da sua evolução infinita: todavia confirma a idéia do predom ínio do ar e do éter na m assa ainda diferenciada do envolvente].

9. A imobilidade originária e a origem da separação: o In­ telecto (Nous) e o movimento.

Diz êle que estando tôdas as cousas reunidas e em re­ pouso, por um tempo infinito, o Intelecto introduziu o mo­ vimento e separou-as (Aristóteles, Física, VIII, 1, 250).

[Cfr. Diógenes Laércio (II, 6), que assim n a rra o comêço da obra de Anaxágoras: "Tôdas as cousas achavam-se juntas; depois, surgindo o Inte- tecto, ordenou-as em cosmos”. Sôbre a originária imobilidade do infinito, que Anaxágoras deduzia da sua mesmo infinidade (cfr. Aristóteles, Física, III, 5, 205)].

10. Pureza do Espírito, sua potência e onipresença.

As outras cousas têm tôdas alguma parte de cada cousa; mas o Espírito é infinito e dotado de fôrça própria, e não é mesclado com cousa alguma, porém acha-se só por si mesmo. Porque se não estivesse em si mesmo, mas mesclado com ou­ tra cousa, participaria de tôdas as cousas, ainda que se achasse mesclado com uma só; porque em cada cousa há parte de cada cousa, como já se disse antes; e as cousas mis­ turadas com êle impediriam-no, de maneira que não teria poder sôbre cousa alguma, como o teria sendo só de per s i . . . O Espírito é sempre todo igual, é o maior como o m e­ nor. Nenhuma outra cousa é igual a nenhum a outra; mas cada cousa é e foi m anifestam ente aquilo de que contém a maior p arte. . . O Espírito é, pois, a mais sutil e a mais pura de tôdas as cousas e tem inteira razão sôbre cada cousa e possui o máximo poder. E o Espírito domina tôdas as cousas, grandes ou pequenas, que têm uma alma (viventes).

E o Espírito dominava tôda a revolução (do universo), de maneira que lhe deu origem.

E o Espírito conhece tôdas as cousas, as misturadas e as separadas e distintas. E o Espírito ordenou tôdas as cousas, tôdas as que deverão ser, as que foram e não são, e as que são agora; e pôs ordem nesta revolução (rotação) a que são arrastados todos os astros, e o Sol, a Lua, o ar e o éter já separados (do fr. 1 2).

O Espírito, que é eterno, acha-se certamente agora onde também estão tôdas as outras cousas, na massa envolvente e no que estava unido a ela e no que se encontrava dela separado (fr. 14).

[Atribuindo tudo ao E spírito, Anaxágoras “ensina que nada do que acon­ tece ocorre segundo um destino necessário; m as êste é apenas um nome vazio” (Alex., De fato, 2). “O E spírito (intelecto) ordenador do m undo é a divindade” (Aécio, I, 7, 14). E assim Eurípedes, discípulo de Anaxágoras, cantava: "O nosso Intelecto é, em cada um de nós, a divindade” (fr. 1018). Da exaltação do Intelecto por Anaxágoras veio-lhe o apelido de Intelecto, como o atesta Tímon nos Silloi (Diógenes Laércio, II, 6) e Plutarco na Vida de Péricles (4)].

11. O comêço e a progressão infinita do movimento e a sua ação separadora.

E primeiro (o Espírito) começou a revolução do peque­ no e foi estendendo-a a pouco e pouco, e a estenderá cada vez m a is. . . E esta revolução operou a separação. E sepa­ ra-se o rarefeito do denso, e o frio do calor, e o escuro do luminoso, e o úmido do sêco (do fr. 12). E, quando o Espírito começou a mover-se, principiou a separação do que era mo­ vido; e tudo o que o Espírito movia se dividia inteiramente, e movendo-se e dividindo-se, a revolução fazia-o dividir-se muito mais (fr. 13), assim revolucionando-se e separando-se estas cousas pela fôrça e a rapidez. E a rapidez faz a fôrça. A sua rapidez não se assemelha à rapidez de nenhum a das cousas que existem agora entre os homens, porém é uma velocidade muito maior (fr. 9). O denso e o úmido, o frio e o escuro reuniram-se no lugar onde agora se acha a Terra, enquanto que o rarefeito, o calor, o sêco se dirigiram para a região exterior do éter (fr. 15).

[“Quem disse que o E spírito, como nos animais, assim tam bém n a na­ tureza é causa do cosmos e de tôda a sua ordenação, aparece-nos como um homem sóbrio em confronto com os seus vaníloquos antecessores”. Aristóteles, (Metafísica, I, 3) louva assim Anaxágoras; m as critica depois, porque “se serve do E spírito como de um a m áquina para a geração do m undo: quando crê não poder encontrar a causa pela qual um fato é ne­ cessário, faz aparecer aquêle, então; m as, em com pensação, para o restante, estabelece outra cousa que não seja o Espírito, como causa dos aconteci­ m entos” (Metafísica, I, 4, 985). E critica-o, assim como a Empédocles, porque, "cham ando bem ao E spírito e ao Amor, se consideram como causas; m as não

porque digam que, por causa dêles, algo se produza ou chegue a ser o que é, m as que dêles fazem derivar os movimentos” (Metaf., I, 7, 989); ou seja, porque em pregam êste princípio inteligente como causa m ecânica e não como causa final, transform ando a ordenação do mundo em algo me­ cânico e não teleológico. E esta é a crítica que Sócrates já lhe dirigia no Féãon de P latão (97 b ): “Tendo ouvido que A naxágoras... dizia que a inteligência é a ordenadora do mundo e a causa de tôdas as cousas, ale­ grei-me com tal causa, e pareceu-me que deveria ser verdade que o E spírito fôra causa de tudo, e julguei que, sendo assim, o Espírito, ao ordenar o mundo, teria ordenado e disposto cada cousa, de m aneira que deveria estar onde m ais lhe conviesse; de modo que, se alguém desejar averiguar a causa de cada cousa, ou seja, po r que nasce, p o r que existe, por que m orre, con­ virá procurar a m elhor m aneira da sua existência ou dos seus acidentes ou açoes, e a sua m aneira de sofrer ou fa z e r... Assim raciocinando... pare­ cia-me haver encontrado em Anaxágoras quem me ensinasse a verdadeira causa dos sê re s. .. Mas achei-me logo abandonado por essa adm irável es­ perança, que m e transportava, pois, prosseguindo na leitura, m e convenci de que o meu homem não fazia nenhum uso da Inteligência e não lhe atribuía nenhum a causa de ordenação das cousas, mas, em compensação, considerava como suas causas os vapores e o éter, as águas e m il outras cousas absurdas”].

12. A permanência da mistura.

E como as partes do grande e do pequeno~são iguais em multiplicidade, também pela mesma causa estarão tôdas as cousas; e não será possível que se achem separadas, mas que tôdas as cousas têm parte de cada uma. E não sendo pos­ sível que haja o mínimo absoluto, menos ainda poderia vir separado, nem chegar de per si; mas como era no princípio, assim também agora tôdas as cousas estão juntas. E em tôdas estão contidas múltiplas cousas, e a multiplicidade ê igual nas maiores e nas menores das cousas separadas (fr. 6).

[Para com preender êste fragmento, é necessário lem brar-se do fr. 3 (ve­ ja-se atrás o n.° 8), onde se acha explicado que o grande e o pequeno, resultando de infinitos infinitésimos (pois não há um mínim o absoluto, li­ m ite últim o do processo de divisão das partículas) são iguais em m ultipli­ cidade (infinita em am bos). Não havendo, porém, um limite para o pro­ cesso da divisão, não é mesm o possível isolar e separar os elementos di­ versos; de m aneira que a m istura originária perm anece tam bém após o processo de separação; e em cada cousa perm anecem presentes tôdas as cousas. A interpretação tradicional explica isto no sentido de que tôdas as infinitas substâncias estejam presentes em cada cousa. E nisto consiste tam bém o testem unho de Aristóteles (Física, I, 4, 187) onde explica que Anaxágoras diz estar “cada cousa m isturada com cada cousa, porque de cada cousa via gerar-se cada cousa” . N ão adm itindo o nascim ento do nada,

afirm a a infinidade dos elementos, a sua união originária, a redução do nascim ento a um a m utação. Mas, acrescenta Aristóteles, tam bém “da ge­ ração recíproca dos contrários", conclui êle: “eram portanto inerentes” e a diversidade das várias cousas não depende ser cada um a “puram ente branca ou preta, ou doce, ou carne ou osso; m as aquilo que contém cada um a em m aior quantidade, essa parece ser a natureza de tal cousa” .

Por isso, Aristóteles, aqui e em Metaf., I, 3, 984 e em De coelo, III, 3, 302 e em De gen. et corr., I, 1, 314, assinalava o hábito de Anaxágoras de con­ siderar indistintam ente como elementos tanto as qualidades como as subs­ tâncias. São qualidades os contrários (branco e prêto etc.); são substân­ cias os distintos; (carne, osso, ouro etc.). Por outro lado, o mesmo Ana­ xágoras, no fr. 4, enum era um a série de contrários (qualidades), mas acrescenta: “a m ultidão das sementes infinitas, sem entes de tôdas as cou­ sas, que têm form as de todos os gêneros, côres e sabores”. Temos, então, pares de qualidades contrárias e a m ultidão das substâncias diferentes. Por isso, B urnet tem razão de sustentar que Anaxágoras queria falar de qualidades opostas; m as a sua interpretação deve aceitar-se antes como in­ tegração de que como substituição da tradicional, porque em Anaxágoras e em Aristóteles se acham am bas indicadas.

E sta teoria da panspermia implica, ao mesmo tempo, a influência de H eráclito (coincidência dos opostos) e de Empédocles (m istura de substân­ cias)].

13. Pluralidade dos mundos.

Formam-se homens e outros sêres vivos que têm uma alma. E êstes homens coabitam em cidades e possuem cam­ pos cultivados como entre nós, e têm também um sol e uma lua e outras cousas como nós, e a terra produz muitas cousas de todo gênero, das que, levando para casa as melhores, delas fazem uso. Isto, pois, é dito por mim a respeito da separação, que não só se realiza entre nós, mas também em outros lugares (fr. 4).

[Em vista dêste fragm ento deve-se supor que o E spírito tenha impresso o movimento de revolução (de que se origina a separação das cousas e a form ação do cosmos), em m ais de um lugar, de modo a dar origem a uma pluralidade de mundos, todos iguais pela igualdade das condições e das causas. Alguma dificuldade apresenta-se a êsse respeito pelo afirm ado no fr. 12 (veja-se antes, n.° 1 1) sôbre a propagação progressiva do movimento ao infinito: o que faria pensar em um só centro de propagação, se não quiserm os supor a infinita distância recíproca dos multíplices centros de propagação, de m aneira que a todos seja aplicável o que se disse no fr. 12

já citado. De qualquer m aneira não é possível in terp retar o fragmento acima referido senão no sentido de um a afirm ação de um a pluralidade de mundos, em bora algum testem unho antigo, acompanhado por muitos histo­ riadores modernos, diga o contrário].

14. A teoria da percepção: sua derivação dos opostos e jun­ tam ente com a dor.

Anaxágoras diz que a sensação nasce dos contrários, porque o semelhante não pode ser afetado pelo sem elhan­ t e . . . Vemos por meio da imagem pupilar, porém esta não se projeta sôbre um a cousa da mesma côr, mas sôbre uma d ife r e n te ... A côr predominante projeta-se cada vez mais sôbre uma cousa diversa (de côr). Da mesma maneira, também, o tato e o paladar discernem (os seus objetos). O que é quente e frio do mesmo modo (que n ós), não nos aquece ou esfria por seu contacto; nem percebemos o doce ou o amargo por meio de si mesmos. Mas sentimos o frio com o quente, e por meio do desagradável, o agradável; o doce pelo amargo ou seja por meio daquilo que falta em cada um; pois dizem que todos (os opostos) se acham em nós desde o princípio. . . E tôda sensação é acompanhada de dor, e esta opinião parece ser conseqüência da citada hipótese, porque cada dessemelhante, por seu contacto, traz dor. E esta dor torna-se sensível por sua longa duração e por excesso de sensações. As côres brilhantes e os sons ex­ cessivos produzem sofrimentos, e não podemos permanecer muito tempo sob a sua ação. (Teofrasto, Das sensações,

27-39).

[A esta teoria da percepção liga-se o conceito lem brado por Aristóte­ les (Meio/., IV, 5, 1009). “Costuma-se recordar um a afirm ação de Anaxá­ goras a alguns de seus discípulos: que as cousas p ara êles seriam tais quais lhes agradasse nelas acreditar”. E a propósito do conhecimento hu­ mano deve-se recordar, tam bém , o que disse Aristóteles em De part. animal.,

6 8 6; “Anaxágoras disse que o homem é o m ais inteligente de todos os ani­ m ais por possuir m ãos” : que se relaciona muito de perto com o fr. 21 b citado ao n.° 1: “Podemo-nos valer da experiência, da mem ória, da sabe­ doria e da nossa própria a rte ”. A arte e a experiência, como instrum entos de conhecimento, estão relacionadas com a posse da m ão e com o trabalho criador da técnica].