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A crítica e a inovação das leis: oscilações entre ilumi nismo e tradicionalismo:

I II DEUS E O MUNDO (TEOLOGIA E COSMOLOGIA)

VI. A LEI E O ESTADO

3. A crítica e a inovação das leis: oscilações entre ilumi nismo e tradicionalismo:

a) O iluminismo. Nada descuidar na censura das nossas leis. Porque não é desonroso ter algum conhecimento do que não é belo; antes, pode acontecer que se apresentem oportunidades de reforma a quem aceita as observações com benevolência e não hostilidade (Leis., I, 7, 635).

b) O tradicionalismo. A mutação em tôdas as cousas,

exceto nas más, achamos que é a mais perigosa. . . Tôda alma encontra resistência e temor em mudar, em qualquer das cousas estabelecidas, as leis, nas quais se instruíram as almas , e por uma divina fortuna, conservadas imóveis duran­ te largas e múltiplas idades, tanto que não tenham lembrança ou notícias de que nunca (essas leis) hajam sido de outra maneira diferentes das de agora. É preciso que o legislador estude um meio para que o mesmo aconteça no Estado. Eu

o encontro n este. . . É fatal que os meninos que introduzem inovações nos jogos, quando forem homens, sejam diferen­ tes dos meninos precedentes; e, assim diferentes, procurem, vida diferente, e procurando-a desejem diferentes costumes e leis; e, depois disso, nenhum dêles já não tem mais temor do que sobrevenha aos Estados, o que agora consideramos o mais grave de todos os males (Leis, VII, 7, 797-8).

[Mas a norm a do tradicionalism o — que P latão adm irava especialmente na educação egípcia — infundindo o hábito de considerar sagradas e im u­ táveis tôdas as regras já fixadas e transm itidas de geração em geração, não se concilia evidentemente com a exigência expressa prim eiro, de um a crítica sistem ática das leis, para verificar e elim inar dos mesmos defeitos eventuais. A posição contraditória dêste diálogo da tardia idade âe Platão não apresenta conciliação possível sôbre êste ponto.

Diverso era, em compensação, o problem a apresentado (e resolvido) no Críton, onde Sócrates, recusando subtrair-se à pena po r meio da fuga, de­ clara que todo cidadão pode criticar o conteúdo das leis, porém deve respeitar o valor form al das m esm as: pode pedir suas modificações pelas vias legais, mas, enquanto são leis, deve obedecer-lhes],

A crítica das leis e o quase-contrato. Mas, replicariam por sua vez as leis: foi êste, Sócrates, o pacto firm ado entre nós e ti ? ... Em cada caso deve-se executar o que diz a pátria, e, quando m uito, se não nos parece justo o que ela pede, persuadi-la com boas m aneiras; m as em pregar a vio­ lência não é cousa s a n ta ... Todo ateniense, tendo atingido a idade de ser cidadão, e conseguido consciência dos costumes da cidade e de nossas le is ..., nenhum a de nossas leis lhe proíbe ou im p ed e... que s a ia ... se estiver descontente conosco e com a c id ad e ... E ntão, se um de vós perm a­ necer a q u i... êle, dizemos, com os fatos, já se obrigou para conosco a fazer aquilo que lhe ordenemos; e, não o bedecendo..., comete vilania de três m aneiras: a prim eira, que não nos obedece a nós outras, que fom os suas mães; a segunda, que não nos obedece, a nós, que fomos suas nu- trizes; a terceira, que não nos obedece depois que nos prom etera obedecer, e nem ainda trata, no caso de nos enganarmos, de nos esclarecer por meio de razões ÍCrU., X II-X III, 50-2).

• 4 , A supremacia dos governantes ou das leis? Duas fases do pensamento político de Platão (antes e depois da experiência da Sicília).

a) O homem régio superior à lei. Que se deva também

governar sem leis é duro de ouvir. — . . . De certo modo, é claro que a legislação forma parte da arte régia; mas é que não dominem as leis, mas que domine o homem régio, sá­ bio . . . Por que a lei nunca poderia ordenar o melhor, to­ mando o melhor e o mais justo com precisão, conjuntamen­

te para todos. Pois as desigualdades dos homens e das ações e a incessante instabilidade das cousas não permitem que um a arte possa indicar, em alguma cousa, algo simples para todos os casos e para todos os tem pos. . . E a lei, em compensação, vemos que pende pouco mais ou menos para isto, como um homem arrogante e ignorante, que não dei­ xa ninguém fazer nada contra as suas ordens, e nem mesmo perguntar quando encontra algo de nôvo e melhor, diferen­ te da ordem dêle em anada. . . Mas (o legislador) estabele­ cerá a lei, creio, consultando (aquilo que convém) ao maior número e em maior quantidade para os indivíduos. . . Su­ ponhamos agora o caso de um médico ou de um mestre de ginástica, que, precisando permanecer a u sente. . . muito tempo, não creia que os enfermos e os alunos recordem os seus preceitos, e por isso queira escrever-lhes n o ta s. . . E então? Se voltasse, talvez não ousaria sugerir outras cousas melhores além das que já havia escrito, mesmo no caso de encontrar outras melhores?. . . Mas sustentaria que não se devem infringir os antigos decretos, nem com o prescrever outras cousas ao doente, nem ousando o doente agir dife­ rentemente do prescrito?. . . E então a quem estabeleceu por lei o justo e o injusto, o belo e o feio, o bom e o m a u . .. não será lícito ordenar outras cousas discordantes daquelas?

(Polít., XXXIII-IV, 294-6).

b) A supremacia das leis sobre os governantes. Aos

que se chamam comandantes chamei agora de servidores das leis, não por amor de novidade de nomes, mas porque creio sobretudo que nisso se acha a salvação do Estado ou o contrário. Onde a lei se acha avassalada e sem autori­ dade, aí vejo preparada a ruína do Estado; onde ela é sobe­ rana dos governantes, e os governantes servidores das leis,* diviso a salvação e todos os bens que os Deuses concederam aos Estados (Leis, IV, 7, 715).

[A definição da lei que se pode extrair das Leis compõe-se de dois ele­ m entos: de um a parte, a lei deve ser “ distribuição racional” (tén toü noü ãianomén, Leis, 714 a); da outra, deve ser “ transform ada em decisão co­ m um do E stado” (ãógma koinón póleos) (Leis, 644 d)].

Causa ãe mudança de opinião (a desilusão de Sicília) : passagem a con­ siderações realistas. Nem a lei nem nenhum a ordem é, efetivamente, supe­ rio r à inteligência, nem é justo que o intelecto seja súdito e servo de nin­

guém, m as que seja o dom inador de tudo, de modo que seja veraz e verdadeiram ente livre, segundo a sua natureza. Mas, agora, de fato, nunca é assim, ou é somente em p arte mínima; pelo que é necessário ater-se ao segundo têrm o, isto é, à ordem e à lei, que vê e visa ao que é geralmente, em bora não podendo decidir para cada caso singular, (Leis, IX, 13, 875).

5 . O mando das leis: a fôrça e a persuasão. Ainda as duas fases do pensam ento político de Platão.

a) A justificação da imposição. Sabes o que diz a maio­

ria a êsse respeito?. . . Diz que, se alguém conhecer leis me­ lhores, contrárias às dos antigos, é necessário que as dê à sua cidade, depois de haver persuadido a todos, um a um; m as de outra maneira, não. — E então? Não é justo? — Talvez — Mas se alguém, em vez de persuadir, forçar ao melhor, responde: qual é o nome de tal violência?. . . Se alguém, antes de persuadir ao enfêrmo, tendo porém a ver­ dadeira ciência médica, obriga a fazer o melhor a um m e­ nino, um homem ou uma mulher, contra as regras escritas, qual será o nome desta violência?. . . Não talvez qualquer cou­ sa, mas antes o êrro anticientífico causa de enfermidade?. . . E daqueles que se encontram forçados, contra as leis escritas e os costumes, a fazer outras cousas mais justas, melhores e m ais belas do que a n te s. . . tudo poder-se-á dizer, salvo que tenham sofrido vergonha, injustiça e m a l . . . Como o pilôto, .. .sem estabelecer leis escritas, tendo porém a sua arte por lei, salva os companheiros da nave, assim . . . seria go- vêrno justo o que tivesse a fôrça da arte sôbre a das leis

{Polít., XXXV, 296).

b) A condenação do despotismo. Nenhum dos legisla­

. dores parece jamais ter pensado que, podendo empregar duas maneiras para ditar as leis, a persuasão e a fôrça, êles, en­ quanto é possível frente ao vulgo privado de cultura, usam um a só: um a vez que não ditam leis moderando a violência com a persuasão, mas usam somente a fôrça sem nenhuma moderação (Leis, IV, 12, 722).

O poder da opinião pública. Dizes muito bem que a opinião pública te m um poder maravilhoso, tôda a vez que ninguém, nunca e de nenhum a m aneira tenta aspirar a outra cousa contra a lei. E n tã o ... ao legislador q ue pretenda subjugar um a paixão das que, po r excelência, escravizam

os homens, ser-lhe-á fácil como vencê-la, pois consagrando esta opinião pú­ blica perante to d o s. .. terá preparado para esta lei o m ais forte apoio

(Leis, V III, 6, 638).

6. As h ierarq u ias sociais e políticas. D iferenças de n a tu re z a

e de direitos entre os homens:

a) As três estirpes, do ouro, da prata e do bronze. No

Estado, todos vós sois irm ãos. . . mas o Deus, ao plasmar­ mos, a todos os que eram aptos para mandar, infundiu ouro em vosso interior ao gerar-vos, por serdes os mais dignos; misturou prata na composição de todos os (aptos para se­ rem) defensores; porém, ferro e bronze na dos camponeses e outros artesãos. . . Aos governantes, principalmente, e an­ tes de tudo, ordenou o Deus que nada vigiem melhor do que à prole, . . . e se um seu filho chegar a conter bronze e ferro, de nenhum a maneira se apiadem, mas, dando-lhe um cargo adequado com a sua natureza, o releguem entre os artesãos e os camponeses, e se, em troca, um dêstes nascer com m is­ tura de ouro e prata, honrando-o, elevem-no à classe dos guardiães ou defensores (R ep., III, 21, 415).

b) 4 s duas espécies, de igualdade (antecipação da jus­

tiça com utativa e distributiva de Aristóteles). Existindo

duas espécies de igualdade, homônimas, mas em realidade, geralmente quase opostas, uma — que é igualdade de me­ dida, de pêso e de número — tôda cidade ou todo legislador é capaz de introduzi-la, acompanhando a sorte na sua distri­ buição; a outra, que é a igualdade mais verdadeira e melhor, não é fácil a nenhum distingui-la. . . Ela atribui mais ao superior, menos ao inferior, dando a cada um dos dois de acôrdo com a sua natureza, e por isso, atribui sempre maio­ res honras aos superiores em virtude e, a quem se acha em condição oposta de virtude e educação, aquilo que lhe com­ pete em proporção. Assim, também para nós esta é sempre a justiça civil (Leis, VI, 5, 757).