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O PRECURSOR: XENÓFANES DE COLOFÃO

OS PITAGÓRICOS OU ITALICOS

I. O PRECURSOR: XENÓFANES DE COLOFÃO

[Floresceu por volta de 540 — Dedicou pelo menos 67 anos dos 92 da sua vida a viagens (cfr. fr. 8). Estêve talvez em Eléia (fundada em 540) e m orreu certam ente na Magna Grécia, em Sicília. Escreveu elegias e sátiras].

1. O nôvo caminho: da Cosmogonia à Ontologia: negação do devir e do movimento do universo.

Xenófanes de Colofão, seguindo uma via própria e dife­ rente dos precitados (Tales, Anaximandro, Anaxím enes), não admitiu nem nascimento nem dissolução; mas disse que o universo é sempre o mesmo. Pois se nascesse (disse) seria necessário que não existisse antes; ora, o que não existe não pode nascer êle mesmo, não pode produzir nada, nem por outro lado, nada pode nascer do que não existe. (Plutarco,

Stromat. 4 — em Eusébio, Praep. evang., I, 8, 4).

Permanece sempre no mesmo lugar sem mover-se, nem lhe convém voltar-se ora para uma parte ora para outra

(Xenófanes, fr. 26).

[A nova via, que abre o caminho aos eleatas, está, pois, em haver nega­ do o ciclo da gênese e da dissolução do m undo e o movimento universal de rotação afirm ados pelos jónicos. Mas em Xenófanes isso acha-se entrela­ çado com a sua concepção religiosa do cosmos].

2. A concepção religiosa do universo (panteísm o): a eter­ nidade e a unidade do todo.

Xenófanes que foi o primeiro dêstes (os eleatas) a afir­ mar a unidade do ser (diz-se que, de fato, Parmênides foi seu discípulo), não esclareceu, de modo algum (se fôsse fi­ nito ou infinito), nem parece haver tratado de alguma des-

tas duas naturezas; mas, olhando o universo todo inteiro, disse que o Uno é Deus (Aristóteles, Metafísica, I, 5, 986),

[Cfr. tam bém Platão, Sofista, 242, onde o interlocutor de Eléia diz: “a fam ília dos eleatas entre nós, a começar de Xenófanes e ainda antes, supõe que aquilo que se costum a cham ar tôãas as cousas seja um ser só, e relata os seus mitos em conformidade”.

Estabelecida a divindade do universo, parece ímpio atribuir-lhe um nas­ cimento].

Diz Xenófanes que quem afirma que os Deuses têm um nascimento comete impiedade igual à do que assevera que morrem: em ambas as hipóteses, acontece que, em certo momento, os Deuses não existam (Aristóteles, Retórica, II, 23, 1 399).

Há um só Deus, o maior entre os Deuses e os homens, que não se assemelha aos homens nem pelo corpo nem pelo pensamento (fr. 23).

Simplício (Física, 22) "diz que Xenófanes supõe um só princípio, ou seja um e todo. A êsse uno e todo Xenófanes denomina Deus, e dem onstra que é uno porque é o m ais poderoso de todos; disse, pois, se houvesse mais, o poder deveria pertencer a todos igualmente; m as Deus é o m ais poderoso e excelente de todos. Demonstrava que é ingênito, porque o gêneto deve nascer ou de um sem elhante ou de um dissímil. Mas (disse) que o se­ melhante não adm ite isto do sem elhante: pois não há razão m ais forte para que o semelhante gere antes que ser gerado do semelhante; e, se nascesse do dissímil, o ser viria do não ser. E dessa m aneira dem onstra­ va-o ingênito e eterno” .

[O testem unho de Simplício concorda com tudo o que se encontra afir­ mado no pseudo-aristotélico De Melisso Xenophane et Gorgia (977 a).

E nquanto Aristóteles diz que Xenófanes não cuidou d.e esclarecer se o universo era finito ou infinito, e enquanto um fragmento do próprio Xe­ nófanes (26 já citado) afirm a a imobilidade de tudo, em compensação, Simplício, de acôrdo com De Melisso Xenophane et Gorgia, diz que teria negado igualmente os dois pares de atributos opostos: “nem limitado nem infinito, nem em movimento nem em repouso”, explicando que o infinito e o imóvel não podem ser senão o não-ente, e que a lim itação e o movi­ mento implicam a pluralidade do ser. Além disso, do fragm ento 26 que afirm a a imobilidade pode-se recordar que o 28 (que citamos mais adiante) afirm a que as raízes da Terra se prolongam ao infinito].

3. Unidade do ser e do pensamento.

Tudo vê, tudo pensa, tudo sente (fr. 24). Governa, po­ rém, tôdas as cousas, sem fadiga, com o poder da sua m ente (fr. 25).

4. Crítica do antropomorfismo na religião: a relatividade das concepções religiosas.

Homero e Hesíodo atribuíram aos Deuses tôdas as cousas que são objeto de vergonha e de censura entre os homens; furtos, adultérios e enganos recíprocos (fr. 11). Relataram êles, sôbre os Deuses, uma quantidade de ações contrárias às leis: furtos, adultérios e recíprocos enganos (fr. 12). Os mortais crêem, porém, que os Deuses têm um nascimento, e roupas, vozes e corpo iguais aos seus (fr. 14). E os etíopes representam os seus Deuses platirrínios e negros, e os trácios dizem que têm os olhos azuis e os cabelos vermelhos (fr. 16). Mas se os bois, os cavalos e os leões tivessem mãos e com elas pudessem desenhar e realizar obras como os homens, os cavalos desenhariam figuras de Deuses semelhantes aos ca­ valos, e os bois aos bois, e formariam os seus corpos à imi­ tação do próprio (fr. 15).

5. O conhecimento humano: a sua incerteza e o seu desen­ volvimento progressivo.

Não houve nem haverá jamais homem algum que tenha um conhecimento certo sôbre os Deuses e sôbre tôdas as cousas de que falo. Porque, se acaso alguém dissesse a mais perfeita verdade, não teria êle mesmo consciência disso, pois sôbre tôdas as cousas não há senão opiniões (fr. 34). *

Os Deuses não mostraram aos homens tudo desde o princípio, mas êstes procuram e com o tempo encontram

o melhor (fr. 17). *

[A incerteza do conhecimento humano é afirm ada tam bém por Alcméon, contemporâneo de Xenófanes (veja-se o cap. precedente, II.a parte, parágr. 1, nota). Xenófanes confirma-a, principalm ente, com intenção polêmica con­ tra as concepções religiosas correntes (politeísm o antropom órfico) e contra as teorias físicas dos jónicos (gênese do mundo). Mas a p arte polêmica (céptica) contrasta com a dogmática da sua obra, como já notavam os antigos: “Xenófanes tem dúvida sôbre tôdas as cousas, exceto quando es­ tabelece o dogma de que o universo é uno, e que é Deus, limitado, racio­ nal, im utável” (Galeno, Hist. philos., 7). E Epifânio (III, 9): “Xenófanes assegura que tudo nasce da te rra e da água, m as que em tôdas as hipóteses que adianta nada há seguro, tã o obscura é a verdade: não há, sôbre cada cousa, senão opiniões e especialmente sôbre o que é invisível”. E Plutarco,

na passagem já citada (em Eusébio, Praep. evang., I, 8, 4) acrescenta: “Afirma êie que os sentidos são enganosos e inteiram ente junto com êles, acusa também a mesm a razão”. Mas tudo iso se refere provavelmente m ais ã parte polêmica e às hipóteses físicas: pela concepção da divindade do todo, eterno e imóvel, Xenófanes é dogmático; quanto ao resto, adm ite a possibilidade da pesquisa e da descoberta progressiva do m elhor],

6. Ba eternidade imutável do todo ao devir dos fenômenos particulares: as hipóteses físicas: a infinidade da Terra e do Cosmos, e a derivação da Terra e da água, dos sêres e dos fenômenos meteorológicos e astronômicos.

Vemos sob os nossos pés êste limite da Terra que no alto se acha em contacto com o ar; porém, embaixo a Terra con­ tinua até o infinito (fr. 28). .

Cfr. Aristóteles (De coelo, II, 13, 294). “Alguns, com efeito, (p ara explicar que a T erra é firm e) dizem que a p arte que se acha debaixo da mesma é infinita, e que no infinito tem as suas raízes, como Xenófanes de Colofão, po r não te r tido o trabalho de investigar a causa. Por isso, Empédocles criticou-os da seguinte m aneira: Se a profundidade da T erra e o éter difuso são infinitos, como os ditos da língua se acham inütilmente espalhados por m uitas bôcas, que m uito pouco vêem do universo” .

[Alguns historiadores, baseando-se neste fragmento, crêem que Xenófa­ nes tenha afirm ado ser o éter tam bém infinito; outros, entretanto, susten­ tam que Empédocles, dizendo as muitas bôcas, aludisse não só a Xenófanes, m as tam bém a Anaxímenes e aos pitagóricos aos quais pertencia a afirm a­ ção da infinidade do ar (que para os pitagóricos é igual ao vácuo). Que Xenófanes participasse da opinião da infinidade do éter, e portanto do cosmos em tôdas as direções, pode surgir de testem unhos provenientes de Teofrasto, segundo os quais êle te ria considerado infinito o ar e infi­ nita a trajetó ria do Sol, e tam bém do testem unho de Cícero, que, basean­ do-se talvez em Filodemo, declara que Xenófanes “infinitum voluit esse” o universo-Deus].

Tôdas as cousas vêm da Terra e na Terra vão terminar (fr. 27). Tôdas as cousas que nascem e crescem são terra e água (fr. 29). Pois todos nós nascemos da terra e da água

(fr. 33).

Xenófanes crê que existe um a mistura da terra com a água e que com o tempo ela se liberta da umidade, dizendo que existem provas de que no meio da terra e nos montes se encontram conchas, e que nas latomias de Siracusa se acham impressões de peixes e de focas e em Paros uma im­ pressão de lasca na profundidade da pedra, assim como em

oi

Malta, placas de restos marinhos de tôdas as espécies. E tudo isso acontece, na sua opinião, porque antigamente tudo se achava coberto de lôdo e neste conservaram-se as impres­ sões e as pegadas. E todos os homens desaparecem quando a terra, abismada no mar, se transforma em lôdo; e depois começa novamente a geração e esta m udança ocorre em to­ dos os mundos (Hipólito, R efutat., I, 14). ^

O mar é a fonte da água e do vento; porque nao surgi­ riam nem sopros de vento bafejando nas nuvens sem o grande mar, nem correntes de rios, nem água de chuva ce­ leste. Mas a grandeza do mar é geradora de nuvens, de ventos e de rios (fr. 30). ^

Das nuvens inflamadas vem o Sol (Aécio II, 20, 3). Das nuvens inflamadas nascem os astros; extinguindo-se cada dia, reacendem à noite como carvão; o^ seu nascer e o seu ocaso são abrasamentos e extinções (Aécio, II, 13, 14).

[Assim, a ocorrência de nascim ento e de m orte e a mufcação n e g a d a s n ara a unidade do todo, são afirm adas, nao obstante, paxa os sei es pa ticulares. A oposição entre a unidade imóvel do todo e a m últipla varia­

bilidade das cousas particulares prepara a oposição que entre o ser e os fenômenos estabelece Parm ênides, fazendo um a antítese entre a verdade (razão) e a opinião (sentidos). Mas talvez já exista de tais antíteses uma vaga antecipação em Xenófanes (fr. 35): “tende tôdas estas por opimoes, que têm a aparência de verdade” ].