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I II DEUS E O MUNDO (TEOLOGIA E COSMOLOGIA)

V. O BEM E A VIRTUDE

1. Prazer e dor.

Quando em nós, viventes, se desfaz a harmonia, gera-se, então, ao mesmo tempo, a dissolução da nossa natureza e o nascimento da d o r ...; quando, ao contrário, se restabelece e se reintegra a harmonia na sua natureza, deve dizer-se que se gera o prazer (Filebo, XVII, 31).

[Cfr. Timeu, XXVII, 64: a im pressão contra a natureza é dolorosa; e rein­ tegração da natureza é agradável. O problem a do prazer coloca-se ante as teorias dos hedonistas, para os quais êle constitui o bem. Na polêmica a r­ dorosa contra o hedonismo, em que Platão se encontra rodeado pela m ul­ tidão dos seus alunos, começa êle por desenvolver a questão da essência do prazer, para dem onstrar que não é o bem ].

O prazer não é sòmente cessação ãa dor, mas estado positivo; o prazer puro é o mais verdadeiro. Não dizíamos que a dor é o contrário do prazer? — Não é outra cousa!. .. — É interm ediário dêstes dois um a espécie de repouso da alm a relativamente a ambos? — Sim. — Ora bem, não ouviste dizer a quem é prêsa dos sofrimentos que nada é m ais doce do que deixar de sofrer? — Sim. — Também quando alguém deixa de gozar será doloroso. — Talvez... — Logo, aquilo que chamávamos de intermédio entre os dois,

o repouso, será, então, os dois, prazer e dor. — Parece. — Observa porém os prazeres que não acompanham as dores, para não te r agora que acre­ ditar q u e ... o prazer seja cessação de dor, nem a dor cessação de prazer (R ep., IX, 9-10, 583-4; cfr. Féãon, III, 60). Mas quais consideraremos justa­ mente verdadeiros? — Os das côres e das form as que se chamam belas, a m aioria dos odôres e dos sons, e todos os que, tendo necessidades insen­ síveis e sem dor, dão satisfações sensíveis e prazeres puros e isentos de d o re s ... A êstes juntarem os tam bém os prazeres do a p re n d e r...

A quem mais deve dizer-se que se acha m ais na verdade: o puro e sincero ou o forte, múltiplo, grande e suficiente?. .. Um pequeno branco puro, se dissermos que é m ais branco e ao mesmo tempo m ais belo e mais verdadeiro do que um branco abundante, porém mesclado, direm os justa­ m e n te ... Então? Não terem os necessidade de m uitos exemplos semelhan­ tes pelo arrazoado em tôrno do prazer, m as o bastante para pensar que todo prazer, em bora pequeno e pouco, porém puro de dor, será mais doce, m ais verdadeiro e belo do que o grande e m uito (mesclado) ( Filebo, XXXI-II, 51-53).

2. O prazer e a dor não se identificam com o bem e o mal.

Beber quando se tem sêde, dizes que é algo diferente do prazer? — Não. — Mas o homem que dizes que tem sêde, não sente dor? — Sim. — Vê então o que acontece: dizes que um homem doente goza ao mesmo tem po. . . Porém disseste que é impossível achar-se, ao mesmo tempo, no bem e no mal. — Sim. — Mas reconheces como possível que se goze ao mesmo tempo que se s o f r e .. . Logo, gozar não é achar-se no bem, nem sofrer é achar-se no mal, de maneira que o prazer resulta diferente do bem (Górgias, LI, 496-7).

O bem ãeve constituir u m fim, mas o prazer não. Aquilo, para o qual sem pre se geraria o que se gera para outrem , se acha na espécie do bem; aquilo que, ao contrário, se gera para outro, devemos colocar em outra espécie, amigo. — Forçosamente. — Mas, se o prazer é geração deveremos colocá-lo justam ente em um a espécie diversa da do bem? — Certamente. — (Fil; X XX III, 54).

3. O bem é união de prazer puro e racional, com inteli­ gência e ciência: exclusão dos prazeres sensíveis inten­ sos (perturbações).

Torno a recordar discursos ouvidos em certa ocasião. . . sôbre o prazer e a inteligência, isto é, que nenhum dêstes dois é o bem, mas uma terceira cousa distinta e melhor do que am bos. . . Convenhamos, antes de tudo, em algumas pe­

quenas cousas. . . — Quais? — A espécie do bem, é necessá­ rio que seja perfeita ou imperfeita? — A mais perfeita de tôdas, Sócrates. — Quê? deve ser suficiente o bem? __ E como não?. . . — Mas creio que dêle deve dizer-se o seguin­ te: que todo cognoscente o persegue e d e s e ja ... Vejamos e julguemos agora a vida do prazer e da inteligência, separa­ damente. — Como dizes? — Suponhamos que não haja em absoluto inteligência na vida do prazer nem prazer na da in telig ên cia ... — Não me parece, Sócrates, que haja que escolher nenhum a destas duas vidas, nem nunca, creio, pa­ receria a outros. — E então?. . . um misto das duas?. . . — De prazer, dizes, e de inteligência e sabedoria? — S im . . . — Cada um certamente, preferiria esta a cada um a daque­ las (Fil., X, XI, 20-22). E agora, como aos copeiros, as fon­ tes acham-se diante de nós: a do prazer semelha-se a fonte de mel, a da inteligência, sóbria e privada de vinho, a fon­ te de água austera e salutar: devemos estudar como mis­ turá-las do melhor m o d o ... (XXXVII, 61). Queres que e u . . . abrindo completamente as portas, deixe entrar tôdas as ciências, e misturar-se a pura com a menos pura? — Em verdade, Sócrates, não sei em que prejudicaria acolher tôdas as outras ciências, quando se têm as primeiras (XXXVIII, 6 2 ) . . . Está bem. E depois disto, devemos, por sua vez, in­ terrogar também a inteligência e a m en te. . . Além daque­ les prazeres verdadeiros, tendes necessidade, também, dos maiores e mais fortes, como companheiros? Como, Sócra­ tes? perguntariam êles: êstes, que produzem impedimentos infinitos, e perturbam com furiosa volúpia as almas que ha­ bitamos . . . ? Os outros prazeres, em compensação, a que chamaste verdadeiros e puros, considera-os como nossos fa­ miliares, e além dos acompanhados de saúde e sabedoria. . . Mas seria absurdo misturar com o intelecto os que se unem à demência e desejam acompanhar qualquer outro vício, se, visando à mais bela e pacífica mistura e proporção, quiser­ mos tratar de aprender nesta o que seja o bem no homem e em tudo mais, e adivinhar qual é a sua idéia (Filebo,

X X X I X , 63-4).

A inteligência é necessária ao bem. Tudo o que anteriorm ente chamamos de bens (riquezas etc.) não se pode concluir que sejam bens por si mesmos, mas, ao que parece, assim é: se os governa a ignorância são males maiores

do que os seus contrários, quanto m ais capazes de servir a um mau guia; se a sabedoria e a inteligência os governam, são bem maiores; mas por si sós, nem uns nem outros valem n a d a ... E o que se conclui daí? Que de todo o resto, nada é bom nem mau; dêstes dois, em compensação, a sabe­ doria é bem, a ignorância é m al (E u t i d IX, 281).

4. O bem é beleza, medida e proporção e identifica-se com o belo e com o verdadeiro.

Tôda e qualquer m istura que esteja privada de medida e de natureza proporcionada necessàriamente conduz ao m al os seus componentes e a si mesma antes que a nenhum a o u t r a .. . Ora, o poder do bem passa à natureza do belo. Uma vez que, por tôdas as partes, medida e proporção vêm a ser certamente beleza e virtude. — Justamente. — E di­ zendo também que a verdade a êles se une,_ em proporção. __Certamente. — Portanto, se com um a só idéia não pode­ mos apreender o bem, tomando-o com três: b e l e z a , medida e verdade, diremos que, em razão disso, como se fôsse um só, lhe atribuiremos as virtudes da mescla, e que, por isso, semelhante mistura será um bem (Fil., XL, 64-5).

E um a ação, enquanto boa, não é acaso bela, e não é talvez feia en­ quanto má?..*. E ntão, nenhum a cousa bela é má, enquanto é bela, e nenhu­ m a cousa feia é boa, enquanto é fe ia ... Vês, pois? o belo e o bom tornam a parecer-nos um a só e mesm a cousa (Alcib. primeiro, XI-XII, 116).

A escala dos bens. Os bens são de duas espécies, uns humanos, outros divinos; e dos divinos dependem os outros, e, se um estado adm ite em si os maiores, adquire tam bém os menores; se não, fica privado de ambos. Os menores são; prim eiro, a saúde; segundo, a beleza; terceiro, a fô rç a ... quarto, a riq u e z a ... Prim eiro e principal dos bens divinos é o intelecto; segundo, depois do intelecto, o hábito moderado da alma; dêstes, m istura­ dos com a firmeza, nasce a justiça como a terceira; q uarta é a fortaleza. .. De todos êstes bens, os hum anos devem visar aos divinos, e os divinos ao principal, que é o intelecto (¿eis, I, 6, 631).

[Em Filebo, XLI, 66, o prim eiro bem é a medida e os outros atributos da idéia, segundo, o medido e o belo, terceiro, a m ente e a inteligência, quarto, as ciências, artes e opiniões retas, quinto, os prazeres puros das ciências e das sensações. Na Bep., II, 1, 35, distinguem-se três espécies de bens: que se am am por si mesmos, por seus efeitos, e por ambos con­ juntam ente].

O mal é necessário ao bem hum ano: o bem puro obtém-se sámente no estado divino.

Mas não é possível, Teodoro, que pereça o mal, pois é necessário que exista sem pre algo que se oponha ao bem, e não pode te r lugar entre

os Deuses, porém é preciso que se encontre na natureza m ortal e neste lugar. Por isso é necessário procurar fugir quanto antes daqui para lá acima (ITeetetos, XXV, 176).

5. O bem, o belo e o amor. Os graus da beleza e do amor: a idéia do belo e o amor intelectual do eterno. A gera­ ção da virtude verdadeira.

Quem ama as cousas belas, ama o quê? — Possuí-las. . . — E não deve acrescentar-se que também amam possuir o bem ?. . . E não somente possuí-lo, mas possuí-lo sempre? — Deve acrescentar-se também isso . . . — Ora, ama-se neces­ sàriamente a imortalidade. . . ; pôsto que se ama possuir o bem, por isso ama-se, necessàriamente, gerar sempre (por­ que a geração é o que pode h aver. . . de imortal em um m ortal), e, portanto, segue-se daí que o Amor é também Amor de geração, ou seja, Amor de imortalidade (Banquete, XXIV-XXV, 2 0 4 -7 )... Ora, os que são grávidos de corpo se inclinam mais para a m u lh er. . . ; os que são grávidos de a lm a . . . geram aquela progénie que convém gerar na alma cada v ez. . . (isto é) a sabedoria e as outras virtudes (/6., XXVII, 208).

Quem se elevou,. . . contemplando gradual e convenien­ temente as cousas belas, chegando ao fim, verá subitamente certa maravilhosa beleza, aquela, precisamente, por cujo amor teve que suportar antes tôda pena. E l a . . . não é parte bela, parte feia, nem às vêzes sim, às vêzes n ã o . . . mas é por si, para si, consigo sempre imutável; e as outras cousas belas participam dela de tal forma, que, enquanto nascem e perecem, não cresce nem diminui nem sofre outra m uta­ ção . . . A maneira de i r . . . pelo caminho do amor é a se­ guinte: começar por estas cousas belas dêste mundo e, atraídos pelo amor à beleza, subir como por um a escada de um corpo belo a dois, e de dois a todos, e de todos os corpos belos às belas instituições, e das belas instituições às belas ciências, até que se alcance esta, que não é senão ciência da beleza mesma, e conheça, enfim, dessa maneira o que é a beleza verdadeira. E . . . se há algum momento na vida em que valha a pena viver é quando se contempla a beleza m esm a. . . E não pensas então que, unicamente, ao que contempla a beleza com o olhar ao qual ela se tom a

visível, lhe é dado gerar, não já simulacro de virtudes, pois que não se aproxima de um simulacro de beleza, mas de vir­ tudes verdadeiras, pois se desposa a verdadeira beleza; e gerando verdadeira virtude e alimentando-a, será caro aos Deuses, e será, se alguém o foi jamais no mundo, também o imortal (Banquete, XXIX, 210-2).

Se alguém, vendo a beleza daqui da Terra, se lembrar da verdadeira beleza, tomará asas, e alado, desejará voltar para o alto. Mas como não pode, porque faz como o pássaro que olha para o céu sem preocupar-se com as cousas terres­ tres, é considerado lou co. . . Tendo abandonado as solicitu­ des humanas, atento às cousas divinas, o vulgo zomba dêle, como de um louco, sem perceber que se acha possuído por Deus (Fed.ro, XXIX, 249).

[Cfr. tam bém Feãro, 250-256; e em Teetetos, 174 a, a anedota de "Tales que, enquanto estava m irando as estréias e olhava para cima, caiu em um poço, e então, um a pequena serva da Trácia, espirituosa e gracejadora, dêle zombou dizendo-lhe que se preocupava m uito em conhecer as cousas do Céu, m as não via em absoluto as que tinha diante de si e sob os pés. fiste motejo pode aplicar-se tam bém a todos os que professam a Filosofia”].

6. Intelecto e vontade: natureza intelectual da virtude: a virtude é ciência — necessidade da subordinação da von­ tade à razão.

Se a virtude é, pois, uma das cousas que se acham na a lm a ,... é necessário que seja intelecto (Mémnon, XXIV, 88).

Não é necessário pressagiar nem tratar de que tudo si­ ga a nossa vontade, mas que a vontade não obedeça a outra cousa que não seja o intelecto; e isto deve desejar tanto o Estado como cada um de nós em particular, e procurar ter prudência e senso (Leis, III, 7, 687). "

O conflito entre razão e vontade é a pior form a de ignorância. Qual a ignorância que se diria justam ente a m aior?. . . Aquela que, quando a alguém Ijareça bela e boa um a cousa, não a ame, antes a odeie, ame e abrace o que lhe parece m au e injusto. E sta discórdia entre a dor e o prazer de um a parte e a opinião conforme a razão da outra, digo que é a extrema igno­ râ n c ia ... Quando, pois, a alm a contrasta com a Ciência, com as opiniões ou com a razão, que por sua natureza estão destinadas a ordenar, chamq

a isso insânia, quer seja em um estado, quando a m ultidão não obedece aos governantes e às leis, quer seja em um indivíduo... O m aior axiom a... é o que impõe ao ignorante andar atrás, ao sábio guiar e m andar. E êste é . .. o m ando segundo a natureza, isto é, da lei sôbre os seguidores volun­ tários, m as não um m ando feito de violência (Leis, III, 9, 10, 689-90).

A injustiça é involuntária: o cego amor de si mesmo, tí necessário saber, antes de tudo, que qualquer injusto não é voluntàriam ente injusto. Pois ninguém gostaria de te r voluntàriam ente, em nenhum a parte de si mesmo, nenhum dos males mais graves, e m uito menos no que tem de m ais pre­ cioso: ora, a a lm a ... é, em verdade, a cousa m ais preciosa para to­ dos ... De todos os males, o pior para os homens é congênito na alma do m aior núm ero d é le s...; e é . . . que todo homem, por natureza é am ante de si mesmo e justam ente deve ser assim. Mas, em verdade, êste torna-se a causa de todos os êrros cada vez e a cada um, por excessivo am or a si mesmo; porque o am ante é cego para o amado, e daí o julgar mau ao justo, bom e belo, crendo que deve preferir sempre do seu próprio interêsse à virtude. Não o interêsse próprio, m as o justo, deve am ar aquêle que desejar ser um grande homem (Leis, V, 3-4; 731-2).

Duas espécies de maldade·, por ignorância e por corrupção da vontade. Duas espécies de m aldade devem-se reconhecer para a alma. — Quais? — Uma que nela se produz como um a doença do corpo, a outra, como uma deformidade. — Não compreendo. — Não julgas, talvez, como um a mesma cousa, doença e discórdia? — Não sei mesmo o que deva responder a isso. — Crês, porventura, que a discórdia seja outra cousa diferente de um con­ traste de parentesco natural, derivado de alguma corrupção? — Não é outra c o u sa ... — Pois bem, chamando à maldade discórdia e enfermidade da alma, falamos c e rto ... Mas saibam os tam bém que em tôda alm a é invo­ luntária tôda incompreensão particular. — Certamente. — Ora, a incom­ preensão não é senão demência de um a alm a que se inclina para a ver­ dade, derivada do desvio do juízo. — É certo. — A alm a insensata, por isso, deve considerar-se como disforme e desproporcionada. — Parece. — Há, portanto, duas espécies de males na alma, segundo parece: uma, que a m aioria chama de maldade e que evidentemente é um a enferm idade... — Sim. — À outra , chamam incompreensão, porém não querem reconhecer que seja maldade, se está só na a lm a ... Deve considerar-se como deformi­ dade (Sofista, XV, 228).

7. O elemento voluntarista: liberdade do querer e respon­ sabilidade: cada um é autor do seu destino.

(Deus) deixou à vontade de cada um de nós as causas da formação das suas qualidades pessoais. Tal e efetiva­ mente, como é o tipo e espécie de alma que se deseja ser, assim, quase tôdas as vêzes, se torna cada um de nós. — Naturalmente. — Portanto, todos os que participam da alma mudam de condições (na m orte), tendo em si a causa da mutação (Leis, X, 12, 904).

A disciplina da alma·, a indulgência para consigo traz o seu castigo em si, fazendo que nos tornemos maus. Cada h o m e m ... crê honrar a sua alma, louvando-a, e apressuradam ente lhe perm ite fazer o que deseja; m as diga­ mos agora que, assim agindo, a prejudica e não a h o n ra ... Nem quando um homem não se inculpa a si mesmo das suas fa lta s ... m as os o u tro s... Nem quando tem indulgência para com os p ra z e re s... Nem quando não sabe suportar, como forte, fadigas, tem ores, dores e aflições, m as ce d e... Nem quando prefere a beleza à v irtu d e ... Nem quando deseja adquirir riquezas de m aneira menos h o n e sta ... E m tudo isso, não sabe cada homem que conduz a alma, a cousa m ais divina, ao estado mais desonroso e mais indigno. Nenhum pensa na pena m ais grave do malefício: e a mais grave é a de tornar-se sem elhante aos m aus (Leis, V, 1, 726-8).

A educação e a sua importância. Educação é aquilo que desde meninos encaminha para a virtude, tornando-nos desejosos e amigos de nos tran s­ form arm os em cidadãos perfeitos, que sabem m andar e obedecer com jus­ tiça (Leis, I, 12, 643).

Quem reúne um a perfeita educação e um a índole feliz costum a tran s­ formar-se em um anim al sum am ente divino e afável; m as educado insufi­ cientemente ou mal, transform a-se no m ais feroz entre todos os que a T erra produz. Por isso, o legislador deve evitar que a educação das crian­ ças se torne um a cousa secundária ou descurada (Leis, VI, 12, 766. Cfr. Rep., IV, 3-4, 423-424).

8. A ação, o exercício, o hábito.

Então, também o realizar ações justas gera a justiça, e as injustas, a injustiça? — Forçosamente. — (Rep., IV, 18, 444). Digo e afirma que, quem quer que seja, que deseje tornar-se um homem valoroso, deve exercitar-se logo desde menino (Leis, I, 12, 643).

O domínio dos impulsos não por abstenção, mas pelo exercício da luta. O legislador ordenou-vos a abstenção dos prazeres e divertim entos maiores, m as das dores e dos te m o res. .. creio que, se alguém foge dêles desde me­ nino, sempre, quando deva suportar fadigas e tem ores necessários, será pôsto em fuga por quem se ache exercitado nos mesmos, e será transfor­ mado em escravo. Penso, porém , que esta m esm a cousa se devia pensar tam bém em relação aos p ra z e re s... (Leis, I, 8, 635). Será jam ais perfeita­ m ente tem perante quem não haja lutado com m uitos prazeres e desejos estim ulantes até a ação im pudica e injusta e não os tenha vencido nunca com a razão, com a ação e a arte, por brinquedo ou sèriamente, mas seja, em compensação, inexperiente de tudo isso? — N ão pareceria verossí­

mil. (Leis, I, 14, 647). _

A imitação e a sua transformação em hábito e -natureza. Se im itam, que im item desde a infância modelos dignos e valorosos, sábios, santos, livres e outros semelhantes; m as ações não liberais não com etam nem sejam capazes, nem outras vergonhosas, para que das imitações não adquiram

o gôsto de serem tais. Não sabes que as imitações que se fazem desde jovens se transform am em hábitos e em natureza do corpo, na voz e na mente? (Rep., III, 8, 395).

Exigência da imutabilidade dos modelos e perigos das pequenas infra­ ções. Desta justa disciplina dos prazeres e dores que é a educação, m uito se relaxa e corrom pe nos homens durante a vida (Leis, II, 1, 653). Como achas que a lei regula isso no Egito? — Admiràvelmente, mesmo por ouvir ta m b é m ... Quando foram prescritos quais e de que espécies seriam (os modelos), foram os m esmos expostos no templo, e não lhes foi perm itido, nem aos pintores nem a outros a r tis ta s ... inovar ou pensar outra cousa diferente do fixado pelas leis pátrias (Leis, II, 3, 656). Chega-se até a des­ tru ir as leis escritas, se os homens se habituam a violá-las nas cousas pe­ quenas e freqüentes (Leis, V II, 1, 788). Em um a palavra, os guardiães do Estado devem vigiar para que não se introduza às ocultas a corrupção. . . , pois tornando-se, a pouco e pouco, habitual, ela não faz mais do que insi­ nuar-se nos costumes e nos usos, dos quais, crescendo, progride até as re­ lações reciprocas, e destas passa às leis e aos E sta d o s... até que, finalmente, transtorna tudo na vida privada como na pública (Rep., IV, 4, 424).

9. A virtude e a Ciência como purificação das paixões.

Mas, presta atenção, homem feliz, se é um a troca justa, substituir prazeres por prazeres, dores por dores, e temores por temores, os maiores pelos menores, como se fôssem moe­ das . . . ; e se, trocando um a pela outra as referidas cousas separadas da Ciência, não são sombras vãs de virtude, vir­ tude servil, nem sã nem sincera; e se a virtude verdadeira não é outra cousa, propriamente, senão a purificação de tôda paixão; e se a temperança, a justiça e a fortaleza não são cousas diferentes da purificação (F e d XIII, 69).