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A seleção dos cidadãos e dos governantes.

I II DEUS E O MUNDO (TEOLOGIA E COSMOLOGIA)

VI. A LEI E O ESTADO

7. A seleção dos cidadãos e dos governantes.

a) Exclusão dos escravos e trabalhadores manuais, e dos

comerciantes. Aquêles que se possuem por meio de compra,

que sem discussão possam chamar-se escravos, não partici­ pam em absoluto da arte régia. — E de que maneira pode­ riam participar? — E então? E todos os que entre os livres se dedicam espontaneamente a atividades servis, como os anteriormente citados, transportando e permutando os pro­ dutos da agricultura e das outras atividades; aquêles que, indo de cidade em cidade, nos mercados, por mar ou por terra, trocando dinheiro por outras cousas ou por dinheiro, aquêles a quem chamamos de banqueiros, comerciantes, m a­ rinheiros e revendedores, poderiam por acaso reivindicar para si algo da Ciência política?. . . Mas nem mesmo os que ve­ mos dispostos a prestar serviços a todos por salários ou por mercês, nunca os encontraremos partícipes da arte de go­ vernar . . . Que nome lhes daremos? — Como agora acabas de dizer: servidores, mas não governadores dos Estados

(Polít., XXIX, 289-90).

O trabalho manual, obstáculo ao conhecimento e causa ãa indignidade para a cidadania. Os trabalhadores da te rra e os outros o p erá rio s... co­ nhecem unicamente as cousas do corpo. . . Pelo que a sabedoria é conheci­ m ento de si mesmo, nenhum dêstes é sábio em razão do seu o fício ... Daí parecerem elas artes m anuais e humildes, im próprias do homem bom e belo (Alcebíades, I, XXVI, 131).

Nenhum dos que se fatigam nos trabalhos m anuais deve ser nativo ou da fam ília de algum nativo; porque ao cidadão compete um a grande pro ­ fissão que exija m uito exercício e estudo, isto é, de conservar ou conquis­ ta r a ordem pública do E sta d o ... E, se alguém se inclinar para outro ofício mais do que ao cuidado da virtude, que o castiguem com vergonha e igno­ m ínia até que seja reconduzido ao seu caminho (Leis, V III, 12, 846). E aquêles que envolvem a vida na ignorância e na baixeza se juntem à raça dos escravos (Polít., XLVI, 309).

A justiça para com os escravos. O homem, como anim al difícil de tra ta r, não quer prestar-se mesmo à distinção necessária, que diferencia de fato o escravo, o livre e o sen h o r. .. O reto tratam ento dêstes para com os escravos não é m altratá-los com insolência e, se possível, ser menos in­ justos com êles do que com os seus iguais. Porque, quem am a a justiça po r natureza e não por ficção, e odeia realm ente a injustiça, é reconhecido por sua atitude perante êsses homens a quem seria mais fácil tra ta r injus­ tam ente (Leis, VI, 19, 777).

b) A escolha dos governantes. É evidente que os velhos

devem mandar e os jovens obedecer. — Sim. — E entre êles os m elhores. . . Devem eleger-se então os guardiães homens que, depois de maduro exame, nos pareça que hajam feito durante tôda a sua vida o que julgavam o mais conveniente

e útil ao Estado, e que nunca, nem por nenhum motivo, te­ nham feito o contrário. . . E é preciso observá-los desde me­ ninos, pondo-os ao trabalho. . . e expô-los a fadigas, sofri­ mentos e disputas. . . e conduzi-los aos perigos e fazê-los experimentar prazeres, pondo-os à prova mais do que o ouro ao f o g o ... E quem sempre, desde menino, de jovem e de homem seja submetido constantemente a provas e haja saído puro, a êsse deve confiar-se o mando e a custódia do E s ta d o ...; e repelir os que não sejam tais (Rep., III, 19, 412-13).

c) Os filósofos, governantes do Estado. Não é evidente

se o guardião de qualquer cousa tenha que ser um cego ou alguém de vista aguda?. . . Mas te parece que diferem dos cegos os privados, em verdade, do conhecimento do ser de cada cousa, e sem algum modêlo claro na alma, e impo­ tentes para agir como os pintores, isto é, visando ao verda­ deiro por excelência, recordando-o sempre e observando-o com a máxima atenção, estabelecendo assim também as leis do belo, do justo e do bom, e conservando como guardiães as vigentes?. . . E isto é privilégio dos filósofos, que sempre amam o estudo que lhes mostre a essência que sempre é, e não muda pelo nascimento ou morte (Rep., VI, 1-2, 484­ -85). Creio que todos concordarão com o seguinte: que uma natureza sem elhante. . . raramente e em pequeno número nasce entre os homens (ibiã., 6, 491). Logo, a multidão não pode ser filosófica. — Realmente, não pode ser. — E é ne­ cessário que os filósofos sejam por ela escarnecidos (ibid., 8, 494).

.8. Â educação dos guardiães do Estado.

a) Formação das suas virtudes próprias. Não te pa­

rece que quem deve ser guardião tenha necessidade de ser por natureza, além de altivo, também amante do saber?

(Rep., II, 16, 375). Qual deve ser, pois, a sua educação?

Não é difícil um a melhor do que a que se encontrou de há muito? Que é a ginástica para o corpo e a cultura para a alm a (ibid., 17, 376).

b) Limites à Arte. Por conseguinte, é necessário vigiar

os poetas e obrigá-los a dar, nas suas poesias, uma imagem dos bons costumes, ou, do contrário, que não as façam entre n ó s . . . para que não aconteça que, crescendo entre imagens do mal como entre erva má, os guardiães, recolhendo-as e delas se alimentando abundantemente, dia após dia, con­ traiam a pouco e pouco e imperceptivelmente, algum gran­ de vício na alma (Rep., III, 12, 401).

Cfr. Leis, VII, 9 (801): O poeta não deve fazer nada contrário ao que o Estado reconhece como legítimo, justo, helo e bom, e não lhe deve ser lícito m ostrar as suas poesias a nenhum particular, antes que os guardiães das leis tenham dado o visto e a sua aprovação.

c) Eliminação de todo interesse privado. De tôdas as

formas possíveis é necessário evitar que os guardiães. . . se transformem, de benévolos protetores em senhores selva­ gens . . . Observa, pois, se não necessitam para si uma vida e habitação dêste gênero, e devem resultar assim: primeiro, que nenhum possua substância privada a não ser por abso­ luta necessidade; depois, que nenhum tenha casa e despensa particular à qual não tenha acesso quem o deseje; tendo ali­ m ento em comum, devem viver em comunidade como no acam pam ento. . . Porque, se chegassem a possuir terras pri­ vadas, casas e dinheiro, seriam administradores e campone­ ses e não guardiães, e tornar-se-iam senhores, inimigos e não protetores dos outros cidadãos; e odiando e odiados, intri­ gando e perseguidos pela intriga, passariam tôda a sua vida em constante temor dos inimigos interiores muito mais e mais fortemente do que dos exteriores, correndo para a ruína e a ela arrastando também o Estado (Rep., III, 22, 416-7).

d) Comunidade dos bens e âa família. Então, os nos­

sos cidadãos terão em comum, antes de tudo, o que chama­ rão meu, e tendo isto em comum, terão, solare tudo, comu­ nidade de dores e de prazeres? — Certamente. — Ora bem, não será causa disto, além do resto da constituição, a co­ munidade das mulheres e dos filhos para os guardiães? — Principalmente, é certo. . . E não é verdade que as normas antes expostas e estas agora os transformem também em mais verdadeiros guardiães, e fazem que não dividam o Es­ tado, chamando meu, não a mesma cousa, mas uns a um a e outros a outra, e tirando êstes a água para o seu moinho,

tôda que lhe fôr possível, separadamente dos outros, e os outros ao seu que é diferente, e tendo mulher e filhos dife­ rentes, e prazeres e dores privados, para si, sem que partici­ passem os demais? — E os litígios e querelas mútuas não se­ rão eliminados por não possuir cada um em caráter privado

(por assim dizer) senão o próprio corpo e tudo o mais em comum? (Rep., V, 11-12, 464-5).

Atenuações posteriores da teoria: propriedade privada, porém com limi­ tações. É certo que o prim eiro Estado e a constituição e as melhores leis se acham onde a antiga máxima vige para todo o E sta d o . .. isto é, que as cousas dos amigos são verdadeiram ente em com um . .. comuns as m ulhe­ res, comuns os filhos, comuns todos os bens, e por todos os meios e tôdas as partes banido da vida tudo o que se diz p riv a d o ... P or isso não se> deve procurar, nem seguir outro modêlo de Estado, mas, seguindo êste, en­ contrar o m ais sem elhante possível. .. Como definiremos, e de que m aneira poderem os constituir êste Estado? Antes de tudo, devem distribuir-se as te rra s e as casas, e que não se trabalhem em comum os campos, porque se diria que está acima do nascim ento, da criação e da educação atu al, m as devem distribuir-se com esta intenção: que o sorteado m antenha a su a sorte como propriedade comum de todo o E sta d o ... Quem teve por sorte um lote, deve deixá-lo em herança sem pre e sòmente a um de seus filhos. .. aos restantes que excedam ao núm ero de um, se forem filhas, que as dê (em matrim ônio) segundo as norm as legais; se forem varões que os distribua como filhos entre os cidadãos que não tenham prole (Leis, V, 10, 739-40).

Nem a nenhum a pessoa seja perm itido possuir ouro ou p rata privada­ m ente, m as sòmente um a moeda que sirva para realizar as com pras diá­ r ia s ... que não represente, porém, nenhum valor para os demais (ib., 12, 742).

[A máxima: “as cousas dos amigos sejam em com um” era preceito das. comunidades pitagóricas].

A obrigação do matrimônio individual no últim o diálogo de Platão. O' gênero humano está naturalm ente unido com a etern id a d e... e, sendo um , participa sempre da im ortalidade por meio da geração. Não é lícito dela se privar por si mesmo, voluntariam ente, e priva-se espontaneam ente quem não se preocupa em te r m ulher e filhos (Leis, IV, 11, 721).

[Aqui se afirm a unicamente o dever do m atrim ônio e da geração: qua seja, porém, m atrim ônio individual e não m ais comum como queira a República, como se vê na passagem seguinte].

Se Deus q u ise r... em m atéria de am or, obterem os que nenhum dos bens nascidos e livres ousará tocar senão em sua m ulher... que haja en­ trado em casa com os Deuses e os ritos nupciais (Leis, V III, 8, 841).

e) As funções e a educação das mulheres. Entre as

funções da administração do Estado, não há ocupação ex­ clusiva da mulher, enquanto mulher, nem do homem en­ quanto homem, mas são igualmente distribuídas as ten­

dências naturais em ambos os sexos, e os homens e as mu­ lheres, por natureza, podem participar de tôdas as funções e ofícios; em todos, porém, é mais débil a mulher do que o homem (Rep,, V, 5, 455). Por conseguinte, se nos vale­ mos das mulheres para realizar as mesmas funções que os homens, será preciso, pois, dar-lhes a mesma instrução que aos homens. — Certamente. . . — Muitas das cousas ditas agora, se as fizéssemos como dissemos, talvez parecessem ridículas, por seu contraste com as habituais. . . M as. . . in ­ sensato é quem crê ridícula outra cousa fora do mal (ib., 3, 451-2).

[Cfr. Leis, V II, 11-12, 804-5; a afirm ação do mesmo ideal; m as ibid., 4, 794 e 10, 802, tem peram entos práticos de distinção entre o que é pró ­ prio do homem e o que é próprio da m ulher, e separação dos sexos desde os seis anos].

• 9. A educação dos regedores do Estado (filósofos).

Ousemos agora dizer que se devem colocar os filósofos como os mais seguros guardiães do Estado. . . Pensa, porém, quão poucos haverá provàvelmente. . . E será preciso sub­ metê-los à prova da fadiga, dos temores e desejos a que aludimos então (para os guardiães); e acrescentemos agora o que então esquecíamos, isto é, que devem exercitar-se tam ­ bém em múltiplos estudos, com o objetivo de ver se a sua natureza será capaz de sustentar os maiores estudos, e se desfalecem e se envilecem como os outros se envileciam nas outras provas (Rep., VI, 15, 503-4).

Trata-se da conversão da alma de um dia que é noite a um dia verdadeiro, que é elevação ao ser: e diremos que esta é a verdadeira Filosofia. — Está certo. — Por conseguinte, é necessário investigar qual entre tôdas as Ciências tem êsse poder (Rep., VII, 6, 521).

. . . A Ciência dos cálculos, e n ã o . . . de modo vulgar, mas até que se alcance com a inteligência mesma a con­ templação da natureza dos números (ibid., 8, 5 2 5 ) .. .; da Geometria. . . a parte mais a l t a . .. (que se cultiva) para o conhecimento do que é sempre, não do que nasce e morre

(ib., 9, 5 2 6 - 7 ) ...; terceiro, a Astronomia (ib., 10, 5 2 7 ) .. .

que se deve aprender?. . . Ora bem, Glauco, êste ritmo, já. não é aquêle em tôrno do qual se emprega a D ialética?. . . Ninguém nos contradirá se afirmamos que nenhum a outra, disciplina fora desta, procura chegar a apreender totalmen­ te, do individual próprio, o que cada um é (ib ., 13, 531-3).

Não te parece, pois, que a Dialética se eleva para o alto sôbre as demais, e que não é justo colocar nenhum a outra disciplina acima dela, e que, antes, se obtém com ela o tér­ mino de tôdas as Ciências? — Bem me parece (ib., 14, 534).

10. Âs cinco formas de governo e sua série como progres­