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1. O LOGOS DE ORFEU

1.1. A Racionalidade Poética

1.1.3. Alcance e limite da interpretação

Procuremos agora o que um texto poético diz. E parece não haver melhor começo de colocação da problemática que nos irá ocupar do que transcrever a estrofe catorze do poema ‘Largo’ cujo significado imediato a ela se refere:

Morre o poema, se disser Tudo o que tinha a dizer; Mas fica sempre a viver A beleza do poema Que é tal qual um teorema

Com soluções a nascer (Sinfonia, 47).

Já vimos que na construção de um texto literário para além de um processo de significação se desenvolve um processo de simbolização. Isto é, no texto poético não está só em causa a relação entre um significante e um significado, mas também a possibilidade de um primeiro significado simbolizar um segundo83. Em resumo: todo o texto literário vai mais além do que aquilo que aparentemente diz; ou até: "os versos dizem sempre mais do que o poeta adivinha"84. Os pressupostos desta afirmação são dois: primeiro, a convicção de que a poesia, como toda a arte, tem capacidade para dizer o inefável85; segundo, esta expressão é comunicável ao nível global da intuição e parte da intimidade mas tem a universalidade como pretensão. Quem irá dar vida aos versos será o leitor; este é que os escreverá de novo com intenção própria — "que é esse, no melhor dos casos, o destino dos versos: apaga-se neles a experiência do poeta, e surge neles a experiência de quem os lê. Espelhos singulares, onde a imagem do autor se desdobra em mil imagens estranhas, reflectem a transparência da alma de quem os olha"86. O conteúdo poético, como veremos no subtítulo seguinte, é toda a realidade reflectida no fundo do homem, transformada imagineticamente e traduzida por apuro técnico da arte da palavra. Dir-se-ia mais opticamente que é a realidade refractada através do

82 Diário XIV, 117-117. 83 TODOROV –Poética, 25-26. 84 Diário XIII, 175. 85

"Conhecimento para além do conhecimento, ciência do inefável, só o próprio poema dá expressão ao seu mistério... Cada nova leitura inaugura a Ilíada". (Diário XV, 163).

artista da palavra que fala do que os outros não descobrem, diz bem o que os outros vêem e diz melhor o que os outros queriam ver. Daqui resulta a fundamentação de uma expressão formal capaz de traduzir, a partir da

experiência pessoal, a noção, o desejo e a vontade dos outros87 e até de

permitir a expansão destas dimensões, estendendo o alcance que o autor pretendeu dar ao seu texto.

Uma análise epistemológica desta possibilidade vai defender uma

capacidade de descentração em relação ao contexto ideologicamente identificável, em relação ao suporte linguístico habitual e até em relação às condicionantes sócio-económicas88. Assim, não é poeta o mero coriféu de uma ideologia ou sistema vigente, o que se limita ao rigor da correcção linguística ou até o que reflecte puramente a realidade circundante. E isto além do mais porque é impossível ao próprio autor ou até a um grupo de intérpretes, mesmo com poder de controlo social, fixar uma interpretação e eliminar outras hipóteses de significados a encontrar num texto poético. Dizia Torga que, depois de escritas, "as palavras adquirem a independência das pedras"; e por isso "que pode dizer de um poema quem o escreveu? O que tinha a dizer, disse-o absolutamente, realizando-o".89

Reconhece-se, portanto, aos objectos a capacidade de dizerem mais do que aquilo que percebemos objectivamente deles. E esse mais é expresso pela linguagem nomeadamente literária que é a linguagem poética. Esta distância dos objectos é transformada em sentido pelas palavras, sobretudo metaforizadas. Ora, se eu combinar esses sentidos de modo diferente do que são combinados os objectos, posso: primeiro, sair da esfera da realidade existente e aliviar o meu desespero de limitação; segundo, ensaiar a modificação da realidade para a melhorar numa nova perspectiva que julgo mais valiosa; terceiro, traduzir a diversidade de sentimentos que surgem da minha vivência da realidade física e/ou social e dos mecanismos psicológicos

86

Diário X, 178.

87 Aqui o formalismo não é entendido no sentido de haver um paradigma comum à diversidade de certas manifestações

literárias, como acontece nos contos de fadas em que às penas da Cinderela se segue o casamento encantado ou aos cuidados do rei se segue o casamento com a filha e metade do dote para quem aliviar o rei dos seus males. Trata-se, antes, de uma capacidade de poder simbolizar numa metáfora a particularidade das situações diversas de cada um.

88 GUIMARÃES –Conhecimento e Poesia, 62. 89

de inteligência e afectividade; quarto, perspectivar de modo diferente a realidade e poder até explicá-la com novas hipóteses; quinto, abrir-me ao transcendente e convidar os outros à procura da esperança.

Mas a análise epistemológica, como qualquer análise científica, não nos indica a razão pela qual alguém deva seguir esse procedimento. Admitida a capacidade de simbolizar por distanciamento da realidade e por técnica textual, falta ainda fundamentar o acordo da comunicação entre o poeta e o leitor, como entre todo o artista e o espectador. Numa base psicanalítica freudiana, o mecanismo é, em resumo, aparentemente simples: às pulsões do Id, tanto de ordem instintiva como resultantes de uma sedimentação profunda de vivências anteriores, opõe-se o Superego, que só permite a manifestação daquilo que possa, na sua óptica de eu ideal, engrandecer o ideal do Ego ou, pelo menos, evitar o desprazer e/ou a substimação do ego. Tudo o resto é frustrado na realização e recalcado na manifestação para que não se imponha às necessidades toleradas ou até incentivadas pela interiorização interna das normas e ideais sociais. Contudo, uma das descobertas de Freud foi a de que todos os impulsos tendem a realizar-se e mesmo os frustrados não desaparecem. O que sucederá será a sua realização indirecta através de outro impulso permitido ou até elogiado pela vertente social do ego. Daqui também se poder extrair a razão inconsciente para explicar os gostos estéticos diferentes e até para os critérios de beleza. No fundo, as frustrações afectariam elementos essenciais e comuns a vários ou até todos os indivíduos e a forma poética atingiria esse domínio em vários destinatários da arte.

Regressemos a uma análise mais formal para justificarmos dois pontos indispensáveis: a compreensão do que o autor quis “dizer” e a extrapolação do sentido atribuído ao texto do autor. Ao abordar o tema do ponto de vista moral na literatura90, Maria Herrera Lima desenvolve a sua análise sobre vários aspectos a ter em conta nesta perspectiva e evita os extremos que ou colocam a literatura como neutra em relação a questões valorativas importantes ou a põem só na mira de uma leitura moral única; reconhece que a leitura de um texto é sempre feita por mediação cultural e alerta para a necessidade de uma

90

“hermenêutica de suspeita” de tal modo que se evitem interpretações ingénuas

e se possam abrir novos âmbitos de reflexão91. Mas esta hermenêutica de

suspeita terá limites.

A questão coloca-se, então, em dois extremos: haverá uma interpretação certa ou haverá um número ilimitado de interpretações possíveis? Na opção pela primeira hipótese, teríamos de reconhecer primazia ou até exclusividade à intenção da obra e do autor; na opção pela segunda hipótese, seria reconhecido o papel e a liberdade do leitor no processo de produção de sentido de uma obra. Stefan Collini aborda este dilema e, para além de outros autores, exemplifica com as posições de Umberto Eco e de Jonathan Culler92. Umberto Eco simbolizará a inviabilidade de vagas ilimitadas de ‘leituras’ de uma obra e por isso a necessidade da limitação da “suspeita” sobre um texto para lhe encontrar sempre mais um sentido; Jonathan Culler simbolizará a consciência da relação de um texto com um contexto e, como este não pode ser limitado, a interpretação também o não poderá ser. A história até chegou a mostrar grande apreço pelos textos obscuros, bastando citar para exemplos os autores do nosso simbolismo e os compactos textos da Fenomenologia do Espírito de Hegel ou de O Ser e o Não-Ser de Sartre. Em defesa da sobrinterpretação93 e atacando muitas formas de crítica moderna, diz o mesmo Jonathan Culler que “muitas das mais interessantes formas de crítica moderna não perguntam o que visa a obra, mas o que esqueceu ela, não interrogam o que a obra diz mas aquilo que ela considera adquirido”94 — o que significa limitar os sentidos pos- síveis da própria obra.

Para Umberto Eco, a interpretação de um texto pertence ao domínio da intenção do texto. E esta situa-se na intenção do autor e do leitor. Necessariamente, a interpretação de um texto exige conhecimentos de simbologia comparada, de reconhecimento de semelhanças relevantes e fortuitas, de ponderabilidade do valor dos elementos, de distinção entre coincidências irrelevantes e significativas e até de separação clara entre

91

LIMA –El Punto de Vista Moral en la Litaratura, 52-56.

92

COLLINI –Interpretação Terminável e Interminável,11-28.

93 CULLER –Em Defesa da Sobreinterpretação, 97-110. 94

identidades e semelhanças. Por isso, o critério proposto por Eco95 é o da economia textual, isto é, da coerência interna do texto: uma parte deste pode ser aceite como correcta, se for confirmada pelas restantes partes da mesma obra. No caso de um texto se situar claramente numa época, é indispensável conhecer o sistema lexical do tempo em que foi escrito ou até da época a que se refere. É o texto que está a ser interpretado e não a intenção do autor: quem lê o texto não é obrigado a adivinhar o que se passava na cabeça do autor que o escreveu; e mesmo que em vida do autor tivéssemos oportunidade de comparar a nossa interpretação com a dele, esta não invalidava a nossa. Diz Torga que não interessa contactar com o autor de uma obra; os frutos são saboreados por si e não pelas sensações da árvore: "... as relações dum escritor com o seu leitor só começam a ter dignidade para lá das portas da livraria"96. Por outro lado, nem o poeta consegue abarcar todo o sentido do

poema, nem os versos dizem quanto é preciso97. Para além deste princípio

económico de coerência, Umberto Eco aponta outro princípio económico que é o da redução da suspeita: o autor não estaria preocupado com malabarismos no texto de modo a espalhar ou encobrir anagramas e dificultar com isso a interpretação. Com estes princípios económicos, poderemos não saber qual é a melhor interpretação, mas saberemos qual é a má98.

Richard Rorty pretenderia um compromisso pragmático distinguindo, em resumo, interpretação e uso do texto: a primeira, de algum modo reminiscência epistemológica da ontologia medieval, procuraria chegar ao mundo tal qual ele é; a segunda preconizaria o aproveitamento de um texto para os nossos propósitos retirando dele as descrições que achássemos úteis. “Tenho de pensar que um texto tem apenas a coerência que lhe acontece ocasionalmente adquirida durante a última volta da roda hermenêutica, do mesmo modo que uma massa de argila tem apenas a coerência que lhe acontece receber na última volta da roda do oleiro”99. E a grandeza de uma obra pode medir-se mesmo por essa separação em relação a quem a escreveu: "quanto maior é o

95

ECO –Interpretação e História, 29-62.

96

Diário V, 112-113. Cf. também as referências anteriores de Diário X, 178 e Diário VIII, 169.

97

Repare-se em Diário XV, 157, no poema ‘À Noite’: "Musa cega, .. / No teu regaço, a glória/ Dos poetas/ Dura o que dura o sonho/ ..."; e em Penas do Purgatório, 20, no poema ‘Grito’: "Ah, mãos que não moldais o desespero!/ Versos que não dizeis quanto eu preciso!".

98

romance ou o poema, mais a magia nos separa da mão de barro que o

escreveu"100. Este uso dava ao texto uma dimensão atemporal, mas

pressupunha abdicar de o criticar e de ascender a novos sentidos; a interpretação pode limitá-lo, mas cultiva “um estado de surpresa perante o funcionamento dos textos e a interpretação”101. A posição seria mais ou menos esta, semelhante a uma redução fenomenológica: não afirmo que o autor não diga outras coisas, mas estas que eu lhe atribuo posso prová-las com o texto dele e sem cometer um ideocídio.

Em todos estes três exemplos subentende-se, no entanto, o fundamento da legitimidade da interpretação do leitor: os textos escapam ao autor após serem escritos ou, pelo menos, após serem tornados públicos. Sobre eles constrói-se uma verdade, mesmo que esses textos sejam obras de ficção ( e são-no todas as obras poéticas!). Esta verdade que nos interessa não é a do acordo entre enunciados e objectos existentes: esta seria a verdade na ficção; também não se trata da verdade sobre a ficção, em que os leitores distinguem o que existe e o que não existe. Sabendo que “é óbvio que quem faz metáforas, literalmente falando mente”102, a verdade que nos interessa é a da ficção, isto é, o que a ficção transmite ao leitor. Mesmo sem verdade na ficção, existe a verdade da ficção103. Há necessariamente na ficção literária uma verdade para além do dito. Diz Cid Seixas que “um conto não vale pelo que conta. Mas pelo que não conta. Pelo que se projecta no silêncio da narrativa e fica”104. Ora, isto implica que possa haver na metáforta um acresento possível de realidade procurado através do que Paul Ricoeur chama a perfiguração ou a nova referência à realidade que o leitor faz das narrativas para com elas se orientar existencialmente – aproveitamento que dá, segundo o mesmo autor, a qualquer narrativa uma dimensão ética. Outro pressuposto de interpretação terá de ser um sistema profundamente humano de intuição ou até um substrato cultural comum, a que Yung se referia como inconsciente colectivo, e que permite explicar porque entendemos as metáforas de toda a imagética criadora

99

RORTY –O Progresso do Pragmatista, 81-96, nomeadamente 87.

100

Diário I, 131.

101

COLLINI –Interpretação Terminável e Interminável, 21.

102 ECO –Metáfora, 202. 103

da arte. Esta explicação seria mais profunda do que a de um conhecimento por proximidade de que fala Maria Herrera Lima no texto já referenciado. Outro pressuposto seria o de uma unidade linguística em que exista uma parte comum na experiência individual de dois locutores, como diz Georges Mounin105. Há ainda um quarto pressuposto indispensável para que possa ser retirado de um texto uma significação: é a vontade de alguém como leitor ou auditor se transformar em questionador. Questionador pelo menos implícito da resposta que é um texto. O texto tratou uma questão e esta interpela o leitor ou auditor. Mas é também necessário que este reaja a essa interpelação. Por isso, a resposta que está no texto só tem sentido ligada a uma determinada questão

que alguém também tem106: “compreender um discurso é, de um modo geral,

concebê-lo como uma resposta, ou seja, responder à questão de saber a que é que ele responde, do que é que é questão naquilo que ele diz”107.

Para além destes pressupostos, torna-se ainda necessário referenciar algumas condições de interpretação, tanto por parte do sujeito que interpreta como da obra em causa, como até das circunstâncias em que decorre e dos códigos usados. Não parece correcto negar a diversidade de interpretações desde que justificáveis; não é razoável impedir que um texto seja aproveitado para servir de resposta a uma inquietação ou de início a uma interrogação. Tal como a língua deve ser usada enquanto for versátil e só deve sujeitar-se à estrutura estabelecida quando não se encontrar expressão mais ajustada108, também o texto no seu conjunto, ou partes não descontextualizadas, devem poder ser manipulados. Mas também não podemos contar com um número ilimitado de interpretações que nos dispensasse de respeitar condições restritivas sobre o número das mesmas interpretações. São essas condições que ao mesmo tempo circunscrevem o domínio do implícito poético, porque “uma obra literária é um discurso que comporta uma parte importante de significações implícitas”109.

104

SEIXAS –Miguel Torga: o conto como metáfora da criação artística, 33.

105 MOUNIN –Linguistique et Philosophie, 210. 106

Antes de qualquer enquadramento apologético, solitário ou onírico, interessa ver a obra de arte como social, isto é, só partilhada ou recebida é apreciada como tal, mesmo que demore tempo a que isso aconteça.

107

MEYER –A Problematologia, 226

108

ACERO –Introducción a la Filosofía del Lenguage, 110.

109 KOGAN –Filosofía de la Imaginación, 164. Para que este implícito poético se distinga de um implícito mais restrito

Estendendo às condições de interpretação as condições de leitura propostas por Michel Cosem, veremos que aquelas seriam inerentes à organização do poema e relacionar-se-iam com a combinação do código; inerentes à competência do leitor (capacidade de descodificação, grau de cultura, domínio linguístico); e inerentes a outras condições particulares, como as circunstâncias em que se recebe a mensagem, a velocidade a que esta se

processa e até ao humor de ocasião110. E a explicitação de condições

particulares ainda nos levaria de retorno à dimensão psicanalítica da produção poética, porque a dimensão de fruição tem a mesma origem daquela; e até aos condicionalismos de cultura, época, classe social, condicionantes geográficas, etc. Virá aqui muito a propósito citar uma passagem de crítica feita por Torga aos críticos de arte: "só quem seja capaz de agarrar o lampejo da própria criação, o relâmpago que num segundo ilumina o céu e a terra, poderá saber qualquer coisa de um livro e do seu autor. A gramática, os erros, a ortografia, as influências, as fontes, o ambiente, e tudo quanto Marta fiou, valem o que vale o estrume na génese de uma flor"111.

Entre as condições externas e internas de interpretação pode situar-se ainda o talvez inconciliável dilema da criatividade pessoal e da dependência cultural, não ligada à imaginação artística (porque será abordada adiante), mas à possibilidade de educação estética. Muito resumidamente, haverá condições internas para ser poeta (de que também falaremos) e condições externas de aprendizagem. Nestas, a informação de técnicas e o treino de manipulação significativa da língua são importantes; mas a maior condição externa deverá ser o próprio contacto com a poesia e o exercício de modelos possíveis de interpretação sobre poemas já elaborados. Só a título de curiosidade, veja-se a relação que Torga estabelece entre as condições internas e externas de produção e as condições internas e externas de interpretação, a propósito de se poder ensinar ou não poesia:

A pedagogia ensina técnicas e boas maneiras, mas não consegue levar ninguém a ter inspiração. E quando um poeta está inspirado também não lhe servem de nada as regras e os modelos, porque um poeta

percepção da entoação (na oralidade) ou o contexto da pontuação e da situação no resto do discurso ou no conhecimento prévio da posição teórica do autor (na escrita).

110 COSEM –O Poder da Poesia, 193-194. 111

inspirado é pior do que o diabo à solta... Se há solitário no mundo, que começa e acaba sem aprender mais do que aquilo que descobre por si, é o artista. Exactamente porque a sua obra, se é genial, é uma novidade inteira no mundo, não pode partilhar da experiência alheia, nem da sabedoria alheia. A sua seiva é original (Diário IV, 176-177).

Juntamente com a legitimidade de uma interpretação que respeite os critérios antes estabelecidos, temos de manter a convicção de que " a da obra literária permanece problemática porque os problemas suscitados pela textualidade do texto não são todos enunciados e resolvidos como tais"112; e podemos contar com a disponibilidade das obras para serem interpretadas para além do que o autor poderia ter querido dizer porque não só elas dizem mais do que o autor quis dizer, mas também na interpretação não se respeita a vontade do autor:

Brilha o poema como um novo astro (... )

Tanto fiz E desfiz,

Que ninguém diz

Que já foi minha a luz que dele emana. Amo

O duro ofício de criar beleza, Sina igual à do ramo

Que desprende de si o gosto do seu fruto. (...)

Transfiguro o meu pranto, e sou poeta..."

(Poema 'Profissão', in Orfeu Rebelde, 70-71).

1. 2. A Mitologia Branca (ou a Metáfora Filosófica)

A referência às condições de interpretação da poesia merecia ser completada com um alerta especial: não se pode pretender eliminar a metáfora poética; o que se pode é tentar substituí-la por outras metáforas mais comuns ou familiares para se ascender ao nível mais elevado e complexo de inter- relações cognitivas, emotivas e volitivas.

Por outro lado, o sentido de uma palavra, de uma expressão... não existe