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2. RELAÇÃO, CONDIÇÃO E OPÇÃO DE ANTEU

2.1. A Relação de Anteu

2.1.4. Relação com o pensar estético

Talhado com a força da vida a partir dos cumes graníticos das persistentes montanhas de Trás-os-Montes, Miguel Torga herdou a dureza e a verticalidade desses altos insuperados, a persistência e a confiança de quem resiste à intempérie mas acredita que há sempre um sol nascente e a inquietação e responsabilidade de quem se habitua a olhar para cima sem deixar ninguém para trás.

A sua relação com a existência não é de deixar passar em claro. Mas como é do pensar que mais estamos interessados e porque é sobre esse pensar que Torga tem maior controlo no que dele depende, será esta parte de relação com o pensar que merecerá um pouco mais de atenção. Situado, embora, num contexto ou pelo menos clima de mudança, Torga não vai alinhar sem crítica pelo que se fazia ou pensava à sua volta. As condições literárias, religiosas e filosóficas não se situam todas no mesmo pé de igualdade nem quanto à intervenção directa do autor nem quanto ao perfil conseguido. Se no

domínio estético conheceu e criou, no domínio religioso viveu e criticou e no domínio filosófico interrogou e ensaiou. No entanto, poderíamos dizer que na estética é a vontade que o determina, na religião é a inteligência que o confunde e na filosofia é a emoção que o empurra. Parece andar o mundo virado ao contrário do autor, mas na lógica de um poeta o sentido vem donde menos se espera, a crença tem de ser iluminada e o prazer não cai do nada.

Procuremos enquadrar e desenquadrar Torga na perspectiva da

Presença, punhámo-lo a pedir a Deus que não tenha vergonha da cópia que

fez e descubramos a síntese que nele revelou o ecletismo da sua época (ou de todas as épocas do pensamento em Portugal).

As experiências literárias chamadas de modernismo vão dar origem a um número significativo de agrupamentos artísticos que, ao nível da literatura, se identificam quase sempre com um órgão de expressão pública, normalmente uma revista. A actividade de debate em tertúlias, agremiações ou círculos é posteriormente resumida em forma escrita e usada também como publicidade aos corifeus ou dignos representantes do novo movimento. Em muitas ocasiões eram até os artigos publicados numa revista que motivavam tomadas de posição de outros grupos que organizavam conferências a propósito ou que respondiam noutra revista.

Uma das grandes características destas produções literárias foi mesmo a sua vertente de contestação à forma e/ou temática tradicionais. Quando se tratava de apresentar um modelo novo que fizesse esquecer esses temas e formas passados... as opiniões divergiam, as vontades dispersavam e o empenho individualizava-se na procura de uma nova revista, com uma vertente específica desse modernismo de que todos se diziam sequazes.

Em 1915 aparece o que é normalmente considerado a primeira expressão organizada e colectiva do modernismo: a revista Orpheu. Dela diz David

Mourão-Ferreira que era citadina276, e caracteriza-a Clara Rocha como

mantendo as características do período de 1900 até ao seu aparecimento: simbolismo, decadentismo, lirismo sentimental neo-romântico, saudosismo e nacionalismo277; e para além disso insistia na descrição, nos temas do mal-

276 ROCHA –Revistas Literárias do Século XX em Portugal, 80. 277

estar físico, na euforia e depressão, a par de um relativismo ideológico e estético e até comprazível com a desintegração do indivíduo278. Parece que acima da necessidade e vontade de ser poeta estava uma grande desorientação que obrigava ou permitia tentativas muito díspares para se encontrar um modelo aglutinador de vontades, identificador de formas e regulador de meios.

O ambiente de republicanismo marca também a época e muitas vezes o anticlericalismo de feição marcadamente política, como acontece com Guerra Junqueiro, vai ter expressão mais profunda, íntima e refinada no satanismo poético. A par deste republicanismo, muito influenciado pela maçonaria, surge uma perspectiva sociológica da arte, nomeadamente da literária, que vai originar um realismo que arvora em verdade e bem determinada perspectiva de organização e valorização social e que esquece o próprio ideal estético na sua supremacia quando se fala de arte. Paralelamente, então, a este republicanismo e socialismo surge uma adaptação teórica à literatura que encara o compromisso literário com as circunstâncias sociais como condição absoluta de ser arte. E as circunstâncias sociais eram sempre encaradas no sentido da alteração do vigente, nomeadamente na protecção às classes ditas desfavorecidas da sociedade.

Se, portanto, a produção teorizadora ao nível da estética não foi o forte destas revistas e de muitas que se seguirão, a verdade é que teorizaram o papel da arte em relação à sociedade. E neste sentido se poderá entender o que aparentemente parece contrário à imagem antes formada, que é a opinião de Clara Rocha sobre a Presença: na realidade existe na revista uma teorização sobretudo pelo Director, José Régio, da defesa de uma arte de inspiração ou de génio, em detrimento de uma arte comprometida. Na opinião de Eduardo Prado Coelho279, a grande diferença estará no facto de os poetas da Orpheu partirem do nada ou dessa experiência universal e os poetas da

Presença partirem da sua personalidade: na Orpheu não haverá interlocutores

para o vazio; na Presença há mediadores. E isso coloca a Orpheu no sentido de uma aventura ontológica e a Presença só nos riscos psicológicos.

278 ROCHA –Revistas Literárias do Século XX em Portugal, 291-302. 279

Se bem que a questão não deva ser colocada assim, porque numa produção estética literária existem componentes especificamente estéticas e de auto-contextualização, mas também de ideologia ou política280, o certo é que essa opção tornada dilema marcava a época, distinguia prosélitos político- ideológicos e impedia até a análise do fenómeno literário no que ele teria de epistemologia interna ou de auto-crítica despreconceituada. E é neste contexto de opção por uma vertente de produção literária empenhada que se enquadra a dissidência de Torga ( ou antes Adolfo Rocha, ainda), juntamente com Branquinho da Fonseca e Edmundo Bettencourt, em relação à Presença de Régio.

A Presença surgira em 1927 e Torga considera-a modernista no início. Contraposta por David Mourão-Ferreira à Orpheu, a Presença era provincial, ou provinciana sem sentido pejorativo. Nela cabiam referências telúricas, líricas, de inquietação religiosa e até expressões de liberdade romântica e académica. Mas também estes conceitos e modelos não eram referenciais unívocos e essas três personalidades abandonaram-na. As variadas razões, que constam de carta enviada pelos três em 16/06/1930, são resumidas por Clara Rocha assim: não defendia o direito de cada um seguir o seu caminho; não respeitava a liberdade e o individualismo modernista; estagnou num certo tipo de escola literária; e desviou-se para uma feição seleccionista, paternalista e de espírito académico281. Torga dirá mais tarde, como já vimos, que tanto rejeitará um esteticismo vazio como um purismo caturra. Procura, antes, escrever bem, como tenta ser bom profissional na medicina. Se nesta procura

ser honesto e capaz, porque não há-de fazer o mesmo na poesia?282 E para

além disso aspiravam ao universal, mas sem perder o local: "queríamos ser a autenticidade de um Portugal local, que desejávamos tornar universal"283.

Comparando a produção poemática de José Régio com a de Torga, tanto nos volumes de Ansiedade ou de Rampa, como em poemas dispersos na

Presença (com o R7 ou, pior, a ‘Balada da Morgue’), parece natural que tanto a

temática como a forma entrassem em conflito com um certo controlo de Régio

280

MEYER –Linguagem e Literatura, 18.

281

ROCHA –Revistas Literárias do Século XX em Portugal, 69-70.

282 Diário VIII, 98. 283

para que a revista pudesse representar um certo reviver de um conceito de pátria ou até de poesia. Veremos que o conceito e até a fidelidade à pátria não são inferiores em Torga, mas talvez a diferença na expressão do sentimento religioso fosse irreconciliável.

O que se seguiu foi resumidamente o seguinte: Torga nesse mesmo ano de 1930 cria a revista Sinal ( de que só saiu um número ), juntamente com o dissidente Branquinho da Fonseca e com António Madeira (pseudónimo de Branquinho da Fonseca). Em 1936, dirige com Albano Rodrigues outra revista, a Manifesto, que inclui colaboração de Vitorino Nemésio. Esta é directamente orientada contra a Presença e defende a necessidade de se evitar o individualismo literário (e também o não literário) e de estabelecer um equilíbrio do homem com os homens de modo que o homem poeta não surja alheio ou estranho aos outros homens. Sob a designação do que se pode chamar uma literatura humanista, defende-se uma arte interessada no homem enquanto ser social e preconiza-se uma missão social e política para o artista284. Desta revista só saem alguns números – e ao facto não é estranha a pressão feita pela censura política. O último número é o quinto, e é de 1938, contendo alguns textos de Poemas Ibéricos. Entretanto, Torga colabora no Cancioneiro, em números das revistas Critério e Revista de Portugal – esta dirigida por Vitorino Nemésio. Da revista Momento, surgida em 1932, consta a intenção de aproveitar o que de bom havia na Orpheu e na Presença; e no número oito da segunda série, que é uma colectânea, participa Torga com parte de O Outro

Livro de Job. No sexto dia d'A Criação do Mundo resume os objectivos da

revista e do ideário do artista: "O artista nem podia ser um mero contemplador das estrelas, alheado da realidade, nem um simples relator dos conflitos sociais, subordinado a estreitas disciplinas ideológicas... tinha de conhecer as raízes temporais dos valores perenes que servia, sem fazer concessões às facilidades de inspiração ou render preito ao consenso equívoco das correntes em voga"285. Outra colaboração é feita na Seara Nova – revista que perdurou, embora com irregularidades, até depois do 25 de Abril, mas que progressivamente se desviou do sentido literário e passou a revista de

284 A Criação do Mundo, 457.

285

vanguarda política (sobretudo a partir de 1965), dela constando artigos de feição socialista, comunista e de apoio ao MFA. Um dos duelos mais falados que ela manteve foi o de José Régio e Álvaro Cunhal sobre o papel do artista e da arte na sociedade.

Torga abandona a orientação de revistas, a partir de Manifesto, e progressivamente vai também diminuindo e até abandonando a participação em revistas dirigidas por outros. A inclusão de textos seus em algumas revistas que perduraram, como a Colóquio, deve-se essencialmente a pequenas homenagens que elas faziam ao autor, quer incluindo textos dele a propósito do tema que abordavam quer para exemplificar correntes ou movimentos literários, quer como base de pequenos estudos sobre o autor em si mesmo, quer, ainda, como homenagem mais significativa em números monográficos286. Esta feição de consagração e até de antologia que a Colóquio cultivava, e cultiva na parte de Colóquio/Letras, era também objectivo da revista Bloco, surgida em 1945.

Será legítimo supor-se que este abandono progressivo tenha a ver com duas ordens de razões: um certo desencanto em relação ao papel que as revistas tinham conseguido, bem como a orientação relativa aos objectivos previamente traçados. Da Presença diz Fernando Cabral Martins que ela reage contra a modernolatria da Orpheu; mas o mesmo autor diz também que ela acaba por não ser modernista, embora publique poetas modernistas, como Sá- Carneiro287. A outra ordem de razões há-de prender-se necessariamente com o temperamento do autor a quem o rigor e a exigência que se auto-impunha, o espírito de independência no ritmo de trabalho e no modelo estético e até a consciência da solidão do poeta impediam uma poesia de circunstância, uma sujeição do conteúdo à formalidade ou até uma atitude mediática ou de aceitação de arte colectiva. Com isto não se pretende retirar um significado profundo e um grande valor estético a muitas produções de Torga que aparecem rigorosamente datadas e referidas a um evento ou efeméride, a uma cidade ou uma rocha, à leitura de um texto ou observação de uma cena. Mas o que se diz é que essa produção não lhes aparece colada nem dependerá da

286 O número 43 (1978), por exemplo, é monográfico sobre Torga. 287

data, do lugar ou do objecto inspiradores para sobreviver ou, antes, para despertar ânsias de viver. No mesmo JL antes referido, Helena Roseta aplica de modo elogioso a Torga o que se tem de afirmar de todo o bom poeta ou de todo o bom artista em geral: o paradoxo aparente da universalidade e da solidão. Segundo Helena Roseta, quanto mais distanciado aparece Torga, mais universal ele se torna288. O próprio Torga se refere muitas vezes ao trabalho solitário da produção poética. Ainda no Diário XII, ao fim de tanta produção, ele diz que a parábola do filho de Dédalo, Ícaro, "representa o esforço inglório do espírito, que apenas consegue arrancar-se ao labirinto das paixões para se alçar a alturas interditas..."289. Essa relação entre o indivíduo e a humanidade ou a presença desta na solidão do poeta deve ser aquela a que ele se refere no final do seu discurso de 06/06/77 em Bruxelas: "... o poeta, na transparência da poesia, só não trai o semelhante quando não se trai a si próprio"290. E mesmo quando Torga põe identificadores às personagens – e fá-lo muitas vezes-- ou identifica o momento em que se encontra, há um elevar metafórico das pessoas e das coisas para o plano da aspiração e do ideal que nos levam a pensar no autor como um ícone a quem a luz da natureza iluminasse por dentro e desse à matéria um halo divino. Claro que toda a poesia só é verdadeiramente atraente, como já se viu no primeiro capítulo, na medida em que o leitor não se vê sozinho nela ou não vê só o seu presente – apesar de sentir que ela se dirige e se coaduna consigo. Quando uma obra de arte revela o que é, fá-lo num grau de expressão que parece ser tudo; mas nessa expressão do que é só nos atrai a expressão do que deve ser. Assim, quando Helena Roseta nos diz, no mesmo artigo, que a lição que a vida de Torga nos deu foi a de rigor, exigência e humanidade, nesta última não está só o conceito de ser bom homem, homem solidário, homem honesto, etc. Está especialmente a exigência pessoal e o apelo universal ao desenvolvimento do homem integral, que sente responsabilidade na abertura a tudo o que possa ser acrescento ao que ser homem provoca de aspiração à superação de limitações

288

MARTINS –A Lição da Presença, 28.

289

Diário XII, 199. Retirem-se por enquanto daqui a mágoa e a desilusão profundas que 'inglório' e 'invertidas' representam, sobretudo quando esta anotação do dia seguinte à da recepção do prémio internacional de poesia de Knocke continua: "... de onde acaba por cair fulminado". Talvez tenham outro sentido. E por paixões entenda-se qualquer coisa parecida com as paixões cartesianas.

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inibidoras ou destrutivas. Por isso, talvez Torga nunca tenha gozado plenamente a recepção de um prémio ou apreciado cabalmente uma homenagem: tinha de chamar sempre a atenção para o que faltava fazer em relação aos seus conterrâneos, à língua da sua pátria, a esta no seu todo, à poesia enquanto tal ou até à dignidade (entenda-se: identidade para a liberdade!) do homem: ao receber o prémio da XII Bienal de Knocke Heist, em Junho de 77, junta ao regozijo pessoal e ao agradecimento em nome da língua portuguesa, a amargura pelo que se passa com os poetas e as suas pátrias, pelo desconhecimento da língua portuguesa e pelo facto de os poderes públicos desconhecerem, hostilizarem ou só quererem servir-se dos poetas.291

O abandono da Presença e a não identificação com um realismo de tipo massificador livraram Torga de uma literatura de vanguarda ou de intervenção no sentido mais militante do termo. Do Diário são estas poucas palavras que resumem bem e necessidade de superar o circunstancialismo, mesmo o do trágico social: "para que um herói possa dar a volta ao globo, não lhe basta a pureza de uma veste regional. É preciso que atinja a grandeza de símbolo, polarize exemplarmente ideias, sentimentos e paixões..."292; também no Diário estão os seus dois grandes objectivos de escritor: "conseguir na prosa a dignidade e a força descarnada destas (de S. Martinho) fragas, e nos versos a pureza e a largueza dos horizontes que delas se descortinam..." 293. Determinado em revelar o seu δαιμον interior, Torga não pode deixar de escrever. Mas o sentido de perfeição e a ideia constante de exaltar a dignidade humana vão impedi-lo também de fazer da poesia uma arma pública banal. Assim, quando António Freire diz que Torga passa pelo individualismo da

Presença e o colectivismo neo-realista294, não quererá significar a pura expressão fantasista e descomprometida no primeiro caso nem a dissolução da arte no gosto ou anseio das massas, no segundo. Apesar da Presença ter intenções de combinar uma análise psicológica do homem com o testemunho e protestos sociais – como diz Leodegário Filho295 –, o certo é que Torga vê os

291 Diário XII, 193-198. 292 Diário I, 187-188. 293 Diário VII, 179.

294 FREIRE –Lendo Miguel Torga, 135-136. 295

colaboradores da revista afastados da realidade social ou então tratando-a como tema de diversão. Ora, o modelo preconizado é o da problemática do íntimo e do social combinados de modo que o poeta possa responder por todos e todos possam dar sentido ao poeta. É assim que se entende a aparente contradição nas razões de separação da Presença quando se fala ao mesmo tempo de não respeito pelo individualismo e de distanciamento e possível desfasamento social. Veja-se, entrecortada, a referência que Torga faz no terceiro dia d'A Criação do Mundo à situação e ambiente em causa:

"À porfia, cada qual ia descobrindo o seu autor. (...) Talvez que esse excesso de procura e consciencialização nos afastasse humanamente uns dos outros. Literatos num sentido polemizante, ficava-nos pouco tempo para reparar no semelhante que vivia ao lado. (...) Bons camaradas quase todos, tinham, contudo, os defeitos da próprias virtudes. Intelectualizados da cabeça aos pés, mal tocavam a realidade. Eram platónicos no amor, teóricos no desporto, metafísicos no convívio. A convicção de serem únicos distanciava-os do vulgo, tornando-se incapazes dum contacto permanente com as forças rasteiras da natureza" (A Criação do Mundo, 164).

A estética nunca será para Torga um fim, um dogma, uma coacção. Mas isto não significa que não retoque, emende ou até destrua partes da sua estatuária verbal, deixando-a até às vezes permanecer com um sentido que se poderia chamar pedagógico porque de algum modo uma composição podia não agradar agora, mas era fiel ou coerente com a razão que lhe dera vida e porque revelava, por isso, algo que antes valera a pena fazer. No prefácio da

Antologia Poética diz ele que

"... apenas duas ou três composições consentiram de bom grado em alguns retoques. As restantes... surgiam-me à leitura na evidência de uma coesão irredutível, mesmo quando me desagradavam de todo em todo... apesar de tudo, valia a pena tornar acessíveis à curiosidade apressada do presente algumas dessas rebeldias que nunca foram reeditadas ou se perdiam nas páginas morosas de vários volumes... tanto em relação às criações desenvoltas da juventude como às menos sumárias da anciania, a minha única certeza é a de que nada mais posso fazer por elas..."(Antologia Poética, 10-11).

Por outro lado, essa independência de Torga não significa também que não tenha determinados valores que se lhe impuseram como autênticos dogmas, de tal modo que, como vimos, o mero diletantismo verbal, o saudosismo exagerado de que acusava Pascoais ou o sentimentalismo vazio de António Nobre não o atraíam nem eram meios de expressar o vigor da luta e

o alcance da dignidade humanas. Maria do Amparo Maleval aponta ainda para Torga uma finalidade ou objectivo: procurar o absoluto. Mas que essa procura se fará fora de uma prisão dogmática. Abandona a igreja religiosa e a literária por lhe "faltar o ar naqueles ambientes fechados de ortodoxia"296. Uma coisa é certa: Torga domina qualquer métrica e rima, qualquer forma poética é manejada com aparência de expressão espontânea e dócil, e nos vários tipos de veículos literários sente-se o à-vontade com que os dirige – se bem que vários críticos sejam quase unânimes em considerar o romance como o parente pobre da expressão torguiana, logo seguido do teatro. Mas também