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1. O LOGOS DE ORFEU

1.1. A Racionalidade Poética

1.1.2. Poesia e verdade

Este problema é colocado de modo radical e claro por Maria Tereza de la Vieja do seguinte modo: trata-se de saber se se pode falar de verdade da arte ou de verdade da ficção. A questão já vinha da separação feita por Kant entre verdade da arte e verdade do conhecimento abordada na Analítica do Sublime e na Crítica do Juízo.51

A experiência estética surge como um todo de inteligibilidade aberta (porque o dito ou revelado não é absolutamente unívoco e abarcável em conceitos pré-existentes e pré-conhecidos) e de emoção (porque o gozo estético é um gozo no pleno sentido, isto é, cria-se uma disposição física que mexe com o organismo de quem contempla a obra de arte). As dimensões de

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Até nas religiões e éticas míticas de carácter naturalista encontramos a beleza poética dos símbolos de vida e o rigor moral do respeito pela ordem natural (ou assim considerada!), que implicavam um compromisso humanista em que, tal como se respeitava o sagrado na natureza, não se 'descartava' o utilitário da pessoa.

50

Diário XIII, 116-117.

51 VIEJA –Metodo y Manera, 8 e 7, respectivamente. À verdade da arte correspondia o modo estético ou maneira; e à

inteligibilidade e emoção coexistem mas em proporções não necessariamente coincidentes: na pintura ou escultura figurativas ou anedóticas, e até nas obras alegóricas, a inteligibilidade aparece dominante e a emoção é afectada pela conexão mais rápida e directa com a experiência individual do contemplador; na pintura e na escultura não figurativa ou abstraccionista é a emoção que prende mais do que a inteligibilidade, apesar de esta vir a dar um apoio extra à ramificação dos domínios de compreensão ou até de pura inteligibilidade.

Deixando de lado o que habitualmente se chama belo horrível, a obra de arte apresenta-se bela quando produz no espectador uma admiração tão grande que ele sente o desejo profundo de ter sido o seu autor ou reconhece que era mesmo desse modo e nessa medida que gostaria de expressar algo; ou, então, que a obra expressa bem uma força de revelação de algo que o espectador pressente e que o impulsiona para uma vontade de viver, mas que não consegue identificar claramente ou até delimitar nos contornos do tempo e da extensão dos domínios que lhe são afectados. Não podemos deixar de reconhecer que a verdade também atrai, fascina e até produz um arrebatamento de entusiasmo como condutora do homem, como intuição de novas potencialidades e até como concretização de perspectivas humanitárias — às vezes aspirações envergonhadamente secretas por antes se julgarem visionárias ou absurdas. No mesmo artigo antes mencionado, a mesma autora encara na vertente oposta esta questão: "o gosto (estético) não contribui para o conhecimento, mas inclui o prazer da reflexão"52. Mas Torga já em 1928 sonhava:

Aurora da beleza!

A megalomania da humanidade!... Andar no mar da incerteza

Onde as vagas são... verdade! ( Ansiedade, 7).

E não é menos certo que um sentimento é defendido muitas vezes como a mais segura das verdades, tal como uma verdade é defendida muitas vezes como a mais bela das criações. No entanto, "ao ouvir um poema épico... estamos interessados apenas no sentido da sentença e nas representações e sentimentos que este sentido evoca. A questão da verdade far-nos-ia

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abandonar o encanto estético..."53. No discurso de agradecimento do Prémio Camões, em 10.06.96, Eduardo Lourenço diz que a única verdade é a dos poetas e/ou criadores: se a linguagem tivesse como principal função informar, a poesia não seria tão considerada. No momento mais preciso e exacto de uma operação, o cirurgião não fala: indica o instrumento de que precisa. No momento mais humano do discurso amoroso, as palavras podem sair incompletas e sem nexo aparente. No mais lógico dos discursos oratórios, o que nos convence são as metáforas de lógica escorregadia e a entoação incisiva. Por outro lado, a verdade científica causa mais espanto quando se apresenta como uma explosão cujas ondas de impacto se perdem no horizonte e enveredam pelo caminho que cada um de nós gostaria de ver mais aberto ou iluminado.

A única verdade não é propriedade de ninguém, nem muito menos domínio de um determinado ramo de saber. Num já mencionado capítulo da obra Figuras del Logos entre la Filosofía y la Literatura, Christiane Schilknecht apresenta três categorias para enquadrar o que um texto diz ou significa54. As categorias de referência (a objectos) e de comunicação (de conteúdos) são típicas dos textos científicos e da conversação quotidiana; nos textos literários, a categoria de apresentação (de noções gerais e sentido) é superior à de referência e por isso nos textos literários não é a realidade o que mais interessa, mas algo que está para além: eles invertem o significar e o 'conhecimento' que eles revelam não está neles, mas é revelado através deles. A não imediatez do texto literário, nomeadamente do poético, não irá, portanto, anular a sua validade para apresentar sentido, embora a sua finalidade directa não seja referir-se aos objectos ou comunicar conteúdos de saber.

Conhecemos da história da filosofia a angústia que Parménides criou ao deixar fora do conhecimento, porque fora da realidade, tudo o que não fosse traduzido proposicionalmente. Angústia essa que foi de algum modo exacerbada pela gnoseologia aristotélica e que levou Santo Anselmo ou Descartes a terem de admitir que a afirmação evidente de algo deveria conduzir à existência desse algo. Por arrastamento, e para além dessa visão

53 PÊCHEUX –Semântica e Discurso, 119. 54

racionalista cartesiana, poder-se-ia chegar a ter de admitir a existência do correspondente ao meu desejo de algo. A questão remeterá para os modos de existir e também sabemos que, nos nossos dias, tal como não se reconhece à lei científica validade absoluta, também se reconhece às afirmações valorativas uma validade humana e existencial concreta. Poderíamos dizer mais: enquanto a queda de um grave não é mais do que um exemplo de uma ordem pré- determinada e um indício para a descoberta ou comprovação da lei de Newton, a emoção estética é actuante em si mesma, mesmo que tenha de reproduzir o onírico, e nem sequer permite a indiferença; e entre as duas manifestações não deixa de ser comum o princípio de universalidade: da queda de qualquer grave e da emoção estética, sob que gosto ou forma de arte seja. Dentro de cada um de nós está a experiência ou a constatação desta relatividade científica e necessidade emocional; mas seja permitido apresentar duas citações. Uma de Henri Atlan, que diz de modo nu e cru: "...a verdade científica não pode mais ser o modelo único e o único critério de valor"55; e outra de Claude Hágège, referente ao valor e limites de uma análise cultural da fala: "a obsessão do cientismo conduziu (a linguística) a vestir-se com um falso rigor, cujo modelo não se encontra em parte alguma, nem mesmo nas ciências mais rigorosas".56

Claro que se torna necessário distinguir entre o existente e o subsistente, como faz Meinong, na tradição bem profunda da substância e do acidente, do númeno e do fenómeno. O que está em causa não é a afirmação de um subsistente, mas de um existente. E por isso não encontramos na poesia referências sem ser a subsistentes, embora não nos interessem mais do que como suportes ou função denotativa de um existente com repercussões profundas. "Não podemos pensar o que não existe", como objecto; "mas poderemos pensar todas as combinações possíveis de entre esses elementos (da realidade) independentemente de eles serem actuais ou não"57.

Mas como se passa da simples enunciação ou referência e comunicação antes abordadas para a apresentação ou representação poética? De novo volta a ter de afirmar-se que nada se constrói abstractamente e que é na metáfora

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ATLAN –Tudo, Não, Talvez, 12.

56 HÁGÈGE –O Homem Dialogal, 263. 57

que se dá a passagem poética do vivido ao pensado58. Detenhamo-nos um pouco na caracterização desta forma artística de se transportar ao ser, como diz Ana Maria Leyra. Segundo esta mesma autora, a função da poesia não é mais do que "despertar, conservar e vigorizar a vida, de que parte"59. Mas o que distingue o poeta de um simples falante extrovertido que revela uma grande vontade de viver, ou melhor, de conviver? Continuemos com a autora e vejamos as características de um poeta: vigor com que reproduz estados anímicos; enérgica animação de imagens; satisfação que resulta de uma intuição impregnada de sentimentos, desenvolvimento livre de imagens e suas combinações por cima dos limites do real60. Esta lista poderia ainda ser uma referência a outras formas de arte, como o teatro, por exemplo, salvaguardando talvez a referência à intuição produtora. Nem todos os textos são iguais, diz Stefan Collini em obra que nos virá ainda a servir de apoio futuro61. Por isso, parece justo e necessário acrescentarmos alguns novos parâmetros de caracterização de um texto poético. Eis como Fernando Guimarães caracteriza o que chama discurso poético: pensamento analógico e simbólico, sedução pelas formas sensíveis e espirituais do imaginário, revelação intuitiva do saber, confrontação com o próprio sistema de linguagem (isto é, poder ser usado independentemente do seu autor e até dos circunstancialismos de produção), ser forma de conhecimento (isto é, derivar de acto criativo), sentido de universalização ou de extensão ao outro e opção

pela ilusão possível em vez de coacção pelo conhecimento único62. O modo

próprio ou método seguido é essencialmente a criação ou recriação metafórica. Mas no poema propriamente dito ainda teríamos de referir o ritmo e até a melodia das palavras e a rima (em muitos dos poemas mais apreciados). Definindo poesia como "a expressão verbal, musical e imaginosa, que serve de encarnação sensível a uma ideia humana profundamente sentida", João Mendes considera-a atribuída de três elementos: a palavra, a música (entenda- se: a musicalidade) e a imaginação. Nesta conjugam-se figuras do pensamento, como o eufemismo, a ironia e a perífrase; figuras da imaginação,

58

FENOLLOSA –Os Caracteres da Escrita Chinesa como Instrumento para a Poesia, 137.

59

LEYRA –Poética y Transfilosofía, 12.

60

Ibidem.

como a comparação, a metáfora e a alegoria; e figuras mistas, como a

metonímia e a sinédoque63. Tomando por redução o texto poético como

literário, poderíamos enunciar outra caracterização expressa por Michel Meyer em Linguagem e Literatura: fornece informação, deixada normalmente a cargo do implícito; apresenta o seu contexto de informação a leitores desconhecidos; é ficcional por ser irrealista em relação às situações discursivas habituais, fazendo do estilo o meio de credibilidade; revela a necessidade de exprimir algo não dito quando usamos a linguagem no seio do meio real; provoca o leitor a aceitar ou não e a apreciar ou não as respostas colocadas à sua atenção; é acompanhada de um estilo (não só para tornar plausível a ficção, mas também para captar o leitor, dar-lhe prazer e inseri-lo melhor na problemática)64.

Sendo metáfora, poderíamos dizer que a poesia encobre a verdade. Mais adiante veremos que a distanciação do circunstancial imediato é indispensável para que a própria metáfora se constitua e ganhe alcance. E também o objecto de conhecimento é criado pelo sujeito e nem por isso é posto em causa logo à partida. Na poesia esse encobrir do objecto imediato não se faz para encobrir a verdade. O uso estético da linguagem parece obedecer a uma utopia semelhante à de outras artes: a par da percepção da linguagem como meio de comunicação, criou-se a utopia de uma comunicação absoluta, sem intermediários. Como os teólogos defendem almas desencarnadas, os poetas imaginam toda a comunicação no instante de um olhar, na simplicidade de um gesto, na amplitude de uma situação de amor65.

A opção pela verdade é uma questão ontológica66 e daí que procuremos descobrir o que diz uma pintura, o que representa uma escultura, com que se parece o ondulado melódico ritmado de uma peça musical, o que simboliza um pôr-de-sol ou um sol por entre um castelo de nuvens67, etc. Mas se antes a questão estava nos modos de existir, agora ela coloca-se nos critérios de verdade. Ora, à diversidade de critérios ( que é um tema epistemológico), ainda

62

GUIMARÃES –Conhecimento e Poesia, 63-64.

63

MENDES –Teoria da Literatura (sebenta), pág. 1, referente a poesia.

64

MEYER –Linguagem e Literatura, 116.

65 MOUNIN –Linguistique et Philosophie, 191. 66

tem de ser acrescentar um conjunto de predisposições do foro da história pessoal e nomeadamente do inconsciente, de tal modo que qualquer epistemólogo hoje não deixa de referir não só a vertente de conhecimento erróneo e a filosofia do não de Bachelard, mas também a dependência que este autor estabelece entre conhecimento científico e psicanálise. E aqui não é só nas condições de produção de conhecimentos, nomeadamente na escolha dos objectos de estudo e nas hipóteses formuladas, que entra a dimensão inconsciente; nem se trata só do inconsciente que influencia quem produz a obra de arte, mas também do inconsciente que produz no leitor a sua visão da obra poética que se lhe depara ou que ele sumariamente selecciona. Isto porque "a obra de arte não se reduz a algo que se apresenta como uma realidade totalmente consciente"68.

Mas este é o grande objectivo também da filosofia, especialmente quando se trata de procurar a imediatez de uma verdade que satisfaça pelo menos temporariamente a necessidade de superar a dificuldade de um absurdo existencial ou a necessidade de abrir uma brecha na barreira da ignorância ou da prepotência de uma verdade feita. Gerard Vilar preocupa-se com procurar exactamente o critério que distingue a filosofia dos outros discursos literários. É ele: "a presença de pretensão de verdade do discurso filosófico ligado tanto ao momento genético resolutor de problemas como à função teórica"69. Só que a verdade existe também na poesia. Esta será a única forma, ou pelo menos a forma mais perfeita de comunicar a experiência pessoal. André Martinet diz que "a experiência pessoal é incomunicável na sua unicidade"70 e por isso nem o discurso filosófico nem o discurso científico são auto-suficientes. Talvez por isso mesmo João Mendes afirmava que "em toda a

emoção e conhecimento estético71 a beleza aparece-me como a manifestação

de unidade, verdade e bondade do ser"72, não sendo a beleza algo exterior, mas harmonia de unidade, inteligibilidade e bondade.

67

Não é feita aqui ainda referênca a todas as condições de ser obra de arte. E, por outro lado, na emoção estética existe a face do artista e o reverso, isto é, a face do admirador.

68

GUIMARÃES –Conhecimento e Poesia, 62.

69

VILAR –La Ética y el Campo de Fuerzas de la Filosofía, 246.

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Citado por Georges Mounin, in Linguistique et Philosophie, 209.

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A reunião de emoção estética e conhecimento tem neste autor um sentido diferente do que se encontra em Fernando Guimarães e entende-se pela visão racionalista.

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No entanto, a aspiração à verdade e até a sua necessidade ontológica não nos elucidam sobre o que a verdade seja. E isto porque os critérios usados pertencem a padrões incapazes de serem objecto de convenção ou determinação objectiva padronizada e reproduzível com fidelidade..

A determinação dos critérios de verdade não é uniforme. Não percorramos a história, senão teríamos para cada subdivisão de época e até de cultura um critério; fixemo-nos só em duas breves análises: nos confrontos positivista, racionalista e humanista contemporâneos e nos critérios pessoais e sociais de verdade. Se Descartes ainda distinguia critério de verdade (evidência racional) e de certeza (Deus, ser não maléfico e, por isso, não enganador), já Galileu propunha a verificação da hipótese como solução global de verdade e de certeza. O positivismo contemporâneo não é tão rígido como o preconizado por Comte e o racionalismo inclina-se mais para modelos matemáticos. Autores vários tentam recuperar a dimensão multidimensional da verdade. Mas ainda permanece um confronto entre o pragmatismo social e seus modelos eficazes e o romantismo individual e o seu modelo criativo. Aceita-se num círculo científico como verdade aquilo em que peritos de nomeada concordam; mas reconhece-se à novidade de um resultado encontrado até na solidão de um gabinete ou laboratório um valor renovador. Pior ainda para o positivismo é ter de reconhecer que até uma verdade científica tem de receber valor em função daquilo que o homem quiser fazer dela. De algum modo parafraseando uma análise fenomenológica do conhecimento, poderíamos dizer que uma verdade só o é na medida em que o homem quiser e precisar73.

O querer uma verdade responde também ao que Jacobo Kogan considera ser a grande finalidade linguística do homem: comunicar o mais universal de si

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Nesta relativização de necessidade e verdade se poderão entender as definições de poeta apresentadas por Jaime Cortesão ( "O homem é prisioneiro dos seus sentidos e o poeta é o que, rompendo esse cárcere para logo caminhar liberto, paira e voa vertiginosamente num perpétuo, suspenso, extasiado deslumbramento pelo mundo imenso, encantado, pululante de maravilhas, que fica para além dessa prisão..."), Leonardo Coimbra ( "Ser poeta é eternizar o instante, é fazer da vida um contínuo deslumbramento, um permanente convívio com Deus") ou até Miguel Torga ("O que eu espero, não vem./ Mas ficas tu, leitor, encarregado/ De receber o sonho./ ... Não lhe perguntes por que tardou tanto/ E não chegou a tempo de me ver./ Uns têm a sina de sonhar a vida,/ Outros de a colher"). Cf. Revistas

Literárias do Século XX em Portugal, 271 e Antologia Poética, 121.; mas em Antologia Poética, 81-82, aparece um

texto (que faz parte de Odes) intitulado Aos Poetas, mais directo e mais completo, do qual se transcreve aqui só a estrofe final: "Homens do dia-a-dia/ Que levantem paredes de ilusão./ Homens de pés no chão,/ Que se calcem de sonho e de poesia/ Pela graça infantil da vossa mão".

ou referir-se ao mais universal que são os outros74. E esse caminho é um acto de liberdade que implica distância psíquica. Precisar de uma verdade responde não só à identidade criadora do homem, em que a arte exige manipulação de imagens, mas também à necessidade de narrar a intimidade75. Nos dois casos, o sentido de universalidade parece ser a única verdade sustentável, mesmo que ao narrar a intimidade razões psicanalíticas nos permitam várias suposições: que defendamos o que não somos, que encobramos o que achamos mal, que valorizemos o que não conseguimos, que desdenhemos do que não podemos, etc. Vemos que no próprio sentido universal da narração íntima ou particular estará o fundamento da legitimidade lógica e até ontológica da literatura — como das outras artes, embora com mais razão nesta, porque a lógica da comunicação é mais formal naquela do que nestas. Por isso, podemos admitir uma verdade metafórica da arte e uma racionalidade crítica da filosofia76. Mas, para além disso, o que interessa não é a conformidade do dito com a realidade porque "o artista parte da aparência temporal do modelo para a evidência intemporal da criação", pois "o que o artista tira da realidade... é como o pólen que a brisa tira de uma flor" "77; e o que interessa ao artista não é narrar a experiência, mas passar pela experiência78, de modo que o poeta possa acrescentar ou amesquinhar a realidade, desde que "não haja mentira em absoluto"79. Se, como veremos, a poesia até pode ensinar80, o mais importante é sair dela um modelo significativo para a orientação da existência de cada um. Diz Torga sobre o seu progresso na Literatura: "ia pouco a pouco descobrindo que os autores procuravam criar, através das personagens que punham em movimento, símbolos perenes de realidades quotidianas"81. Mais tarde, num misto de descoberta e lamento, dirá que quando o entendimento não dá mais aparece a poesia; mas "o poema – essa prestidigitação que

74

KOGAN –Filosofía de la Imaginación, 201.

75 VIEJA –Figuras del Logos, 16. 76

VIEJA –Método y Manera, 7.

77 Diário II, 160. 78 Diário I, 97. 79 Diário I, 11.

80 O sapo Bambo hibernava de Outubro a Março (Cf. Bichos, 62-63). 81

desata o nó cego de todos os mistérios – só lhe é dado (ao poeta) quando um feliz acaso o determina"82.