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As revistas no Brasil do início do século XX: cenários e papeis

No documento Jornalismo e Estudos Mediáticos (páginas 58-61)

Leoní Serpa

1. As revistas no Brasil do início do século XX: cenários e papeis

Ao debruçar-se na historiografia do Brasil no século XX é possível abranger que o processo de moderni- zação da sociedade, tanto em termos de produção cultural, como econômica vai ganhar transformações significativas a partir dos anos de 1960. O governo de Juscelino Kubitschek (1956 a 1961) que trazia consigo uma herança política deixada por Getúlio Vargas (segundo mandato: 1951 a 1954), lança um plano desenvolvimentista que ele chama de “50 anos em 5”. Esse resulta em investimentos nas áreas de alimentação, indústria, transporte, energia e educação. Objetiva assim, modernizar o país em diversos setores e acaba por efetivar a construção de Brasília, como nova capital do país e a transforma em sím- bolo desta modernização.

Antes disso, a concepção de país moderno ganha relevância no governo de Getúlio Vargas (Primeiro Governo – Era Vargas), com uma política nacionalista e modernista. Foram criadas condições de afir- mação destes ideais e usa-se a mídia como interlocutora, além de investir no Departamento de Impren- sa e Propaganda - DIP. A revista de Assis Chateaubriand nasce almejando fazer eclodir esses conceitos e em consonância com os interesses da Era Vargas preenche paginas com a propagação de um Brasil unificado (tratava-se de um país fragmentado, em termos culturais e sociais, devido intensa presença de diferentes etnias emigrantes) e moderno. Desta forma, O Cruzeiro escolhe como segmento da trans- formação moderna, o público feminino. Cria uma linha editorial que vai divulgar novos padrões de comportamentos. Mostra moda, roupas, eletrodomésticos, maquiagens, cinema, concursos de beleza, esporte, registros das fabulosas festas sociais, na mais evidente materialização do que considera ser a modernidade do Brasil daqueles anos.

No entanto, cabe ressaltar que era uma bandeira destoante das ânsias sociais femininas da época e que eclodiam pelo mundo, com reivindicações de direitos e o fim da submissão patriarcal. Na percepção da revista tratava-se de um potencial econômico de divulgação de propagandas de produtos femininos a atender este forte mercado consumidor a ser explorado. O que não tira o seu papel de protagonista de uma principiante cultura de massa nacional, especialmente em termos de publicidade. A revista destaca-se entre os semanários brasileiros como pioneira na implementação da fotorreportagem e de diversas inovações não comuns para o período. Consoante, (Mira, 2003) entende que O Cruzeiro tem uma função fundamental neste período e acaba por realiza a transição entre um modelo de revistas que mistura jornalismo e literatura, com os magazines que virão aos moldes da indústria cultural.

1.1. O Brasil no século XX

Do ponto de vista político e econômico, o Brasil do início do século XX caminha para consolidar um regime republicano, depois de ter alcançado a Proclamação da Independência em 1822. Com um modelo agrário sustentado na exportação de café, algodão, borracha e cacau, tem-se um domínio econômico baseado na política do “café com leite”. Predominantemente influenciado pelos Estados de Minas Gerais e São Paulo.

No Nordeste prevalecia o controle de coronéis e em muitos estados ainda pipocavam os conflitos ar- mados, revoltas. Dentre elas, a do movimento político-militar brasileiro (1924 a 1927), denominado Coluna Prestes e ligado ao Tenentismo que externava a insatisfação com a República Velha. A marcha que se desloca do Sul do país percorre cerca de 25 mil quilômetros e prega reformas políticas e sociais. Com ideias contrárias às elites agrárias a Coluna exige mais educação e reformas. Tece crítica aos go- vernos do então presidente Artur Bernardes (1922 a 1926) e, posteriormente, ao de Washington Luís (1926 a 1930). A Coluna, embora não tenha conseguido derrubar o governo como almejava consegue enfraquecer politicamente a República Velha. Desta forma, abrem-se caminhos para a Revolução de 1930 que leva Getúlio Vargas ao poder. A Era Vargas vai de 24 de outubro de 1930 a 31 de janeiro de 1946 e assim se estabelece a Segunda e a Terceira República no país.

O Brasil era majoritariamente agrário, mas nas grandes cidades do Sudeste a expansão do capitalis- mo industrial avançava no início do século XX. Para (Sodré, 1999) a imprensa no Brasil nasce com o capitalismo e assim acompanha o seu desenvolvimento. Na proporção deste ritmo desenvolvem-se as empresa jornalística que vão alcançar também o seu desenvolvimento tecnológico. O que para o autor, a imprensa no Brasil do século XX deixa ser “os pequenos jornais de estrutura simples” para ser substituído por grandes empresas jornalísticas que conseguem investir em tecnologias. Nasce a fase em que o país passa de uma imprensa artesanal e tipográfica para ir aos poucos alcançando os moldes de uma indústria gráfica. É também uma etapa em que o jornalismo brasileiro adota padrões estrangeiros, surgem diversas revistas ilustradas e se diversificam as publicações com públicos segmentados.

Para entender melhor a história da Imprensa no Brasil (Barbosa, 2012: 3) destaca que é preciso com- preender profundamente os diversos processos e contextos brasileiros. O que para a autora “somos uma sociedade oralizada e a história da comunicação no Brasil é a compreensão desse universo de práticas culturais dos modos orais de comunicação, que foram se transformando na longa duração”. O que é preciso ainda, conforme (Barbosa, 2012: 3) entender a iliteracia brasileira:

Aqui não houve uma política de massificação educacional, não houve letramento em larga escala, bem como também não houve uma razão iluminista. Nossos liberalismos foram múltiplos e sempre adaptados ao sabor de interesses particulares. Passamos, a rigor, da ora- lidade primária para a oralidade secundária sem passarmos pelo letramento. A maioria da população continuou imersa nas práticas orais. O grau de alfabetização que, em 2004, em Portugal atingia 93,3% da população, na Espanha, 97,8% ou no Chile 95,7%, no Brasil chegava a 88,4% de seus mais de 190 milhões de habitantes. E o Censo de 2010 mostrava que em algumas regiões brasileiras a taxa de analfabetismo ainda atingia mais de 20% da população (IBGE, 2011).

Trata-se de um sentido, que para a autora não significa uma história inferior, ou aquela que passa “dos particularismos às generalizações na produção do conhecimento histórico sobre os meios de comunicação”.

Pela abrangência editorial de O Cruzeiro é possível compreender também as ideias e as posições de um grupo que a revista representava naqueles anos em que circulou no país. Tratava-se de uma sociedade predominante de pessoas influentes, políticos, governos, militares, Igreja e uma boa parcela de indus- triais, produtores rurais e empresários, além de um grupo de intelectuais empenhados na ideia de um país moderno, dentre eles Portinari, Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Humberto de Campos, Austregési- lo de Athayde, dentre outros nomes de expressão nacional que também defendiam uma Arte Moderna.

1.2. As protagonistas

As revistas brasileiras, ao longo da história tiveram importante papel na defesa de uma identidade na- cional, numa luta que começou defendendo a independência nas páginas de As Variedades, de 1812. Parte delas tinha como características o humor. Uma vertente contida nas páginas de O Malho, 1902, assim como A Rolha, em 1918.

Destacam-se ainda as ilustradas, revistas que inspiraram muitas outras ao longo do século XX, es- pecialmente a produção editorial de O Cruzeiro. Para (Sodré, 1999: 221) as ilustradas tinham uma preocupação com a qualidade. Aborda sobre o quanto as revistas ilustradas eram cuidadosamente estilizadas. “Com a tinta autográfica e a pena de irídio, o artista desenhava o seu trabalho sobre papel especial, obedecendo ao tamanho exato que deveria ter o clichê, fosse ele de uma polegada”. Destaca a revista Ilustração do Brasil, criada em 1876, e a considera uma revista de “luxo para a época, com texto selecionado e muita gravura”. Tratava-se de uma ilustrada, criada por Carlos Vivaldi que utilizava-se de técnicas de litografia e assim demonstrava importante contribuição para o período ao adotar tais artifícios que superavam deficiências na produção de revistas no Brasil.

Seguindo esta tendência, colunas com forte crítica social aparecem em O Cruzeiro, com espaço que evidenciavam a caricatura de figuras importantes da época e que tecem crítica social e política como foi o caso de “O amigo da onça”. Eram traços que geralmente ocupavam a página inteira, sempre com uma história irreverente para contar, fossem fatos políticos, fosse uma simples ou ingênua história. A ironia era a marca mais evidenciada.

Quando O Cruzeiro surge em 1928, o jornalismo no Brasil já se encontrava numa fase de transição en- tre a precariedade editorial e as possibilidades de inovação. Assis Chateaubriand adquire equipamentos modernos importados da Alemanha para o seu novo empreendimento. No ano de 1930, persistindo nesses propósitos de melhorias, O Cruzeiro anunciou reformas na parte gráfica do semanário. Em 1931, consolidam-se as reformas da revista, que se instala em nova sede, com uma oficina moderna, e anuncia o progresso que chegava ao semanário. Já com letras no formato script que a nova máquina propiciava fazer, o recado aos assinantes e leitores foi comunicado em página nobre, com letras bem grandes, como são tratadas pela imprensa as primeiras páginas de uma publicação.

Foi neste período que a revista teve modificada a sua diagramação e passa a adotar a reportagem. O

texto e o fotógrafo Jean Manzon, sendo eles os principais repórteres da revista, especialmente a partir dos anos de 1940.

O Cruzeiro surge num período em que existiam poucos veículos de comunicação impressos com “pa-

drões modernos” e com circulação por todo o território nacional e, ainda, por alguns países da Amé- rica Latina. A revista foi referência não só pelos temas que levantava, representando, dessa forma o pensamento da elite política, social, econômica e religiosa da época, mas também pela maneira como diagramava e editava suas páginas e no pioneirismo no fotojornalismo.

No século XX vão emergir inúmeros títulos de revistas, desde as exclusivas para públicos segmenta- dos, como é o caso da feminina Claudia, em 1961. Nasce com o nome de Joia em 1957, pela editora Bloch. Mais tarde surge a Revista Realidade que vai circular de 1966 a 1976 e que consolidar a grande reportagem. Uma semanária que vai revelar grandes nomes do jornalismo brasileiro, como José Ha- milton Ribeiro. Ela consegue atravessar a Ditadura Militar discutindo grandes temas da vida social do país. Neste período (Nascimento, 2002) aponta como a fase em que eclodem as revistas chamadas de informação geral. Além disso, surgem ainda aquelas que vão valorizar muito a fotografia, como foi a segmentada Manchete, criada pelo empresário da comunicação, Adolpho Bloch, nos anos de 1950. O fenômeno editorial brasileiro do século passado e que ainda perdura neste, numa verdadeira dança publicista “de abre e fecha”, nas edições de revistas, tem a ver com os interesses mercadológicos de um negócio que depende muito do público. Uma revista, na percepção de (Scalzo, 2007) tem foco no leitor. Independente de conhecer ou não muito bem seus leitores, as publicações precisam focar no público-alvo, defende Scalzo, que cita o critério de “ajustar o foco no leitor”.

Com base justamente nos seus públicos, nos últimos anos tem surgido uma variedade de títulos, de revistas consideradas customizadas, que a partir de interesses mercadológicos e empresariais servem para as empresas reforçarem suas marcas, mesmo quando se baseiam em peças editoriais informativas.

No documento Jornalismo e Estudos Mediáticos (páginas 58-61)

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