• Nenhum resultado encontrado

Do Gatekeeper ao Influenciador Digital

No documento Jornalismo e Estudos Mediáticos (páginas 184-187)

Felipe Harmata Marinho

1. Do Gatekeeper ao Influenciador Digital

Um exemplo clássico que é usado para se referir ao gatekeeper é que ele é uma espécie de porteiro. Aquele que é responsável por escolher, por filtrar o que vai ser veiculado em um meio de comunicação. É quem determina quais fatos/eventos são divulgados ao público. Do ponto de vista clássico, segundo Pamela Shoemaker et all (2010), a teoria do gatekeeping analisa como e porque os fatos ou eventos saem dos jornalistas, das fontes de comunicação, até serem publicadas. Essa teoria é da década de 1950 e foi proposta por David Maning White. Sonia Serra (2009) mostra que, classicamente, o gatekeeper é um tipo de especialista. É alguém que conhece sobre o assunto. Segundo ela, ao se analisar os fato- res que são levados em conta ao publicar um fato se descobriria quem seriam os gatekeepers e o que condiciona a decisão deles. Esse é um modelo baseado em um tipo de comunicação em que há poucos produtores e muitos consumidores. No geral o público é encarado como alguém mais passivo com relação a publicação dos conteúdos.

Com a ascensão da internet esse modelo muda. Passamos para um formato em que as duas pontas pro- duzem e consumem muita informação. Para Marcelo Trasel (2006) como na web o espaço para publi- cação é virtualmente ilimitado e como é possível publicar tudo, o gatekeeping perderia a sua motivação técnica para existir ou então, pelo menos, ficaria ficaria diluído. Mas ao se analisar o compartilhamento de conteúdos na internet é possível perceber que alguns conteúdos chegam a mais pessoas, atingem um público maior que outros. Então também há certos gates que fazem com que algumas informações se disseminem com mais facilidade na internet.

João Canavilhas (2010) mostra que, na internet, alguns indivíduos se destacam por indicar conteúdos para outras pessoas. A ideia é que, em um cenário em que muito é publicado, é impossível acompanhar tudo. Mas há uma figura que ajuda a mostrar o que deve ser acompanhado. Segundo o autor, alguns usuários são capazes de indicar e aconselhar os seus amigos a investirem a atenção em determinado assunto, link ou notícia. É nesse contexto que Pamela Shoemaker e Tim P. Voz (2010) reconhecem que na internet há então um novo processo de gatekeeping das informações. A web permite que o usuário comum torne-se uma espécie de gatekeeper. Ele é fundamental no processo de circulação de uma mensagem.

Como esse processo é diferente da circulação clássica das informações, Bruns (2003) dá um nome diferente ao conceito, chama essa atividade de gatewatching. O gatewatcher não estaria tão preocupa- do com a produção de conteúdos como estava o gatekeeper tradicional. Ele está mais interessado em indicar, compartilhar e socializar as informações. Jurema Sampaio Ralha (2009) chega a chamar essa nova figura de animador de comunidades virtuais. É o agente responsável por instigar a participação, em trazer assuntos e promover o debate.

Outra diferença que aparece é com relação a amplitude. O gatekeeper tradicional chega a milhares de pessoas, já o gatewatcher é segmentado. Segue a ideia da cauda longa proposta por Chris Anderson (2006) e é relacionado a um nicho de público. A amplitude dele está no que Javier Cremades (2009)

chama de micropoder. Os valores estão muito mais ligados a conhecimentos, experiências e discussões do que as instituições hierárquicas tradicionais.

Se o gatekeeper clássico ficou popularmente conhecido como formador de opinião, o gatewatcher passa por várias nomenclaturas até chegar ao termo de influenciador digital. Segundo uma pesquisa realizada pelo YouPix (2016), o influenciador é diferente de uma celebridade. Segundo a publicação, a celebrida- de é idealizada e distante. Já o influenciador é alguém que o público encara como uma pessoa próxima, que tem uma relação permeada pela espontaneidade e tem conexão com nichos de maior relevância. Outra diferença é que o gatekeeper tradicional está ligado a figura de um especialista. Já com a internet são outros os citérios que definem quem vai ser o influenciador digital. Ele pode ser um blogueiro, um youtuber, alguém que possui um perfil de relevância em derminada rede social, ou alguém que, muitas vezes, está muito mais ligado a narrar o cotidiano, a vida pessoal, do que grandes narrativas. Essa trans- formação do gatekeeper para o gatewatcher e, consequentemente, a chegada do influenciador digital mostram que as mudanças nos meios de comunicação não alteraram só a produção e a distrubuição das informações. Alteraram também o consumo. Com a possibilidade de autopublicação cada vez mais fácil os papéis de consumidor e produtor são cada vez mais próximos, o que também facilita a criação de novos influenciadores para determinados nichos de público.

1.1. Características do Influenciador Digital no YouTube

Carlos Costa (2017) considera que os influenciadores digitais são a versão moderna dos formadores de opinião. Para ele os influenciadores são desenvolvedores de determinados tipos de conteúdo e geram um público que acompanha as postagens. Mas esse é um termo que é usado há pouco tempo tanto pelo mercado quanto pela academia. Issaaf Karhawl (2017) mostra a evolução do conceito. Ela conta que o termo apareceu aos poucos. Até 2014, por exemplo, quem tinha um blog era só chamado de blogueiro. Quem trabalhava com vídeos para YouTube era chamado de vlogueiro ou vlogger. É em 2015 que co- meça uma guinada discursiva. Para essa mudança a autora considera dois fatores: um cenário marcado pela inclusão de amadores como produtores de conteúdo e a questão da ascensão de uma sociedade em que cada vez mais a imagem de si é valoriza. Com isso chega-se a ideia de que os influenciadores são aqueles que têm algum poder para colocar discussões em circulação, poder de influenciar decisões com relação aos gostos, estilos de vida e também que possuem algum tipo de poder no processo de decisão de compra.

A autora mostra que antes do termo influenciador digital ser padronizado surgiram outros nomes na literatura. Um deles é o “usuário-mídia” como um tipo de formador de opinião on-line. Entendido como aquele que produz conteúdo em detrimento a outros que só consomem. Com isso aparece a ideia de que o influenciador digital tem como característica produzir informação. Isso sem entrar numa aná- lise valorativa. Pode ser fotos no instagram, posts em blogs ou vídeos. A evolução do termo não exclui nomenclaturas usadas anteriormente.

Carolina Terra (2017) utiliza o termo usuário mídia para evidenciar que estamos na era da chamada midiatização dos indivíduos, a possibilidade de usar as mídias digitais como instrumento de exposição, expressão e divulgação pessoais. Produz, dissemina e compartilha conteúdo próprio e de seus pares. Mas não é tão simples de padronizar quem é o usuário-mídia. Para a autora existem vários níveis: os que só consomem conteúdo e replicam, os que participam somente com comentários em iniciativas

on-line de terceiros e tem, também, os que de fato produzem ativamente conteúdo na internet. Por isso, para a autora, para definir o usuário-mídia como formador de opinião ele precisa necessariamente produzir conteúdo. Mas isso não quer dizer que tenha que ser um vídeo ou um post. Considera-se também importante o fato de comentar em publicações e compartilhar conteúdos. Assim ele também está se mostrando como disseminador de informações.

A autora mostra que, para simplificar e para efeitos didáticos, convencionou-se utilizar influencia- dor digital como primeira opção para a pessoa que produz conteúdo com frequência e credibilidade. Creator, YouTuber, blogueiro, vlogueiro se tornam sinônimos para o usuário produtor de conteúdo no meio digital. Bianca Dreyer (2017) mostra que, além de se tornar visível para outras pessoas e organi- zações, o que começou a acontecer é que algumas pessoas também passaram a ter o poder de persuadir e influenciar os outros. Os que tinham mais habilidade em expor seus gostos e até mesmo intimidades começaram a ganhar destaque diante de quem se identificava com aquele tipo de conteúdo. Por isso, Elizabeth Saad Corrêa (2017) mostra que ao se propor o influenciador digital como um agente da influência junto aos grupos sociais a que atua, é possível considerar o papel dele como enunciador de si diante do representar-se para os outros. A influência só acontece de forma efetiva se refletir a iden- tidade do grupo representado. Para a autora a gênese do processo está na gestão das plataformas, redes de relacionamento, funcionalidades, regras de ação e de comportamento.

Passando a discussão para os influenciadores do YouTube, Maurício Mota e Suzana Pedrinho (2009) defendem a ideia de que a plataforma transformou de forma definitiva a forma da sociedade absorver conteúdo em vídeo. Os autores consideram que o fascínio da imagem chega ao ápice quando nós somos a própria mensagem. Eles defendem que o YouTube é um tipo de espaço público, uma ágora virtual, que permite a cada um ser a própria mídia.

Nessa lógica, Jean Burgess e Joshua Green (2009) apontam que o sucesso do YouTube se deve a apli- cação de quatro recursos. As recomendações de vídeos por meio dos Vídeos Relacionados, um link de e-mail que permite o compartilhamento de vídeos, os comentários e o reprodutor de vídeo que pode ser incorporado, o embed, em outras páginas da internet. Os autores também pontuam que uma virada importante foi quando a plataforma deixou de ser um repositório de vídeos para se tornar um espaço para expressão pessoal. Os autores defendem que o YouTube é um tipo de espaço de misturas. Isso desde a formas de produção comercial e não comerciais, a produções consideradas marginais, co- munitárias, que são incorporadas a lógica comercial de grandes corporações de mídia. É um mecanis- mo de mediação para a esfera pública cultural. Michelli Beis e André Conti Silva (2015) mostram que um elemento importante a ser considerado é que os conteúdos do YouTube são próximos dos usuários, acabam incentivando o público a produzir suas próprias ideias e que esses devem ser fatores a serem levados em conta quando se analisam os influenciadores digitais no YouTube.

Em uma pesquisa publicada anteriormente, resultado de um Programa de Iniciação Científica, Faria e Marinho, 2017), ao analisar os influenciadores digitais de maior visibilidade no YouTube no Brasil, percebem que a identificação com o tipo de conteúdo publicado pelo youtuber é um dos principais fatores que levam o público a considera-los como influenciadores. Como a pesquisa analisou os youtu- bers mais visitados, o fato do criador do conteúdo ser popular também aparece como um fato impor- tante para percebe-lo como um tipo de influenciador. Do ponto de vista técnico a pesquisa também mostrou que o YouTube é um tipo de plataforma que incentiva os usuários a pensarem em si mesmos como um tipo de moeda em que os participantes ganham prestígio por meio do número de visitas que atraem. Paralelo a isso eles também conseguem agregar sujeitos em torno de discussões de determinado

assunto. Passada essa discussão sobre o conceito de gatekeeper até chegar ao influenciador digital no YouTube, o trabalho passa agora a explicar a metodologia da análise empírica e a mostrar os resultados.

No documento Jornalismo e Estudos Mediáticos (páginas 184-187)

Outline

Documentos relacionados