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Identidade cultural: diferença e representação

No documento Jornalismo e Estudos Mediáticos (páginas 36-39)

Gustavo dos Santos Fernandes

1. Identidade cultural: diferença e representação

Sem o desígnio de esgotar os conceitos e as discussões acerca de termos como “identidade cultural”, “identidade e diferença” e “representação”, são traçadas aqui, em algumas linhas, visões sobre esses conceitos discutidos em obras de Stuart Hall (2011) e Tomaz Tadeu Silva (2014), Kathryn Woodward (2014) e Nestor García Canclini (1998).

Hall (2011: 47) afirma que “as culturas nacionais em que nascemos se constituem em umas das prin- cipais fontes de identidade cultural”. Essas culturas nacionais contribuem para desenvolver padrões, os quais caracterizam um determinado grupo de pessoas enquanto nação.

Poletto e Kreutz (2014) explicam que Stuart Hall critica esses modos de perceber as identidades cultu- rais nacionais como uma construção natural, e que por muitas vezes acabam sendo interpretadas como neutras. Entretanto, sua crítica diante de uma identidade nacional unificada, é comprovada ao passo que sua análise nas diferenças, corroborada por Silva (2014) mostram as diferenças existentes em uma mesma nação, como a variação linguística, etnia, gênero, culinária, entre outros aspectos.

Nesta perspectiva, compreende-se que um espaço geográfico não é formado apenas por uma única cultura. Diante de todos os processos de formação histórica e social, observa-se que os sujeitos de diferentes origens se unem, e fazem surgir novas culturas. A população além de possuir características e costumes que lhes são próprias, sofrem influência da cultural local, estado e região, além da cultura nacional. Como exemplo, a maneira de falar – variação linguística, sotaques da população local, festas, produção econômica e culinária.

A identidade cultural nacional, para Hall (2011), é um sistema de representação cultural, ou seja, um sistema simbólico, um conjunto de significados, um discurso, um modo de construir e operar sentidos que influenciam e organizam tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos em uma comunidade imaginada que visa à homogeneização numa esfera política do estado nação.

Diante dessa discussão de como conceituar a identidade das sociedades, Hall (2011) buscou tratar o movimento contraditório entre tradição e transição, numa visão mais ampla. A tradição, segundo ele,

apoia-se em dois pilares: o nacionalismo e o fundamentalismo religioso, ambos vinculados a noções e conceitos como identidade. A transição vincula-se a tudo que é híbrido, diverso, mistura e criação do novo.

De acordo com Silva (2014), as definições de identidade só existem por causa de uma não-identidade. Em outros termos, um sujeito somente se afirma como pertencente a determinado grupo nacional, por exemplo, porque há um conjunto de sujeitos não-pertencentes àquele grupo. Dessa forma, por trás de uma afirmação identitária, sempre há uma extensão de negações e diferenças.

Silva (2014: 76) corrobora com a ideia de que identidade e diferença são mutuamente determinadas: “a diferença que vem em primeiro lugar”. Ela não é resultado de um processo, “mas como processo mesmo pelo qual tanto a identidade quanto a diferença (compreendida, aqui, como resultado) são pro- duzidas”. A origem seria a diferença - ato ou processo de diferenciação. Sendo assim, Silva (2014) diz por sua vez que identidade e diferença são consideradas “atos de criação linguística”, pois não podem ser compreendidos fora de um sistema de significação, exteriores a um contexto carregado de signos, o que lhes confere um sentido. Assim, entende-se que a identidade e diferença são resultado de produ- ções simbólicas e discursivas. Segundo Silva (2014: 85):

Juntamente com a língua, é central a construção de símbolos nacionais: hinos, bandeiras, brasões. Entre esses símbolos, destacam-se os chamados mitos fundadores. Fundamen- talmente, um mito fundador remete a um momento crucial do passado em que algum gesto, algum acontecimento, em geral heroico, épico, monumental, em geral iniciado ou executado por alguma figura ‘providencial’, inaugurou as bases de uma suposta identidade nacional.

Silva (2014: 85) observa que “pouco importa se os fatos assim narrados são verdadeiros ou não; o que importa é que a narrativa fundadora funciona para dar à identidade nacional a liga sentimental e afeti- va” que dessa forma vai lhe garantir certa estabilidade e fixação, na memória de um povo. Passando a ser uma referência simbólica e que consequentemente passará a ser transmitida de geração para geração. No olhar de Silva (2014) a identidade e a diferença são criações do universo cultural e social, além de serem interdependentes, eles são criados por meio de atos de linguagem: apenas por meio de atos da fala que instituímos a identidade e a diferença como tais (e uma das características do signo é que ele seja repetível). Para nos definirmos como diferentes e demarcar nossa identidade, é necessário utilizar de atos linguísticos já bem enraizados.

Desta forma, não se pode compreender “a identidade e a diferença fora dos sistemas de significação nos quais adquiriram sentido” (Silva, 2014: 78), pois, esses signos, são seres culturais e do sistema simbó- lico. Esses sistemas de significação acabam adquirindo força e poder de representar, demarcar e fixar a identidade (Silva, 2014).

Woodward (2014) explica que as identidades são construídas por meio da caracterização da diferença. E essa caracterização e distinção da diferença ocorrem tanto por meio de sistemas simbólicos de re- presentação quanto por meio de situações que podem ser representadas através da exclusão social, dos grupos desfavorecidos ou marginalizados. “A identidade, pois, não é o oposto da diferença: a identida- de depende da diferença” (Woodward, 2014: 40).

Ao analisar como as identidades são construídas Woodward (2014: 50-51) explica que:

A diferença pode ser construída negativamente por meio da exclusão ou da marginalização daquelas pessoas que são definidas como “outros” ou forasteiros. Por outro lado, ela pode ser celebrada como fonte de diversidade, heterogeneidade e hibridismo, sendo vista como enriquecedora: é o caso dos movimentos sociais que buscam resgatar as identidades sexuais dos constrangimentos da norma e celebrar a diferença.

Voltando às reflexões de Silva (2014) a identidade e a diferença são o resultado de um processo de pro- dução simbólica e discursiva. A identidade, assim como a diferença, passa a existir a partir das intera- ções e ligações que se estabelecem entre os sujeitos de maneira natural ou por seus interesses individuais – se tornando de fato uma relação social. Esse aspecto social significa que suas construções linguísticas e discursivas estão sujeitas as relações de poder e força, e quem podem ser entendidas como uma relação flutuante e inconstante. Elas não são simplesmente escolhidas pela sociedade, elas são impostas. Elas não vivem lado a lado de forma harmoniosa, em um mundo singular, mas, sim, diante de uma disputa hierárquica. Silva (2014: 81) comenta que:

A identidade e a diferença estão, pois, em estreita conexão com relações de poder. O poder de definir a identidade e de marcar a diferença não pode ser separado das relações mais amplas de poder. A identidade e a diferença não são, nunca, inocentes.

Partindo da mesma perspectiva, Silva (2014: 82) entende que “a afirmação da identidade e a marcação da diferença implicam, sempre, as operações de incluir e de excluir”. Para Silva (2014: 82) o sujeito só consegue afirmar sua identidade quando ele demarca seu espaço entre as fronteiras, definindo assim, “o que fica dentro e que fica fora”. “A identidade está sempre ligada a uma forte separação entre ‘nós’ e ‘eles’. Essa demarcação de fronteiras [...] supõem afirmar e reafirmar relações de poder”.

Essa dualidade existente entre a identidade e a diferença, segundo Hall (2011), sofre grande influên- cia das relações do poder. E essa influência pode ser percebida nas marcações e no ato do sujeito excluir e incluir alguém. Porém, autores como Hall (2011), Silva (2014) e Canclini (1998) não compreendem a identidade como sendo fixa. Os deslocamentos, os cruzamentos de fronteiras e a hibridização discutida por Canclini (1998) são fatores essenciais na formação dessas novas identida- des. Segundo Hall (2011: 7):

As velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declí- nio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado.

Hall (2011) argumenta que o homem da sociedade moderna, vem sofrendo influência em sua for- mação cultural, através do processo de globalização. Uma vez que essas identidades culturais, diante dessa nova configuração social têm proporcionado uma mudança estrutural, e uma forte relação entre as identidades globais e as identidades locais. Desta maneira, vem possibilitando que vários hábitos e legados deixados pelos estrangeiros sejam agregados à cultura nacional.

Para Woodward (2014), Silva (2014) e Hall (2011), a identidade e a diferença estão intimamente as- sociadas a sistemas de representação. Como afirma Silva (2014: 91):

É por meio da representação [...] que a identidade e a diferença adquirem sentido [...] É também por meio da representação que a identidade e a diferença se ligam a sistemas de poder. Quem tem o poder de representar tem o poder de definir e determinar a identidade.

Assim, a representação define símbolos que fortalecem a identidade de um povo. Ela reconstrói a imagem que um grupo social tem de si mesmo. Por exemplo, o cartaz elaborado pela Prefeitura Muni- cipal de Ielmo Marinho, com elementos da cultura local, que representam a sociedade e definem a sua identidade. “A representação compreendida como processo cultural estabelece identidades individuais e coletivas através dos sistemas simbólicos” (Woodward, 2014: 18).

A partir das ideias e reflexões propostas por Silva (2014: 89) “a teoria cultural contemporânea, a iden- tidade e a diferença estão estreitamente associadas a sistemas de representação”. Segundo Silva (2014) o conceito de representação tem uma longa história, o que lhe confere uma multiplicidade de signifi- cados. Entretanto, Stuart Hall (2011) buscou recuperar o conceito de representação, desenvolvendo-o em conexão com uma teorização sobre a identidade e a diferença. Neste contexto, Silva (2014: 90) conceitua o termo representação como:

Um sistema de significações, mas descartam-se os pressupostos realistas e miméticos as- sociados com sua concepção filosófica clássica. Trata-se de uma representação pós-estrutu-

ralista [...] No registro pós-estruturalista, a representação é concebida unicamente em sua

dimensão de significante, isto é, como sistema de signos, como pura marca material. A representação expressa-se por meio de uma pintura, de uma fotografia, de um filme, de um texto, de uma expressão oral [...] Como tal, a representação é um sistema linguístico e cultural: arbitrário, indeterminado e estreitamente ligado a relações de poder.

Com base no conceito apresentado podemos observar como a representação ocupa um lugar tão cen- tral nas discussões contemporâneas, que estão ligadas a identidade e as representações sociais que vem surgindo ao longo dos anos em decorrência dos movimentos ligados à identidade. Em síntese, segundo Silva (2014) questionar aspectos relacionados à dualidade entre identidade e diferença, significa trazer a tona neste contexto, reflexões e questionamentos sobre os sistemas de representação que dão suporte a identidade e a diferença.

No documento Jornalismo e Estudos Mediáticos (páginas 36-39)

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