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Na íntegra, a descrição disponibilizada no blog é a seguinte: “Olhar sobre o Mundo é um espaço destinado à publicação de reportagens fotográficas, ensaios e crônicas visuais Fotojornalismo puro O blog é editado pela equipe de fotografia do jornal O Estado de S Paulo e tem como fontes fotos de

No documento Jornalismo e Estudos Mediáticos (páginas 164-171)

Júlia Capovilla Luz Ramos

6 Na íntegra, a descrição disponibilizada no blog é a seguinte: “Olhar sobre o Mundo é um espaço destinado à publicação de reportagens fotográficas, ensaios e crônicas visuais Fotojornalismo puro O blog é editado pela equipe de fotografia do jornal O Estado de S Paulo e tem como fontes fotos de

repórteres fotográficos do Grupo Estado e de agências internacionais. O modelo de publicação é em parte inspirado no Big Picture do Boston Globe, mas, evidentemente, o tempero tem muitos ingredientes genuinamente brasileiros” (Olhar..., 2017).

lelamente os blogs passam a ter um declínio vertiginoso em termos de acesso. Isso tudo somado a falta de tempo para abastecer a plataforma, foram fatores decisivos para o encerramento de um ciclo, mesmo que a qualidade do material disponibilizado nos blogs de fotografia tenha aumentado.

No que se refere às rotinas produtivas nas editorias de fotografia dos jornais Zero Hora e Correio do Povo foi possível notar, durante o tempo que lá estivemos (em agosto de 2015 e em abril de 2016), que o espaço do blog parece completamente alienado do espaço da redação. Tais plataformas não pos- suem restrição de acesso, podendo ser acessadas de qualquer lugar, diferentemente do que acontece, por exemplo, com a intranet Minha RBS que só pode ser acessada de dentro da redação. Isso parece contribuir para que os blogs não sejam identificados como espaços atrelados às rotinas consolidadas no jornalismo diário. Raras vezes são pensadas ou sugeridas pautas especificas para os blogs, dando a ideia de que a plataforma não possui relevância alguma dentro da redação, destoando completamente do discurso das entrevistas. A preocupação com a alimentação do blog de foto da ZH, por exemplo, se mostra absolutamente restrita a figura do fotógrafo editor do blog, num esforço hercúleo de não o deixá-lo morrer. Nenhum de seus superiores demonstrou preocupação com o produto blog, enquanto observávamos as rotinas do jornal, e o setor responsável pela gestão das Redes Sociais da empresa focam suas estratégias de comunicação no Facebook, no Twitter e no Instagram. Os blogs são tocados como uma espécie de “projeto paralelo” dos responsáveis por eles, sendo alimentados, na maioria das vezes, da casa dos jornalistas e com assuntos de interesse próprio. Bruno Alencastro demonstrou, em algumas conversas, uma preocupação em manter a aparência de um espaço pensado coletivamente e institucio- nalmente, mascarando que a atividade blogueira tenha se tornado uma tarefa extremamente solitária e que atende aos gostos pessoais e preferências de quem o faz, sem passar por qualquer filtro editorial a não ser o bom- senso profissional.

No Correio do Povo tampouco o quadro se reverte, embora algumas postagens gerem discussões e conversas pontuais entre os fotógrafos e o editor de foto sobre os rumos que o blog deve ou não tomar. De uma forma geral, o que se observa é uma tendência dentro das redações: o blog segue alienado do dia-a-dia profissional, sendo as postagens fruto do trabalho solitário dos responsáveis por alimentar a plataforma, contado com uma participação muito tímida dos demais fotógrafos da casa. Também é evidente, em ambas editorias, o choque de gerações, cujos fotógrafos mais antigos mostram-se avessos às plataformas digitais de divulgação do trabalho fotojornalístico.

Os blogs, como espaços heterotópicos que congregam inúmeros tipos de publicação aparentemen- te incompatíveis entre si, abrigaram durante todos esses anos tanto a produção diária do jornal, quanto ensaios autorais e comentários sobre as práticas. O discurso mais recorrente encontrado nos blogs foi sobre rotinas/bastidores, que contabilizou 46,4% de todas as postagens selecionadas para análise, demonstrando que os fotojornalistas passaram a se reconhecer também no espaço dos blogs de fotografia e não mais somente no ambiente das redações. Isso mostra, em última instância, que mesmo que haja pontos de difração nos discursos sobre as práticas e que haja uma aparente lacuna entre as práticas autorais ou críticas e as que derivam das rotinas produtivas diárias, esses espaços estabelecem zonas de contato e equivalência, uma vez que as práticas dissonantes convivem lado a lado com as normas disciplinares que tornam os comportamentos jornalísticos regulares por meio de sua introjeção e naturalização.

Ao refletirem sobre a especificidade da fotografia de imprensa, 48% dos fotógrafos entrevistados na enquete por nós realizada acredita que o fotojornalismo é a “interpretação da realidade” (Gráfico 8).

Gráfico 8. Percentual de Respostas da Enquete Fotojornalismo É...

Fonte: Elaborado pela autora.

Como interpretação, a fotografia passa a ser encarada pelos respondentes como tradução dos sentidos propostos pelo fotógrafo sobre um fato, ajuizando uma intenção. O que demonstra ser um passo adiante do entendimento da fotografia como simples cópia da natureza, ou representação daquilo que se observa. Porém, a ligação com o real ainda se mostra necessária para o entendimento e a aceitação pública do produto fotojornalístico se tomarmos as imagens como meios de expressão multidisciplinar não atreladas a um acontecimento, tampouco a construção livre do que se considera conhecimento advindo da realidade cotidiana pela sociedade em geral.

Isso posto, vimos surgir movimentos provenientes do mercado, das empresas, da academia e dos pró- prios jornalistas incentivando a maior intervenção do publico leitor no fotojornalismo. Mas a revisão conceitual a partir das reflexões dos teóricos da área e dos próprios repórteres fotográficos que fazem parte dos quadros das empresas jornalísticas aos quais os blogs de fotografia que constituem nosso cor- pus estão ligados, nos revelam que as adesões poucas vezes ultrapassaram o plano discursivo.

Ainda segundo dados da enquete, 42% defende que o fotojornalista é um jornalista que realiza ima- gens para informar e se expressar, seguido de 36% que se considera uma peça importante na produção da notícia (Gráfico 9).

Gráfico 9. Percentual de Respostas da Enquete Fotojornalista É...

Fonte: Elaborado pela autora.

Os dados do gráfico 9 nos permitem visualizar duas posturas contrárias: uma em que o fotojornalista se vê apenas como uma peça da engrenagem noticiosa e outra em que se considera um sujeito que, ao se expressar, também informa. A primeira interpretação remete ao fato da atividade estar historicamente associada ao caráter puramente técnico. Já a segunda, aproxima o profissional da fotografia do artista multimídia.

Conclusões

O estudo longitudinal que refez todo o ciclo de vida dos blogs de fotografia como plataformas de circulação desse saber nos ajudou a remontar parte da historiografia das práticas fotojornalisticas, mas também dos discursos e das vozes que as controlam, as sustentam, as transmitem e as reforçam. Se o fotojornalismo é um saber e uma prática que se justifica pela eterna busca da verdade, sem necessaria- mente alcançá-la, o que pode ser constatado é que os profissionais que trabalham na e para a imprensa devem obedecer a códigos de conduta e direcionamento do seu trabalho que os demais fotógrafos não necessariamente precisam submeter-se, ancorados na vertente positivista da imprensa e valorada pelo campo documental da fotografia. Tanto amadores como fotojornalistas de carteirinha são artistas que se expressam através da imagem, mas os padrões normativos que regem o oficio e a obra de um; sequer precisam ser conhecidos pelo outro. Ao fotojornalista são imputadas, finalmente, atribuições respon- sáveis por conferir legitimidade ao campo, à atividade, ao discurso e a sua produção: ética profissional, apelo/denúncia social e método condizente com a busca da verdade.

Esses foram os discursos recorrentes sobre práticas fotojornalísticas presentes nos blogs e as ideias articuladas nas postagens e nos discursos dos agentes nas diferentes modalidades de acesso a ela – en- quete, entrevista, observação - para que chegássemos a um entendimento sobre que profissão é essa, qual a sua especificidade e quais as transformações sofridas ao longo do tempo. Com raras exceções, ao acompanhar as respostas dadas nas enquetes e entrevistas realizadas com os fotojornalistas, foi possível inferir que o espaço do blog foi durante todo o seu tempo de vida subutilizado, já que basicamente

serviu para atender a necessidade primeira de dar vazão ao material fotojornalístico não utilizado pelo impresso ou demais plataformas institucionais, mesmo que, ao fim e ao cabo, a fotografia jornalística tenha tentado, de forma sorrateira, a se esgueirar pelas frestas, ampliar o campo documental por meio da poesia, conjugando uma nova consciência documental e provocando um retorno da autoria. Assim, a realidade passaria, aos olhos dos fotojornalistas, a ser entendida não como um a priori ou um fim, mas como um meio pelo qual o fotógrafo se expressa: outras formar de ver e ser do fotojornalismo e dos fotojornalistas no mercado e no mundo. Finalmente, o que deve ser repensado não é somente o que tais plataformas ofereceram ou ainda têm para oferecer, mas o que as empresas jornalísticas, - e em especial os fotojornalistas -, solicitaram delas durante esses anos.

Nesse sentido, as reflexões sobre a atividade fotojornalística que apareceram em forma de textos e imagens, fazem circular enunciados que nunca poderiam ser publicados nos jornais impressos, pois obedecem a outros regimes discursivos sobre as práticas, mas que no espaço dos blogs de fotografia, se complementam e dão sentido à atividade. Também, esses conteúdos não migraram de forma total para as outras plataformas – como o Twitter, o Facebook, o Instagram ou o Snapchat – em função da própria arquitetura da informação nestes espaços, mas se pulverizaram na rede, em perfis pessoais dos fotógrafos. O que fica claro é que o fim de uma era dos blogs de fotografia dos jornais brasileiros foi decretado, seja porque tais espaços nunca alcançaram o retorno financeiro esperado pelas empresas ou pela queda da audiência nos últimos anos, ou ainda, porque o trabalho de manter a publicação ativa tornou-se demasiado pesado, solitário e distante das rotinas de produção noticiosa diárias.

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Resumo curricular da autora

Júlia Capovilla Luz Ramos

Jornalista. Pós-doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comu- nicação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Brasil, bol- sista Capes. Doutora e Mestre em Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Brasil, com doutorado-sanduíche realizado na Universidade Fernando Pessoa, Porto, Portugal.

As estratégias discursivas do

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