• Nenhum resultado encontrado

Subjetividade: capacidade de se propor como sujeito e ocupar lugar de dizer na cadeia discursiva, por meio de quaisquer substâncias oferecidas pela linguagem.

No documento Jornalismo e Estudos Mediáticos (páginas 146-151)

Sandra Klafke PMSL

14 Subjetividade: capacidade de se propor como sujeito e ocupar lugar de dizer na cadeia discursiva, por meio de quaisquer substâncias oferecidas pela linguagem.

A opção do fotógrafo por revelar a televisão somente na sexta imagem em nada compromete a interpre- tação da narrativa, pois o leitor, por suas experiências e conhecimentos prévios, pressupõe que o grupo está diante de uma tela. Com relação ao estímulo dos conhecimentos prévios do leitor, o texto visual propõe o rememorar da tradição da reunião de grupos para assistir aos jogos. “Assim, a imagem não apenas dá a ver um objeto ou acontecimento, mas instaura um campo de possibilidades, um jogo de associações que pode ser experimentado por aquele que a contempla”. (Klafke, 2016: 77).

Na sequência, percebe-se a existência de um clima de familiaridade entre o grupo. O tom das batinas dos freis, em sintonia com tom da temperatura da cor da luz emprestada do ambiente da sala de TV oferece sensação de cumplicidade entre as personagens. Do ponto de vista do princípio profanação, tem-se, nesta altura da narrativa, o envolvimento do grupo com o jogo de futebol de tal forma que os unifica e transporta para o segundo mundo criado pela partida: o lúdico. A impressão sensorial causada pelas imagens é um dos aspectos que profana, uma vez que, mesmo com a referência dos elementos do código sagrado, este parece enfraquecido pelo clima de conforto que humaniza as personagens.

Os sujeitos não mudam suas posições na maioria das fotografias: o que justifica tantas imagens de um mesmo momento são as expressões faciais e corporais, especialmente de braços e mãos. Alegria, ten- são e nervosismo: sentimentos diversos vão surgindo nas fotografias, sendo interpretados facilmente pelos leitores. Com relação ao gestual, faz-se saber, a título de curiosidade, que o código “levar a mão à fronte” registrado nas imagens, conforme pode ser lido em Agamben (2012a), é a própria condição daquele que cultua a Genius, cuja metáfora explica que cada homem, ao nascer, é consagrado ao Deus masculino, e cada mulher à Deusa feminina, Juno.

Genius é o que representa a própria divinização e o princípio de toda a existência dos homens, cuja possiblidade de profanação só pode ocorrer sob a concepção de que

[…] sem Genius o homem passa a viver uma vida humana e terrena. O distanciamento de Genius libera o homem da esfera do sagrado e, de volta à infância, que é o lugar primeiro da profanação da vida, ele volta a aprender sobre si mesmo. Ao inverter o processo de consagra- ção que é estar com Genius, o homem devolve a si mesmo o homem. (Klafke, 2016: 73).

Assim como o caráter episódico do próprio jogo de futebol, a narrativa fotográfica encerra convocando o leitor para que, a partir de suas experiências de mundo, complete o final do discurso fotográfico. O fotógrafo não oferece imagem que dê a ver o contexto e/ou o semblante das personagens ao fim do jogo: isso é por conta da imaginação do leitor que, da mesma forma que os freis estiveram concentrados diante da tela da televisão, prostrou-se frente à tela do dispositivo tecnológico e, tal como eles, acessou um segundo plano, o plano oportunizado pelo dispositivo midiático, deixando-se levar pela narrativa e por seus códigos.

Durante a leitura da sequência imagética, por alguns instantes, suspendeu-se a “vida real”, que agora deve retomar seu curso. Ao fim da leitura, assim como no jogo, “[…] o instrumento de libertação con- verte-se então em um pedaço de madeira sem graça, e a boneca para a qual a menina dirigiu seu amor torna-se um gélido e vergonhoso boneco de cera que um mago malvado pode capturar e enfeitiçar para servir-se dele contra nós”. (Agamben, 2012b: 75).

Conclusão

Como afirma Barthes (2009a: 128), “[...] porque era uma fotografia, eu não podia negar que tinha estado lá. [...] Nenhum escrito pode me dar essa certeza”. Nas fotografias selecionadas para análise, os homens estavam lá, o homem sustentando o papel social de frei capuchinho estava lá, o elemento pá- tria (Brasil) estava lá: a lente da câmera os viu e nos dá essa certeza, assim como tantas outras, a partir da maneira como somos capazes de nos propor como leitores da sequência imagética.

Rememorando uma das citações de Barthes (2009b15) utilizadas neste texto, constata-se que, no caso de Nem com Reza, a profanação não se completa de maneira plena, não houve rompimento, apenas

15 Para elucidar: “[…] a relação do olhar com aquilo que se quer ver é uma relação de logro. O sujeito apresenta-se como um outro que ele não é, e aquilo que lhe é dado ver não é aquilo que ele quer ver”. (Barthes, 2009b, p. 303).

tensão dos elementos sagrados. Poderíamos ousar e reescrever a supracitada referência, apontando que nesta narrativa principia-se a possibilidade de ver a figura do frei de maneira profanada, intenção esta direcionada pela ironia realizada pelo título, porém aquilo que efetivamente o “olho vê” não é suficien- temente forte para suspender e profanar a força do movimento de secularização.

O que é oferecido ao leitor, via título, não é sustentado pelas imagens, nas quais os códigos do sério apresentam-se ora sobressalentes ora atenuados pelo embate entre as forçar de secularização e de pro- fanação. Desta maneira, pode-se afirmar que há potência profanatória no texto do título (linguagem verbal), porém sem que tal força tenha sido plenamente sustentada pela linguagem visual. Atribui-se a dissonância e o enfraquecimento do poder profanatório ao fato de que cada linguagem foi produzida por um sujeito diferente (repórter Aline Custódio e fotógrafo Mateus Bruxel), portanto fazendo emer- gir diferentes subjetividades e maneiras de representar e expressar o mundo.

Com relação às imagens, a sequência analisada não permite plenamente uma nova experiência de sentido (discurso que advém das imagens), pois os códigos que reproduz pouco se afastam dos pro- duzidos pelo jornalismo tradicional. Entretanto, admite-se não se poder enfaticamente sustentar essa afirmação, uma vez que a amostra selecionada para este artigo é demasiado pequena e serve mais de motivação para ampliação do escopo da pesquisa do que como resposta final para as inquietações que motivaram a escrita do texto.

Com relação ao que o blog oferece como experiência de leitura, a interatividade ofertada pela am- biência, por si só, permite uma experiência sensorial: o leitor é parte do conjunto/código em virtude das operações permitidas pela tecnologia - rolar e aproximar e/ou afastar imagens, por exemplo. Na especificidade do blog, podemos dizer que uma narrativa como a analisada torna o que poderia ser tratado como factual como duradouro, pois valoriza o acontecimento fotojornalístico não apenas por aproveitar uma maior quantidade de fotos, mas também pela possibilidade de criar outros sentidos para a história narrada. Trata-se de pensar que o meio auxilia na configuração da notícia. A internet funciona como um grande suporte de mídias diversificadas.

Por fim, não se pode negar que é através do on-line e da abertura do blog como espaço que valoriza o acontecimento jornalístico na e pela imagem, em sequências fotográficas (pictures stories), que se encontra a oportunidade (mas não a única) da profanação do dispositivo midiático, ao dar a ver o acontecimento pela fotografia. Entendemos que um dos caminhos possíveis esteja na potência da troca intersubjetiva16 entre leitor e imagem. Por meio da desinstrumentalização da linguagem imagética, destituindo-a dos fins puramente comunicacionais, percebemos ser possível prepará-la para um novo uso, que sirva para viver ao estimular experiências de sentido que permitam o questionamento das ideologias voluntariamente obedecidas e socialmente construídas entre os homens.

16 “[…] realidade a que acessam os sujeitos se constrói na tessitura intersubjetiva que os une e une as representações de mundo socialmente partilhadas entre eles”. (Klafke, 2016, p. 47).

Bibliografia

AGAMBEN, Giorgio. Profanações. Trad. Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2012a.

AGAMBEN, Giorgio. Estâncias – a palavra e o fantasma na cultura ocidental. Trad. Selvino J. Ass- mann. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012b.

AGAMBEN, Giorgio. Qu’est-ce qu’un dispositif? Trad. Martin Rueff, Paris: Éditions Payot & Ri- vages, 2007.

BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Lisboa: Edições 70, 2009a. BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso. Lisboa/Pt. Edições 70, LTDA. 2009b.

FONTCUBERTA, Joan. La Cámara de Pandora: la fotografía después de la fotografía. Barcelona: Gustavo Gili, 2010.

KLAFKE, Sandra. Da (re)criação enunciativa da experiência humana: a fotografia como testemunho. 2016. 155 f. Tese (doutorado) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada, 2016.

KOSSOY, Boris. Fotografia e história. São Paulo: Ática, 2012.

MACHADO, Irene A. Por que se ocupar dos gêneros? In: Revista Symposium, Ano 5, n1, Pernambu- co, FASA, janeiro-junho de 2001.

RITCHIN, Fred. After Photography. Nova York: W.W. Norton and Co., 2009.

SALLET, Beatriz. Blogs fotojornalísticos: outras narrativas possíveis na cultura digital. 2015. 198f. Tese (doutorado) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em Comu- nicação, 2015.

SILVA JUNIOR, José Afonso. Cinco hipóteses sobre o fotojornalismo em tempos de convergência. Revista Discursos Fotográficos, v.8, n.12, Londrina, 2012.

SOUSA, Jorge Pedro. Fotojornalismo: uma introdução à história, às técnicas e à linguagem da fotogra- fia na imprensa. 2002. Disponível em: <http://www.bocc.uff. br/pag/sousa-jorge-pedro-fotojornalis- mo.pdf>. Acesso em: 12 jan. de 2018.

Resumo curricular das autoras

KLAFKE, Sandra. Pós-Doutora em Comunicação pela Universidade Fede-

ral do Mato grosso do Sul; Doutora em Linguística Aplicada pela Univer- sidade do Vale do Rio dos Sinos, com período sanduíche na Universidade Fernando Pessoa/Pt. Membro da Secretaria de Educação do Município de São Leopoldo/RS-BR. E-mail: sandra_klafke@yahoo.com.br

SALLET, Beatriz. Doutora e Mestra em Comunicação pela Universidade do

Vale do Rio dos Sinos. Docente na área de Fotografia na mesma instituição. E-mail: bsallet@unisinos.br/bsallet@gmail.com

Espaços de produção e reflexão dos

No documento Jornalismo e Estudos Mediáticos (páginas 146-151)

Outline

Documentos relacionados