• Nenhum resultado encontrado

O recorte empírico adotado para análise foi extraído de uma das narrativas fotográficas emergentes na blogosfera corporativa e consta entre as postas em destaque no estudo de (Sallet, 2015) No entanto, a abordagem da sequência imagética proposta neste artigo distancia-se daquela realizada por Sallet.

No documento Jornalismo e Estudos Mediáticos (páginas 142-146)

Sandra Klafke PMSL

11 O recorte empírico adotado para análise foi extraído de uma das narrativas fotográficas emergentes na blogosfera corporativa e consta entre as postas em destaque no estudo de (Sallet, 2015) No entanto, a abordagem da sequência imagética proposta neste artigo distancia-se daquela realizada por Sallet.

garante uma nova experiência de linguagem ao público” estiver em processo de exposição. A opção por abordar teoricamente o referido objetivo justifica-se, ainda, por entendermos que suas particularidades exigem um esforço analítico demasiado específico, o que poderia acarretar em uma apreciação extensa e difusa com relação ao foco central do texto: a reconfiguração do contato com a imagem no blog como capaz de promover, ou não, uma experiência ao olhar que profane e subverta a ideia de controle que Agamben apresenta sobre o dispositivo midiático.

3.1. Metodologia e princípios analíticos

Como método de análise, opta-se por abordagem teórico reflexiva a partir dos seguintes princípios interrogantes ao objeto:

(1) profanação: desativação dos dispositivos de poder, através da restituição de uso e esva- necimento da potência do sagrado;

(2) dispositivo midiático blog: espaço que dá suporte aos diferentes tipos de saber em con- vergência, do ponto de vista da técnica de produção, de construção de conteúdo e de interação com o público leitor.

A fim de organizar a maneira de articular os pressupostos profanação e dispositivo midiático blog para pro- dução de sentido, estipulam-se os passos norteadores da leitura da narrativa fotográfica Nem com reza:

(1) opção de leitura da sequência imagética: da esquerda para a direita, de cima para baixo; (2) parte-se do entendimento de que o leitor da imagem “[…] ultrapassou o processo da leitura denotada12

” (Klafke, 2016: 139), para o entendimento da experiência de sentido oferecida pela ambiência em análise;

(3) considera-se o título como tensor analítico, em relação à narrativa. Estabelece-se a rela- ção: título (linguagem escrita) versus narrativa fotográfica (linguagem imagética).

(4) as imagens são abordadas em particular, umas em relação às outras e como elementos formadores do todo (narrativa como sistema13

). Não serão abordados os elementos semió- ticos das imagens em especificidade, privilegiando-se a fruição semântica provocada pelos princípios analíticos profanação e dispositivo midiático blog no todo imagético.

12 “Percebendo as imagens, entendemos que a ordem do denotado ou do studium, como nomeia Barthes (2009a), está para o reconhecer, portanto […] ligada à ideia do significante. (Klafke, 2016, p. 132)”. “[…] quando a barreira dos elementos denotados pela imagem é transposta, transbordando o olhar do contemplador para além do conjunto da obra, aquilo que o homem acessa por meio da imagem não é apenas o significante da fotografia, mas uma espécie de “significante do significante” […] (Klafke, 2016, p. 135).

13 “Na sequência narrativa, as imagens são como sistemas que colaboram para a formação de um discurso sobre o mundo […] As fotografias em formato de narrativa, assim elaboro, são as unidades desse discurso”. (Klafke, 2016, p. 129).

A nível de esclarecimento, explica-se que no blog Diário da Foto há presença de matéria escrita, res- trita a um parágrafo que introduz a narrativa fotográfica. No entanto, analisá-lo distancia este texto do objetivo de verificar a experiência de sentido na e pela imagem. Portanto, restringe-se o olhar exclusivamente às imagens e ao título que as introduz que, por si só, já é carregado de sentido, como veremos a seguir.

Uma vez delineada a ótica por meio da qual a análise deve ser compreendida, como premissa final é importante destacar que os pressupostos em discussão aqui se revelam como uma possibilidade e não como única possibilidade para a leitura do enquadre. Sendo assim, os princípios analíticos que contem- plam este recorte são entendidos como fatos de linguagem, o que, por si só, implica considerar que esta abordagem é fruto de um ponto de vista, portanto, se elaborados outros princípios de análise, o objeto se reconfigura de outra maneira, provando que é o subsídio teórico que cria o elemento a ser analisado.

3.1.1. Análise

Nem com reza, assim é nomeada a narrativa que retrata um grupo de freis capuchinhos que assiste à

Copa do Mundo de 2014, na capital do Estado do Rio Grande Sul/BR, Porto Alegre. A repórter Aline Custódio e o repórter fotográfico Mateus Bruxel acompanham os religiosos durante a transmissão da partida de futebol Brasil versus México e, pela imagem, dão a ver as personagens de uma maneira dife- rente da narrativa que teriam segundo as convenções do jornalismo tradicional, cujos códigos trazem as personalidades religiosas, geralmente, na situação oficial de seus postos.

Estabelecendo o jogo entre o título da narrativa e a recentemente apresentada posição do jornalismo tradicional e dos códigos que produz, observamos, considerando o princípio analítico de profanação, que Nem com reza tenciona o “código do sério”, ou seja, extrai da personalidade religiosa “frei capu- chinho” parte da potência divina, uma vez que sugere que, nem mesmo com o poder da reza, o time brasileiro conseguiu virar o placar contra o time mexicano (o jogo terminou empatado). Com a inten- ção de marcar a fruição entre título e início da sequência narrativa, abaixo segue a ilustração do layout do blog Diário da Foto:

Blog Diário da Foto: layout

O título da narrativa oferece um toque de profanação à concepção socialmente construída de que a fi- gura religiosa seria dotada de poderes, uma vez que abdica, através do rito, dos ditos “prazeres” terrenos por uma vida voltada ao divino, ao qual enaltece por meio de rezas, louvores e atitudes socialmente construídas como benevolentes. O título Nem com reza não destitui por completo a potência do sagra- do em torno da figura do frei, mas põe em dúvida a força divina de sua reza, que, neste caso, não foi suficientemente forte para que o time vencesse a partida de futebol. O dispositivo de poder (religião) nesta relação não é derrubado, porém é esvanecido ao colocar-se em evidência a categoria humana dos freis capuchinhos.

Segundo Agamben (2012a: 68), “[…] os jogos televisivos de massa fazem parte de uma nova liturgia e secularizam uma intenção inconscientemente religiosa”. Seguindo nessa direção, é possível compreen- der, pela própria noção de secularização apresentada neste artigo, o irônico contexto em que se encon- tra este movimento analítico: o jogo televisivo como secularização de inconsciente intenção religiosa sendo assistido por freis capuchinhos em suposto movimento profanatório. Seria mesmo essa construção

narrativa a oportunidade da profanação ou seria ela o deslocamento de um movimento de secularização?

Para mais bem atender a este questionamento, faz-se importante principiar à análise das imagens, pois é nelas, como ensina Barthes (2009b: 303), que podemos perceber que “[…] a relação do olhar com aquilo que se quer ver é uma relação de logro. O sujeito apresenta-se como um outro que ele não é, e aquilo que lhe é dado ver não é aquilo que ele quer ver”.

Na narrativa em análise, diferentemente do jornalismo tradicional, o ineditismo da pauta apresentada pelo blog sugere outros símbolos implicados na vida dos religiosos, para além da versão austera comu- mente veiculada pela mídia. Dos elementos, o primeiro que salta aos olhos é o de que o jogo do Brasil colocaria os freis em igual condição de outros brasileiros que torcem pela seleção. As imagens sugerem que os oito freis são, quando na condição de torcedores, “pessoas comuns”, ou seja, torcedores que sofrem, roem unhas etc. pelo time do coração.

A segunda fotografia é a única do ensaio que tira os religiosos do local da pauta (sala onde está a tele- visão) e coloca-os no ambiente externo. Com a igreja ao fundo, os freis “batem uma bolinha” (Sallet, 2015). Um dos três freis que compõe a cena está com a bandeira do Brasil envolta ao corpo. A narrativa sugere que a equipe acompanhou o período de intervalo do jogo, talvez daí captada a segunda fotogra- fia do post. Percebe-se, na imagem externa, a construção simbólica da severidade por meio dos elemen- tos igreja, pátria e frei. Ao mesmo tempo, desafia-se o poder dos três elementos quando o fotógrafo os inclui em uma situação em que interagem com o elemento lúdico “jogo de bola”.

O olhar do fotógrafo registra uma imagem que inclui diversos saberes em convergência, todos vincu- lados a esferas de poder - devoção à religião, devoção à pátria. Nesse contexto, temos o jogo de fute-

bol como uma possibilidade de fuga ao contrato social de austeridade proposto pelos elementos. No entanto, quando deixamos de considerar a imagem como elemento isolado e a realocamos no arranjo narrativo, lembramos que até mesmo o jogo de futebol está diretamente ligado ao elemento pátria, logo perdendo força profanatória.

Frente às constatações, não se pode deixar de concordar com Agamben (2012a: 67), quando afirma que “o jogo como órgão da profanação está em decadência em todo lugar”. Na mesma medida, por mais curiosa que seja ao leitor a imagem de freis em exercício de atividade “terrena”, isto é, jogo de bola, não há completa destituição de poder, uma vez que este é marcado pelas vestimentas que simbolicamente impedem que as personagens sejam postas em igual condição aos demais amantes de jogo de bola. Da terceira cena em diante, o olho da câmera continua a capturar imagens que convocam o sentido de que os religiosos estão alinhados e confortáveis no papel de torcedores. Há o esforço por registrar o esvanecimento das fronteiras entre o sagrado e o mundo dos homens. É na “fusão difusa” entre o antropológico (figura humana) e os papeis sociais de frei capuchinho e de torcedor de futebol que o dispositivo midiático constrói a novidade da pauta: é na dubiedade de sentido e na conflituosa cons- trução dos papeis sociais das personagens que os leitores da narrativa podem ter suas imaginação e curiosidade aguçadas.

Contudo, mais uma vez, não se pode descuidar do fato de que, nesta narrativa, aplica-se a máxima de que “sagrado e profano representam, pois, na máquina do sacrifício, um sistema de dois polos, no qual um significante flutuante transita de um âmbito para outro sem deixar de se referir ao mesmo obje- to”. (Agamben, 2012a: 70). Temos, pois, a figura humana a transitar entre dois sistemas de códigos: sagrado e profano, porém, mesmo quando em solo “mundano”, as fotografias revelam que os freis não se desvinculam de seus papeis religiosos, a observar não apenas pelas vestes, mas também pelos gestos.

Dos pontos de vista da técnica e da produção de conteúdo, nesta narrativa tem-se o dispositivo midiá- tico blog operando com a fruição entre ângulos abertos e fechados em detalhes, os quais ora ampliam e ora especificam a leitura dos elementos da cena, conforme a subjetividade14 do fotógrafo. O leitor ex- periência as cenas em diferentes ângulos e recortes; os códigos que remetem ao papel social de torcedor e ao encontro social para assistir à partida de futebol são registrados com cuidado: bandeira do Brasil, pipoca e chimarrão, sendo os dois primeiros aquilo que marca a ideia do encontro e o último aquele que dá indícios da origem do grupo dentro do país (sul-rio-grandenses/gaúchos).

14 Subjetividade: capacidade de se propor como sujeito e ocupar lugar de dizer na cadeia discursiva, por meio de quaisquer substâncias oferecidas pela

No documento Jornalismo e Estudos Mediáticos (páginas 142-146)

Outline

Documentos relacionados