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A proteção social sob dois vieses: natureza da atividade x natureza das relações de

PARTE II O DIREITO À PROTEÇÃO SOCIAL CONFIGURADO NO TRABALHO

3 Os trabalhadores rurais no contexto da Seguridade Social brasileira

3.2. A proteção social sob dois vieses: natureza da atividade x natureza das relações de

Como já afirmamos, as inovações trazidas pela Constituição Federal de 1988 foram extremamente significativas para o reconhecimento e a efetividade do direito à proteção social dos trabalhadores rurais. Ao mesmo tempo em que se reconhecem direitos e obrigações específicas, as diretrizes constitucionais tratam com deferência especial o trabalhador rural conceituando-o enquanto gênero para fins de proteção social. É o que se depreende, por exemplo, do artigo 7º, caput, da Constituição quando faz deferência especial aos direitos sociais dos trabalhadores rurais. O mesmo sentido está prescrito no artigo 201, § 7º, II, ao assegurar aos trabalhadores rurais150 a redução, em cinco anos, na idade de aposentadoria em relação à regra geral.

Já nas normas infraconstitucionais previdenciárias, se por um lado o legislador procurou dar relevância à natureza da atividade exercida pelos trabalhadores rurais

149 Referimo-nos aqui à Lei n. 8.212/91, que trata do custeio da Seguridade Social e à Lei n. 8.213/91, que trata

dos benefícios da previdência Social

150 Nos termos do art. 201, § 7º, inciso II, é assegurado aos trabalhadores rurais de ambos os sexos, o direito à

aposentadoria por idade aos 60 anos, se homem, e aos 55 anos, se mulher, inclusive para aqueles que exerçam

para fins de aplicação do critério de redução da idade de aposentadoria, por outro lado foram os trabalhadores rurais tipificados em três categorias distintas: empregado rural; contribuinte individual (usualmente denominado trabalhador autônomo); e as espécies remanescentes enquadradas como segurados especiais. Cada uma dessas categorias passou a ter regras próprias de vinculação com o sistema de Seguridade Social e de Previdência Social, mas com intrínseca relação entre si.

Importante aqui observar que os institutos de proteção social pós 1988 rompem com o principal fundamento que concedia um tratamento equânime entre o trabalhador rural assalariado e o trabalhador rural em regime de produção familiar para fins de acesso ao direito à proteção social. Antes esse tratamento era fundamentado na natureza da atividade exercida pelo trabalhador, qual seja, a atividade rural. Agora é a natureza da relação de trabalho – que pode ser com vínculo empregatício, prestado a terceiros de forma autônoma ou, ainda, por conta própria em regime de produção familiar – que define por quais meios se alcança a proteção social.

Nesse sentido, foram mantidas regras especiais de proteção previdenciária apenas para os trabalhadores rurais que laboram em regime de produção familiar. Para o assalariado rural as regras de proteção seguem a linha do seguro social tradicional, ou seja, pelo critério da equivalência contribuição/benefício, comportando uma exceção a essa regra no caso do acesso ao benefício da aposentadoria por idade, o qual veremos mais adiante. Por ora, cumpre enfatizar que demonstrada a relação de vínculo empregatício, a proteção social reger-se-á pelas peculiaridades que conformam a condição de empregado. Do contrário, em não sendo comprovada a relação de vínculo empregatício, o trabalho prestado a terceiros é caracterizado como eventual, o que qualifica o assalariado rural como trabalhador autônomo, portanto, um contribuinte individual.

A propósito, impende observar ser muito difícil para um trabalhador que vive em condições de miserabilidade efetuar, por sua livre e espontânea vontade, contribuições mensais para o regime de proteção estatal – como se um contribuinte individual fosse –, objetivando obter garantias contra os riscos sociais a que está exposto. Diríamos aqui, que para a grande maioria dos trabalhadores rurais assalariados a primeira ordem de prioridade é garantir-se contra o risco da fome, passível de afetar a si próprio e aos seus familiares. A esse respeito são oportunas as observações de Castel de que um modelo de proteção calcado na personificação ou individualização do direito pode até ter conseqüências positivas na medida em que “corrige o caráter impessoal, opaco e burocrático que caracteriza em geral a distribuição de prestações”151. No entanto, adverte esse mesmo autor,

A lógica contratual, cujo paradigma é a troca comercial, subestima gravemente a disparidade das situações entre os contratantes. Ela coloca o beneficiário de uma prestação em situação de solicitante, agindo como se ele dispusesse do poder de negociação necessário para travar uma relação de reciprocidade com a instância que dispensa as proteções. Raramente este é o caso. O indivíduo tem necessidade de proteções precisamente porque, como indivíduo, ele não dispõe por si mesmo dos recursos necessários para garantir sua independência. Portanto, onerá-lo com a responsabilidade principal do processo que deve assegurar-lhe esta independência, é na maioria das vezes impor-lhe um negócio de otário.152

Assim, na medida em que a atividade rural deixa de ser a referência para o acesso do assalariado à proteção social projetam-se desafios e conflitos extremamente acentuados para a garantia dessa mesma proteção. Isso porque, a efetividade desse direito praticamente fica condicionada à existência de contrato de trabalho formal, algo que no espaço rural brasileiro nunca foi a regra. Ao mesmo tempo, passa-se a exigir o constante discernimento entre uma relação de trabalho com vínculo empregatício e aquela sem vínculo empregatício caracterizadora, portanto, do trabalho eventual. Considerando que na área rural há uma predominância das relações de trabalho de curtos períodos (em épocas de plantio,

151 CASTEL, Robert. A insegurança social: o que é ser protegido? Tradução de Lúcia M. Endlich Orth. Rio de

Janeiro: Vozes, 2005, p. 80.

152 CASTEL, Robert. A insegurança social: o que é ser protegido? Tradução de Lúcia M. Endlich Orth. Rio de

colheitas, etc.) essa relação torna-se extremamente opaca à luz dos conceitos estabelecidos na legislação vigente.

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