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PARTE II O DIREITO À PROTEÇÃO SOCIAL CONFIGURADO NO TRABALHO

3 Os trabalhadores rurais no contexto da Seguridade Social brasileira

3.3. Estrutura da previdência rural brasileira

3.3.1 Tipificação dos segurados rurais

3.3.1.1 Os segurados especiais

A sistemática de proteção, estabelecida no texto constitucional, traz uma configuração própria para o trabalhador rural que tem autonomia no seu trabalho e explora a terra individualmente ou em regime de produção familiar, embasada nos parâmetros conceituais que já haviam sido estabelecidos nos institutos jurídicos de outrora, sendo esses trabalhadores agora denominados perante a Previdência Social como segurados especiais.

Os elementos caracterizadores da figura do segurado especial encontram-se especificados no artigo 195, § 8º da Carta da República, que ainda estabelece parâmetros para uma política de proteção social no campo com contornos de universalidade e de eqüidade.

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos

orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

...

§ 8º. O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei.153

Se por um lado o legislador constituinte determinou parâmetros contributivos para o segurado especial semelhantes ao da política do Prorural / Funrural (Lei Complementar n.º 11/71), qual seja, uma contribuição incidente sobre o resultado da comercialização da produção, por outro inovou ao ampliar o direito à proteção social previdenciária tornando-o extensivo a todos os membros de um mesmo núcleo familiar e não apenas ao “chefe” da família. A delimitação imposta foi a não utilização pelo grupo familiar do concurso de empregados permanentes para ajudar a lavrar a terra.

São, portanto, esses requisitos que delineiam o conceito de segurado especial estabelecido na legislação infraconstitucional - Lei 8.212/91 -, conceito este que recentemente foi alterado substancialmente por disposições introduzidas pela da Lei 11.718, de 23 de junho de 2008. Nesse sentido:

Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:

...

VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:

a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:

1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;

153 BRASIL. Constituição da República Federal do Brasil: 1988. 23. ed. Brasília: Câmara dos Deputados,

2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2o da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida;

b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e

c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e

b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar

respectivo.

§ 1o Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes. 154

A nova redação dada ao citado artigo 11, inciso VII, da Lei 8.213/91, especifica novos tipos de segurados especiais que não estavam contemplados no texto anterior, como o usufrutuário, o assentado, o possuidor, o comodatário, o extrativista. Antes o texto da lei se limitava a identificar o produtor, o parceiro, o meeiro e arrendatário rurais e o pescador artesanal. É de se anotar, entretanto, que o rol de segurados mencionados não é taxativo. Outras figuras jurídicas como o condômino rural, o acampado cadastrado nos programas de reforma agrária, dentre outros, estão insertas no mesmo conceito sendo, inclusive, devidamente reconhecidos pelo INSS em suas normas internas155.

Outro elemento conceitual, introduzido pela Lei 11.718/2008, foi condicionar o enquadramento do segurado especial e do seu grupo familiar pelo tamanho da área de terra explorada, ou seja, até o limite de quatro módulos fiscais156. Trata-se de uma

154 BRASIL. Lei 8.212, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui Plano

de Custeio, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/ Leis/QUADRO/1991.htm> Acesso em 24.08.2008. Na tipificação dos segurados da previdência social feita pela Lei n. 8.212/91 (plano de custeio), há sempre um dispositivo correspondente na Lei n. 8.213/91 - plano de benefícios.

155 Ver: Instrução Normativa INSS / PRES n.º 20, de 10 de outubro de 2007, que Estabelece critérios a serem

adotados pela área de Benefícios. Disponível em: <http://www81.dataprev.gov.br/sislex/paginas/38/INSS- PRES/2007/20.htm> Acesso em: 27.05.2008. Ver também o Parecer CONJUR/MPS nº 10,de 17 de janeiro de 2008 - DOU de 18/01/2008. Disponível em: <http://www81.dataprev.gov.br/ sislex/ paginas/ 60/2008/10.htm> Acesso em 27.05.2008.

156 O termo módulo fiscal foi criado pelo Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964), em seu artigo 50, que cuida do

cálculo do ITR (imposto territorial rural), e constitui uma unidade de medida expressa em hectares, fixada para cada município, feita a partir da catalogação econômica dos imóveis rurais, variando com base em indicadores

questão polêmica, já que o art. 195, § 8º do texto constitucional não impõe esse tipo de restrição, mas que segue os parâmetros conceituais de outras normas visando uniformizar o entendimento do que seja o agricultor familiar para fins de destinação de políticas públicas. É o que ocorre, por exemplo, na Lei n.º 11.326, de 24 de julho de 2006, que estabelece os conceitos, princípios e instrumentos destinados à formulação das políticas públicas direcionadas à agricultura familiar e empreendimentos familiares rurais, conceituando o agricultor familiar como aquele que não detenha área superior a quatro módulos fiscais. Regra semelhante está prevista na Lei n.º 8.629, de 25/02/93, que regulamenta as políticas relativas à reforma agrária com base nos princípios do art. 185 da CF/88 e que define a pequena propriedade157 como sendo o imóvel rural de área compreendida entre um e quatro módulos fiscais.

Entretanto, a característica fundamental que demarca o conceito de segurado especial, e que nos interessa pela intrínseca relação com o objeto dessa pesquisa, refere-se ao tipo de trabalho de terceiros possível de ser utilizado no âmbito da agricultura familiar para ajudar no cultivo da terra. A esse respeito, dedicaremos um tópico específico mais adiante para abordar essa questão, por entendermos que os próprios institutos jurídicos de proteção social impõem restrições desproporcionais a esse segmento em relação à utilização de mão- de-obra assalariada, o que contribui para intensificar o alto grau de informalidade do trabalho no campo e, conseqüentemente, para a baixa cobertura da proteção previdenciária dos assalariados rurais.

econômicos e de produtividade de cada região e indicadores específicos de cada imóvel. Para o cálculo do módulo, são considerados os seguintes fatores: tipo de cultura explorada de modo predominante no município; renda obtida com a exploração predominante; outras explorações existentes no município que, embora não predominantes, sejam significativas em função da renda ou da área utilizada.

3.3.1.2 O contribuinte individual rural

Dentre os segurados obrigatórios que se enquadram como contribuintes individuais no âmbito do Regime Geral da Previdência Social destaca-se o empregador rural pessoa física equiparado ao trabalhador autônomo por força do artigo 12, inciso V, alínea “a” da Lei n. 8.212/91, e tipificado como o proprietário ou não, que explora atividade agropecuária ou pesqueira, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou por intermédio de prepostos e com auxílio de empregados. Por determinação do mesmo dispositivo legal, também se enquadra como contribuinte individual aquela pessoa que explora atividade agropecuária, em caráter permanente ou temporário, em área superior a 04 módulos fiscais.

O outro perfil de segurado passível de ser enquadrado como contribuinte individual é o trabalhador rural que, em caráter eventual, presta serviço para uma ou mais empresas, sem relação de emprego (art.12, inciso V, alínea “g” da Lei 8.213/91). É sob este conceito que se estabelece um grande conflito para o enquadramento dos assalariados rurais na Previdência Social, pela dificuldade em demarcar a linha divisória entre uma relação de trabalho com vínculo empregatício e uma relação de trabalho sem vínculo empregatício, caracterizadora, portanto, do trabalho eventual. Por ser esta relação extremamente nebulosa na área rural, muitas vezes fica o assalariado rural excluído do acesso à proteção previdenciária caso se interprete a legislação de modo a descaracterizar a relação de emprego.

3.3.1.3 O empregado rural

Como já mencionamos, a Constituição Federal designa direitos e obrigações específicas em matéria de proteção social a todos os “trabalhadores rurais”, abarcando sob o manto dessa expressão os empregados rurais. Por isso, as expressões “trabalhador rural” e “empregado rural” não têm o mesmo significado. O trabalhador rural se caracteriza por desenvolver o trabalho de natureza rural; já o empregado rural, além da natureza da atividade

desempenhada, caracteriza-se por manter com o beneficiário do seu trabalho uma relação de vínculo empregatício.

Perante o Regime Geral da Previdência Social, o empregado rural, enquanto segurado obrigatório, não adquire uma identificação específica que o diferencie do empregado urbano, salvo pela natureza da atividade exercida. Nesse sentido preconiza a Lei 8.212, de 1991:

Art. 12. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:

I – como empregado:

a) aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural à empresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração, inclusive como diretor empregado.

O referido texto traz ínsito o preceito de se homogeneizar o tratamento entre o empregado rural e o empregado urbano conforme estabelecido no caput do artigo 7º da Constituição Federal. Isso se torna mais evidente quando a Lei n.º 8.212/91 estabelece a forma de participação do empregado no plano de custeio da Seguridade Social sem fazer qualquer distinção entre o urbano e o rural.

Há, no entanto, enormes dificuldades por parte dos empregados rurais em comprovar a relação de vínculo de emprego e a condição de trabalhador rurícola, já que a grande maioria labora na informalidade. Isso os coloca numa posição extremamente vulnerável ante à Previdência Social na medida em que sem a comprovação desses requisitos praticamente não conseguem o acesso à proteção previdenciária.

3.3.2 O financiamento da Previdência Social e as contribuições oriundas da área

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