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Circunstâncias em que a criança é retirada de seu contexto familiar e/ou de origem para ser

Sumário

Fluxograma 6 Circunstâncias em que a criança é retirada de seu contexto familiar e/ou de origem para ser

Fluxograma 6 – Circunstâncias em que a criança é retirada de seu contexto familiar e/ou de origem para ser

levada ao abrigo institucional.

A conselheira tutelar Patrícia fala sobre o acolhimento emergencial de uma criança, em que a Guarda Municipal foi chamada a atuar:

Patrícia: [...] Então, por exemplo, é um caso extremo dos extremos, de uma criança de 5 anos que foi encontrada sozinha na rua. Isso acontece também, 5 anos, às 2 horas da manhã, uma criança na rua. A Guarda Municipal vai lá e pega, então, a gente já manda... A gente não vai lá buscar, mas a Guarda já pega ela da rua e já leva já para o (abrigo institucional Tulipa) até o dia seguinte para descobrir o que houve [...]. (Patrícia, conselheira tutelar).

No relato, a conselheira Patrícia diz que não vai lá buscar a criança. Segundo relata, a

gente já manda... a Guarda Municipal vai lá e pega. Na lei municipal que regulamenta, entre outros aspectos, as atribuições da Guarda32 consta que, quando solicitado, deve colaborar com a defesa civil do município. Consta também, no art. 136 do ECA (Brasil, 1990), que o Conselho Tutelar, no exercício de suas funções, pode requisitar serviços públicos nas mais diversas áreas, inclusive, segurança. Portanto, possivelmente, na situação descrita, não se pode concluir que o conselheiro que delega o acolhimento institucional da criança à Guarda Municipal esteja descumprindo suas atribuições.

Todavia, que oportunidade a Guarda Municipal tem de se preparar para lidar sozinha com uma criança nessa situação? Do ponto de vista da natureza do trabalho que desempenham, de suas atribuições e qualificação, supostamente, não seria mais apropriado, na perspectiva da criança, que esse acolhimento fosse feito pelo conselheiro tutelar, mesmo que em parceria com a Guarda? Com certeza, a resposta não será positiva em todos os casos.

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Ao descrever e resumir essa importante parte do processo de acolhimento de uma criança como vai lá, pega e leva, o acolhimento, em seu sentido mais amplo, completo e complexo, se perdeu e com ele a qualidade com que será feito também. Afinal, segundo Nascimento et al. (2009), a qualidade do atendimento a crianças, adolescentes e famílias que demandam alguma atuação do Conselho Tutelar, depende do tipo de escuta e atendimento oferecido, bem como da disponibilidade do atendimento 24 horas, dentre vários outros aspectos.

Pode-se indagar: qual o cuidado e a disposição que se teve para ouvir a criança a fim de compreender a situação e buscar alternativas anteriores ao “pega e leva”, ou seja, anteriores ao simples recolhimento e à institucionalização? O que se observa é a desconsideração de que uma criança de 5 anos, ressalvadas algumas condições especiais, pode possuir plenas habilidades para falar e dar informações sobre si, sobre o que lhe aconteceu e sobre sua família.

Essa postura do adulto reforça a argumentação, anteriormente apresentada, de que há uma pressuposição de que a criança é incapaz/inábil ou, simplesmente, um objeto, portanto, sem voz. Oliveira, Guanaes e Costa (2004) dizem que “estamos sempre envolvidos em ações, posicionando a nós mesmos e aos outros em determinadas categorias sociais e negociando posições em nossas práticas discursivas, estejamos ou não conscientes de quais são essas posições em curso e suas consequências” (p. 78). Dessa forma, o que o adulto demonstra, na verdade, é sua própria incapacidade/inabilidade para lidar com a criança em uma relação horizontal e igualitária, no sentido de serem ambos sujeito ativos e sujeitos de direitos, portanto, posicionando-se e posicionando o outro como tal.

Heitor, que atua no apoio técnico de uma das instituições, questiona a conduta dos conselheiros tutelares que delegam à Polícia e/ou à Guarda Municipal o acolhimento de crianças:

Heitor: O Conselho Tutelar faz isso tudo por telefone, nem conversa com a criança. Por exemplo, a Polícia que faz o serviço do Conselho Tutelar, eles ligam: “Olha, tô com uma criança aqui, o conselheiro me mandou ligar para vocês”. O conselheiro tem que tá lá conversando com a criança, trazendo elas para a gente, não o policial militar ou guarda municipal! (Heitor, apoio técnico no abrigo institucional Tulipa).

Há, na fala de Heitor, uma crítica em torno da atuação impessoal do Conselho Tutelar que faz isso tudo por telefone, nem conversa com a criança (outro trecho de entrevista no Anexo L). Ao agir dessa maneira, o conselheiro tutelar está mesmo zelando pelo cumprimento dos direitos da criança (art. 131) como prioridade absoluta (art. 4o) e considerando sua

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condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (art. 6o), tal como assegura o ECA (Brasil, 1990)?

O conselheiro Pedro enumera outros contextos em que pode ocorrer a retirada da criança.

Pesquisadora: Pedro, e como é feita a retirada da criança das famílias? [...] eu gostaria que você descrevesse o que acontece nesse momento.

Pedro: Então, [...] cada caso é um caso [...]. Às vezes, o abrigamento é feito aqui no Conselho [...]. Quando não existe família extensa [....] e não tem como, [...] daqui mesmo fazemos o acolhimento institucional. Aí comunicamos aos pais que as crianças não vão voltar, que a gente vai fazer um trabalho, que o abrigo vai entrar em contato com eles [...]. Aí passamos essa tarefa para o abrigo [...]. Às vezes, pode ser uma denúncia in loco, a gente só vai in loco quando a denúncia é urgente, na situação que tem uma criança acorrentada num lugar, está sob cárcere, então, a gente junto com a Segurança Pública, juntamente com a Polícia Militar ou [...] a Guarda Municipal, [...] faz essa abordagem [...]. Daí, geralmente, [...] quando já é constatado, [...] ela vai para um abrigamento. Justamente, se for uma questão do horário, às vezes isso acontece de madrugada, então, aí não tem como ficar procurando família extensa [...], então, ela vai para o abrigo [...]. (Pedro, conselheiro tutelar).

Dentre os contextos em que o acolhimento pode ocorrer, Pedro diz que quando existe

denúncia urgente, o conselheiro se desloca até o local, contando com o suporte e proteção de agentes da Segurança Pública. E que, sendo de madrugada, não há busca por família extensa, ou outras pessoas significativas para a criança, que é levada diretamente para uma instituição. Por mais difícil que seja, por que não tem nem como ficar procurando família extensa de madrugada, o que está sendo priorizado?

Aline, também conselheira tutelar, conta que o processo de retirada da criança de seu contexto familiar e/ou de origem é diferente, dependendo do conselheiro que está à frente do caso.

Pesquisadora: Aline, qual o procedimento (de retirada da criança de seu contexto familiar e/ou de origem), como acontece?

Aline: Acontece de tudo, Ivy, acontece de tudo [...]. Depende da pessoa, do conselheiro que está atendendo, porque a gente decide em grupo, mas tem o papel do conselheiro, a pessoa do conselheiro, que cada pessoa é de um jeito [...]. Tem situações que eu vi [...] que é meio brutal o negócio: "Não, nós vamos abrigar, que não sei o quê" e bate boca, e eu acho que ninguém ganha com isso, porque a família não cria um vínculo bom com o Conselho [...], ao mesmo tempo, ela parece que cria um bloqueio, aí tudo o que você falar para ela, ela não vai fazer [...]. (Aline, conselheira tutelar).

Segundo a conselheira, cada pessoa é de um jeito, portanto, há condutas diversas, existindo acolhimentos que são conduzidos de maneira meio brutal. Ela descreve, no trecho a seguir, um caso:

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Aline: [...] teve um caso aqui que a mãe ficou muito alterada e a conselheira foi para cima da mãe para tirar à força, era um bebezinho, na hora não teve como impedir, ela tirou à força, a mãe gritando, segurando o bebê, o bebê começando a ficar todo roxo, ela apertando o bebê, eu fiquei desesperada: "Vai matar a criança!" [...]. (Aline, conselheira tutelar).

No relato da conselheira Aline, o bebê, tal como um objeto que pode ser tomado da mão do outro, parece até ter corrido risco de vida. A retirada da criança, feita dessa forma, não seria uma violação de direitos? Qual a função ou legitimidade de um procedimento que visa à proteção, mas (re)vitimiza a criança?

A psicóloga Angélica menciona outra forma de conduzir a retirada da criança que, embora não faça o uso da força, também se mostra violadora de direitos:

Angélica: Imagino que, algumas vezes, isso (o acolhimento) é feito de forma muito catastrófica: é na Escola, com policial, com a Guarda Municipal, se o contexto todo favorece algum tipo de reação da família. Com o Conselho Tutelar, parece mais light e não aparece de uma forma muito ruim, mas tem relatos de crianças que me contaram situações muito difíceis, assim, de [...] o Conselho Tutelar meio que enganou, dizendo que eles iriam lá para levar para uma consulta, chega na consulta é busca e apreensão, tira todo mundo. Sempre muito traumático, o momento para as crianças, às vezes, [...] difícil para a família também porque eles são surpreendidos pela situação toda. Não existe um processo [...]. (Angélica, psicóloga do abrigo institucional Tulipa).

A psicóloga Angélica pontua que o momento de retirada da criança de seu contexto familiar e/ou de origem não é o resultado de um processo, do qual a família participe, o que torna a situação, algumas vezes, muito catastrófica, dependendo do local, de como e de quem participa. Angélica diz que já ouviu relatos em que as crianças foram enganadas, ao serem acolhidas quando pensavam que estavam indo apenas para uma consulta. Serrano (2008), em sua pesquisa de doutorado, questiona o efeito desse tipo de intervenção para a família, a qual pode se sentir enganada, dificultando a vinculação com os profissionais envolvidos.

Angélica refere-se também à participação da polícia ou da Guarda Municipal, se o

contexto todo favorece algum tipo de reação da família. Como não favoreceria? É fato que o procedimento, sendo feito de forma catastrófica e surpreendente, aumenta o risco de haver reação negativa contra o oficial de justiça ou conselheiro tutelar, por isso, a necessidade de se protegerem. A participação da polícia no momento de retirada da criança também é relatada na pesquisa de Serrano, realizada em Ribeirão Preto/SP (2008).

Nesse contexto, como os conselheiros tutelares têm lidado com as famílias? O que lhes é dito nesse momento? (Fluxograma 7).

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