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Participação da criança no processo de decisão sobre o seu acolhimento institucional.

Sumário

Fluxograma 3 Participação da criança no processo de decisão sobre o seu acolhimento institucional.

Pesquisadora: Mas, o que eu queria saber é quanto [...] essa criança participa dessa tomada de decisão, entendeu? O que é dito, quanto é dito?

Pedro: Então, toda criança, que nem você fala de 0 a 6 anos, quando a criança é muito pequena, é muito difícil você levar em conta o que uma criança fala, [...] mas, assim, a gente deixa essa parte para pessoas que têm esse preparo de escutar [...]. Você sabe que tá sendo até debatido, agora, esse caso da escuta e da revitimização, então, assim, está sendo debatido, mas a gente sempre procurou não escutar, quando é caso de abuso, não escutar as crianças menores, uma porque nós não temos formação na área, então, normalmente, a gente vem pelo relato ou da mãe, ou do tio, ou da tia, seja de quem for que fez a denúncia e, aí, a gente encaminha [...]. (Pedro, conselheiro tutelar).

O conselheiro tutelar Pedro levanta três pontos importantes, no trecho acima. O primeiro diz respeito à desconsideração da voz da criança. Carvalho, Beraldo e Pedrosa

Como se chega à decisão Participação da criança Participação da família Processo de Decisão

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(2004) argumentam que, durante muito tempo, a criança foi considerada como incapaz de falar sobre suas próprias preferências, concepções ou avaliações. Por isso, até algumas décadas atrás, era silenciada, sua voz não era ouvida e suas experiências desconsideradas (Thorne, 2002).

Fala-se, então, de avanço, de conquista, no que se refere ao universo infantil, porém, facilmente, observa-se na fala - toda criança, que nem você fala de 0 a 6 anos, quando a

criança é muito pequena, é muito difícil você levar em conta o que uma criança fala - que, dependendo do contexto, ainda é realidade na vida dessas crianças. A partir de que idade a voz da criança é legitimada? Que parâmetros são usados para avaliar o grau de maturidade da criança?

O segundo ponto mencionado pelo conselheiro Pedro é o despreparo. Certamente, é preciso estar disponível e preparado para conversar com a criança, caso ela queira conversar (Rossetti-Ferreira, Solon & Almeida, 2010; Rossetti-Ferreira, Serrano & Almeida, 2011), mas como conceber um guardião dos direitos da criança que não esteja preparado para ouvir e conversar com crianças?

E, por último, o conselheiro menciona a questão do cuidado com a revitimização da criança envolvida em situação de violência, pois, muitas vezes, é obrigada a narrar repetidas vezes, para diferentes profissionais, a violência sofrida. Interessante que um membro do Conselho Tutelar esteja a par dessa discussão que vem ocorrendo em âmbitos nacional e internacional, afinal, como argumenta Paiva (2010): “não precisamos ouvir a criança ou o adolescente mil vezes para chegar a alguma verdade real ou pelo menos para auxiliar e proteger, que são, na verdade, o objetivo principal de todo o processo” (p. 25).

Todavia, é preciso cautela, pois a diferença é tênue, mas tratam-se de situações completamente distintas: não ouvir a criança a fim de não revitimizá-la em casos específicos de violência, sobretudo sexual; e revitimizá-la, justamente, por subestimar sua capacidade de falar sobre si e sobre o que a assola, silenciando-a em decorrência do despreparo do adulto.

A conselheira tutelar Aline também fala, brevemente, sobre a (não) participação da criança no processo de decisão sobre o acolhimento.

Aline: [...] Nós conversamos [...] com a criança, às vezes. Depende da idade da criança, não dá para ela participar efetivamente com a opinião dela [...]. Tendo um certo entendimento, a gente conversa com a criança, em separado, assim, uma conversa informal, sem ela perceber do que se trata, mais para saber, mais ou menos, o que está acontecendo na casa, né [...]. (Aline, conselheira tutelar).

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Nota-se que, ao posicionar a criança no lugar daquela que é incapaz de perceber do

que se trata a conversa, perde-se completamente a ideia de participação. Pode-se deduzir, inclusive, que mesmo percebendo e compreendendo o teor da conversa, dificilmente caberá à criança o papel de sujeito e/ou protagonista nessa relação e no processo de decisão sobre o próprio acolhimento.

De acordo com parâmetros e normas internacionais relativos a cuidados alternativos de crianças, o direito da criança de ser consultada e de ter sua opinião levada em conta na decisão deve ser totalmente respeitado, garantindo-lhe, para isso, acesso a todas as informações necessárias (International Foster Care Organization [IFCO], SOS-Kinderdorf International & Fédération Internationale des Communautés Educatives [FICE], 2006; United Nation, 2009; State of Queensland, 2013).

As normas australianas (State of Queensland, 2013), de maneira bastante específica, enfatizam a necessidade de oportunizar que a criança expresse seu ponto de vista, envolvendo-a no processo de decisão. Esclarecem que, para tanto, será necessário: usar linguagem apropriada à sua idade, maturidade e capacidade; adequar a comunicação às circunstâncias da criança; oferecer ajuda à criança que dela precisa para se expressar; explicar de forma apropriada sobre qualquer decisão que a afete, incluindo seus possíveis efeitos. No entanto, o documento ressalta, ainda, que não pode ser uma exigência que a criança se expresse.

Em consonância com tais parâmetros, o ECA (Brasil, 1990; Brasil, 2009a) também oportuniza, embora com menor detalhamento, que as crianças expressem “sua opinião sobre fatos que digam respeito diretamente à sua vida, oferecendo-lhes a oportunidade de participar ativamente das decisões que interfiram na sua rotina pessoal e familiar” (Azambuja, 2010, p.69).

Todavia, ao conversar com a criança com o único objetivo de investigar o que está

acontecendo na casa, sem que isso lhe seja explicado/esclarecido, violam-se vários de seus direitos, dentre eles: de ser tratada com respeito e dignidade (art. 4o) e de ser informada (art. 100), tendo a liberdade (art. 4o) de se pronunciar ou não (Brasil, 1990; 2009a). Veda-se, à criança, a possibilidade de participar ou promove-se uma participação alienada, no sentido de “colher informações” significativas para/da criança que poderão influenciar a decisão, mas sem que ela tenha acesso às informações pertinentes sobre a decisão, o seu direito e poder de influenciá-la, além de suas possíveis implicações.

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