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Existência (ou não) de planejamento, apoio, supervisão, formação continuada com foco na retirada da criança de seu contexto familiar e/ou de origem: “essa capacitação

Sumário

Fluxograma 10 – Como os conselheiros tutelares lidam e o que dizem à criança no momento em que a retiram

6.3.2 Existência (ou não) de planejamento, apoio, supervisão, formação continuada com foco na retirada da criança de seu contexto familiar e/ou de origem: “essa capacitação

faltou”

A conselheira tutelar Patrícia conta que a prefeitura do município e o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescentes [CMDCA] têm investido na

capacitação dos conselheiros tutelares.

Patrícia: Então, a gente recebe capacitação, ultimamente, porque antes não recebia, quando entra. Quando entra por quê? Porque [...] o Estatuto diz [...] que é alguém da população, mas muito cru, entendeu? Eu acho que até pode ser da população, mas tem que ter um pouco dessa vivência, do social, então, entra gente, assim, que não sabe o que é rede de atendimento, aí você fala um monte de sigla, não tem a mínima ideia, então, [...] logo que entra, é dado uma capacitação para os conselheiros. Agora, a gente, ultimamente, também tá tendo uma espécie de capacitação, é um psicólogo que trabalha com o grupo e ele veio porque, assim, o relacionamento entre os pares do Conselho Tutelar é muito difícil, porque são pessoas que vêm de vários locais, [...] aqui também têm pessoas que você olha e parece que caiu de paraquedas [...]. Então, essas pessoas têm que ser capacitadas e, aí, a gente acaba tendo um estremecimento também entre nós, porque o trabalho é muito pesado. Aí veio esse psicólogo trabalhar com o grupo, para resolver, nos ajudar, e a gente acabou até vendo um monte de coisa [...], a nossa ansiedade, o que cada caso traz, entendeu? [...] é um trabalho que a gente tem achado que vale a pena [...], a prefeitura e o Conselho de Direitos que paga esse profissional para vir, para estar conosco. (Patrícia, conselheira tutelar).

Patrícia diz que têm sido ofertadas formação inicial e capacitação (pelo que descreve, parece ser supervisão) aos conselheiros tutelares, muito necessárias, em sua opinião. Porém, nada foi dito, especificamente, sobre a existência de alguma discussão a respeito da tarefa de retirar a criança de seu contexto familiar e/ou de origem (outros trechos de entrevista no Anexo P).

A conselheira Daniela é bastante explícita:

Pesquisadora: Daniela, [...] vocês receberam ou recebem alguma orientação, uma capacitação específica [...] (sobre o momento de retirada da criança de seu contexto familiar e/ou de origem)?

Daniela: Específico não [...]. Uma formação específica de como agir nesse ou naquele momento, não. (Daniela, conselheira tutelar).

Ela deixa claro que não há formação específica de como agir nesse ou naquele

momento, portanto, deduz-se que também se aplica à retirada da criança. A conselheira Aline confirma:

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Pesquisadora: Aline, pelo o que eu estou entendendo, em relação a essa retirada da criança [...], que é meio pessoal, assim, cada pessoa faz da forma que é melhor. Aline: Não tem. Essa capacitação faltou. Faltou. A gente faz aqui entre a gente, por exemplo, teve um caso aqui que a mãe ficou muito alterada e a conselheira foi para cima da mãe para tirar à força, era um bebezinho, né, na hora não teve como impedir, ela tirou à força, a mãe gritando, segurando o bebê, o bebê começando a ficar todo roxo, ela apertando o bebê, eu fiquei desesperada "Vai matar a criança!" [...]. No dia, eu deixei tudo passar [...], mas na pauta da reunião seguinte, a primeira coisa a dizer foi que eu achei que foi um procedimento totalmente inadequado, que, como conselho, não podia nunca mais; eu ainda falei: "Gente, sinceramente, enquanto eu estiver aqui, nunca mais quero ver uma cena dessa". Porque eu acho que todo mundo perdeu, todo mundo foi para casa naquele dia muito mal [...], porque foi uma cena deprimente. Eu acho que um conselho é um órgão de proteção, nós não somos polícia, não somos de repressão [...]. (Aline, conselheira tutelar).

Segundo Aline, essa capacitação faltou. Conta que, a partir de uma situação específica e extrema, ela se posicionou contra a conduta de uma colega, também conselheira. Entretanto, não é possível perceber se houve o aprofundamento da discussão e, consequentemente, a construção de procedimentos ou princípios que pudessem nortear o momento de retirada da criança, a partir do ocorrido, com o objetivo de qualificá-lo.

Pedro conta o que influencia sua atuação no Conselho Tutelar:

Pesquisadora: Pedro, [...] existe um procedimento, assim, que é compartilhado por esse grupo de conselheiros, ou cada um faz aquilo que acha que...

Pedro: Então, algumas coisas são comum, mas não por determinação, por acordos [...].

Pesquisadora: Mas, falando da questão de como retirar uma criança de sua família e encaminhar para um abrigo, existem esses acordos, essas construções que vocês fazem coletivamente? Tem algo a respeito disso?

Pedro: Então, nas capacitações, é colocado muito o papel do conselho, o que é o conselho, o que é o conselheiro; a gente tem sim, essas informações. Nem sempre são usadas essas informações, que eu te falei porque o conselheiro tutelar ele traz toda bagagem dele de vida, então, é difícil você falar que você não toma nenhuma decisão por um prejulgamento, pela sua vivência familiar, como ser humano. É difícil colocar isso, por isso que a gente tenta tomar as decisões importantes no colegiado, porque, às vezes, aquele conselheiro pode tá equivocado [...]. Então, temos essa deliberação e isso é lei, agora de conduta...

Pesquisadora: Ou como fazer...

Pedro: Como fazer, como eu vou abordar, o que eu vou dizer... Pesquisadora: É pessoal?

Pedro: É pessoal. É lógico que aí vai contar a vivência, [...] eu vou ser pai, são coisas que mudam, não adianta. A gente tem aqui conselheiro que não é nem pai, nem mãe, e não tem esse sentimento. Eu acho que para eles pode ser um pouco mais difícil de lidar com essa situação [...], às vezes, não têm aquele preparo, de vivência que ele teria que ter. Porque, na formação, não diz que tem que ser pai, mas eu acho uma importante, eu acho que seria importante o conselheiro ter uma vivência de paternidade [...]. Não tem, não, assim, um protocolo, assim, de ação. (Pedro, conselheiro tutelar).

Há muitos equívocos na argumentação de Pedro. E essa deturpação/confusão dos papéis/funções na área da proteção à criança se repete em falas de outros atores importantes.

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Afinal, o que é ser pai? O que é ser conselheiro tutelar? O que é ser educador? Que há de singular e comum nesses diferentes papéis e funções sociais?

As colocações de Pedro evidenciam o desafio que é a seleção, preparação e qualificação dos profissionais da área e, especificamente, do conselheiro tutelar. É preciso muito investimento em formação e supervisão continuadas para superar a influência das vivências pessoais e prejulgamentos em sua atuação e tomadas de decisões, as quais acarretam consequências significativas na vida das pessoas envolvidas.

Em relação ao processo de retirada da criança de seu contexto familiar e/ou de origem, é difícil supor que seria possível haver um protocolo de ação, dado o engessamento que poderia trazer a esse momento tão complexo e delicado. No entanto, o oposto também é preocupante. A ausência de reflexões, discussões e construções coletivas sobre o assunto, relegando a condução desse momento a decisões pessoais, demonstra que essa etapa do acolhimento é profundamente negligenciada, assim como desconsiderada sua importância.

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