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Como as crianças são preparadas para receber e acolher a criança que está para chegar.

Sumário

Fluxograma 14 Como as crianças são preparadas para receber e acolher a criança que está para chegar.

Para proporcionar uma visão mais específica dos procedimentos adotados em cada instituição na preparação das crianças, que já estão no local, para receber aquela que chega, os dados serão apresentados separadamente.

No abrigo institucional Tulipa...

Heitor, apoiador técnico, fala sobre a diferença de conduta das crianças de diferentes faixas etárias.

Heitor: [...] se é alguma criança com uma demanda mais específica, por exemplo, já é um adolescente, eu já converso; até com as crianças, eu até já dou um toque, porque, às vezes, quando chega, é muito tumulto [...]. Se é um bebê, a gente não fala para as crianças até 5, 6 anos, nem dou um toque não [...].

Pesquisadora: Mas essas crianças mais velhas, por que você acha que é interessante avisá-las? Qual é a intenção? O que acontece, a partir disso?

Heitor: Eu acho que tem que comunicar [...]. Eles vão ficar apreensivos, mas eu acho que evita um pouco aquela chegada assim... Por quê? O que acontece? Quando a criança chega, vem todo mundo correndo para ver, mas, se você avisar, o pessoal já chega de maneira mais suave, já vai está sabendo [...]. A gente já dá um toque, já avisa, para a chegada ser mais tranquila, porque eu acho que é a chegada da criança é muito importante, aquele primeiro momento [...].

Pesquisadora: Heitor, e por que para as crianças menores não é tão necessário avisar, de alguma forma, preparar?

Heitor: [...] a gente nunca parou para pensar exatamente nisso; então, não é uma determinação técnica do abrigo estar avisando, não tem nada disso e [...] a gente nunca ponderou isso. A gente nunca discutiu isso, mas também seria importante [...]. É simplesmente porque a gente nunca conversou sobre isso e também porque é mais tranquilo, com a chegada dos menores. Os menores não é tanto tumulto assim, então, não vejo maiores problemas. Uma criança de 4 anos chegando é diferente de um adolescente de 12 anos chegando; a chegada na casa é diferente.

Pesquisadora: Em que é diferente?

Heitor: É diferente. Passa mais despercebida, vamos dizer assim. Pesquisadora: Mas, em relação a quê?

Heitor: Em relação às outras crianças, com certeza. Se chega uma adolescente de 12 anos [...] chama mais a atenção das crianças do que chegar uma criança de 3, 4 anos. (Heitor, apoio técnico no abrigo institucional Tulipa).

PREPARATIVOS

Adultos

Espaço físico, roupas, objetos e alimentos

Crianças que estão acolhidas

Outras considerações

Resultados e Discussão 162

As crianças pequenas, na faixa etária foco da presente pesquisa, não são comunicadas, previamente, sobre a chegada de nova criança porque não tumultuam significativamente a instituição, ou seja, não causam desordem/desorganização coletiva, em um nível que atrapalhe o trabalho dos adultos. Conclui-se, assim, que, do ponto de vista do funcionamento institucional, não há razão para comunicar as crianças, então, isso não é feito.

Não se considera uma possível desordem/desorganização pessoal que possa acometer as crianças, na medida em que se veem, de uma hora para outra, tendo que dividir/compartilhar com mais uma criança, por exemplo, o quarto, os brinquedos, os espaços e, acima de tudo, os amigos e a atenção dos educadores. E Heitor diz que procedem dessa maneira, porque nunca houve reflexão coletiva voltada para essa prática, bem como sobre seus possíveis efeitos.

O pedagogo e a coordenadora da instituição falam sobre a prática de não comunicar e não preparar as crianças:

Pesquisadora: João, as crianças ficam sabendo, antes, que vai chegar uma outra criança?

João: Não, muito difícil. Um caso ou outro só. Pesquisadora: E por que é assim?

João: [...] o que eu sinto é que eles ficam sabendo por que nos ouvem conversando lá na casa, ou a gente chega e fala para um educador, mas não que tenha esse diálogo direto com a criança, “Olha, se prepara que vai chegar mais um menininho”. Não, isso não acontece. (João, pedagogo do abrigo institucional Tulipa).

Cristiana: [...] muitas vezes, algumas crianças ficam sabendo que vai chegar outra criança.

Pesquisadora: Elas ficam sabendo, elas não são comunicadas?

Cristiana: Não são [...]. Se ela vê que já vai mexer ou arrumar a cama no quarto dela, no caso das meninas, [...] se alguém vai estender a cama para a criança que vai chegar, naturalmente, a criança vai perguntar: “Quem vai dormir aí?”[...]. (Cristiana, coordenadora do abrigo institucional Tulipa).

Não informá-las, não quer dizer que as crianças não fiquem sabendo. As crianças ouvem ou percebem que algo diferente está acontecendo, por exemplo, a partir da colocação de uma nova cama no quarto e, naturalmente, buscam informações (outro trecho de entrevista no Anexo W). Ademais, considera-se que não se trata de dizer para as crianças “se

preparem”, mas, sim, de realizar um trabalho efetivo com elas.

No abrigo institucional Rosa...

Há controvérsias sobre o procedimento adotado em relação a informar e preparar as crianças para o acolhimento de outra(s):

Resultados e Discussão 163

Lara: [...] é avisado para o pessoal [...], inclusive, as crianças. (Lara, coordenadora do abrigo institucional Rosa).

Pesquisadora: Elas (crianças que já estão acolhidas) ficam sabendo antes que uma criança vai chegar? Ou elas ficam sabendo só na hora que chega?

Beatriz: Não, as crianças não, não têm essa necessidade. (Beatriz, assistente social do abrigo institucional Rosa).

Enquanto uma profissional afirma que as crianças são avisadas de que uma nova criança chegará, a outra, da mesma instituição, afirma o oposto. Conclui-se que esta não é uma prática consolidada e instituída no abrigo institucional. Uma das profissionais explica que essa medida não é necessária. Todavia, na perspectiva de quem, não é necessário avisar as crianças com antecedência? Se os adultos precisaram de certo tempo, anterior à chegada da criança, para se organizarem de forma a serem capazes de melhor acolhê-la, por que isso não seria oportuno também para as crianças?

A educadora Camila fala sobre a diferença de conduta em relação às crianças de diferentes faixas etárias.

Pesquisadora: [...] as outras crianças que [...] já estão na casa ficam sabendo que uma nova vai chegar?

Camila: Berçário não. Pesquisadora: Não?

Camila: Não [...]. O berçário, às vezes, não tem tanto entendimento assim. Então, a gente fala na hora, porque, às vezes, a criança nem vem naquele dia [...]. Agora, quando é dos maiores, a gente fala, já é diferente, né.

Pesquisadora: A partir de que idade?

Camila: [...] Quando é aqui na parte de 5, 6 anos, daí a gente já fala: “Olha, vai chegar um amiguinho, ele é na idade do João, o João tem 6 anos” [...]. (Camila, educadora do abrigo institucional Rosa).

Parte-se do pressuposto de que criança com menos de 5 ou 6 anos não tem tanto

entendimento e que, portanto, não são informadas e menos ainda preparadas para receber a criança que chega.

Porém, assim como no abrigo institucional Tulipa, há o reconhecimento de que, embora não haja a prática de informar as crianças, elas podem ficar sabendo:

Pesquisadora: Elas ficam sabendo com antecedência que outra criança vai chegar? Lia: Que vai chegar? Às vezes, depende. Porque, às vezes, vai tudo muito rápido, se a gente sabe com antecedência, a gente já informa as monitoras, que já preparam a casa, [...] então, as crianças acabam meio que participando desse movimento todo, já sabem que está chegando alguém.

Pesquisadora: Porque elas percebem que está tendo movimentação diferente e que provavelmente uma criança vai chegar?

Resultados e Discussão 164

Lia: É, tem horas, tem algumas vezes que dá para a gente fazer isso, tem algumas vezes que não, então eles acabam meio que observando. (Lia, psicóloga do abrigo institucional Rosa).

Pela movimentação da casa, as crianças percebem que está chegando alguém. Se são capazes de compreender o que veem, por que não seriam capazes de compreender o que escutam e sobre o que conversam? Por que deixá-las à margem do que está acontecendo ante seus olhos, apenas observando passivamente?

Certamente, não envolvê-las intencionalmente nesse processo demonstra que, por trás dessa conduta, há uma concepção de criança que não leva em consideração muitas de suas potencialidades e direitos, bem como o importante papel que desempenham nesse processo.

No abrigo institucional Lírio...

Nessa instituição, também se percebe que há controvérsias:

Valentina: [...] sempre digo para elas (para as crianças já acolhidas) que vai chegar, o nome das crianças que vão chegar [...]. (Valentina, assistente social do abrigo institucional Lírio)

Pesquisadora: [...] as crianças são preparadas antes da chegada de uma criança? É dito alguma coisa para elas?

Adriana: A gente procura dizer quando sabe, porque, às vezes, chega de surpresa [...]. Aí, a gente avisa quem a gente vê na frente [...].

Pesquisadora: Mas é um procedimento comunicar as outras crianças que uma nova vai chegar, ou elas acabam percebendo pela dinâmica da casa?

Adriana: Olha, é uma tentativa de cumprir com o procedimento. A equipe técnica concorda com isso, mas os fatos não saem como a gente planeja [...]. (Adriana, pedagoga do abrigo institucional Lírio).

Pesquisadora: Mas, e as crianças sabem que uma outra vai chegar? É dito alguma coisa?

Fernanda: Não, normalmente, não [...].

Pesquisadora: Mas elas devem perceber, de alguma forma, a movimentação, né? Fernanda: Sim, sim [...]. Mas não especificamente: “Oh, vamos sentar, conversar” [...]. Eles percebem, mas não é dito, a não ser que elas perguntem [...]. Não, não tem esse cuidado. (Fernanda, psicóloga do abrigo institucional Lírio).

Pesquisadora: E as outras crianças ficam sabendo que uma criança nova vai chegar? Sílvia: Não. Desde que eu tô aqui, não. A não ser os maiores, [...] eu acho que passava e ouvia. Geralmente, não.

Pesquisadora: Não é dito para eles que uma criança vai chegar, quem é? Não? Sílvia: Não, mas podia ser feita uma reunião, com todo mundo junto, que vai chegar um acolhido, né. Assim seria bacana. (Sílvia, educadora do abrigo institucional Lírio)

Embora a assistente social afirme que comunica às crianças que chegará outra, as demais profissionais dizem que esta não é uma prática instituída. Todavia, parece haver algum reconhecimento de que essa poderia ser uma boa prática.

Resultados e Discussão 165

No abrigo institucional Hortência...

Por fim, nessa instituição, também há contradições:

Pesquisadora: As outras crianças sabem, quando uma nova vai chegar? Com antecedência?

Cássia: Sabem, com antecedência. Pesquisadora: Como é?

Cássia: [...] quando é avisado que precisa de uma vaga, então, as próprias meninas trabalham com as crianças, a psicóloga e a gente também. "Vai chegar um bebê, vai chegar um coleguinha para ficar no seu quarto, vai chegar mais uma pessoa [...]". (Cássia, educadora do abrigo institucional Hortência).

Pesquisadora: Como é isso? As crianças também são avisadas, ou acabam ouvindo? Manoela: [...] se for possível, de repente é um horário em que eles estão na escola, aí não tem jeito [...]. Então, às vezes, a criança chega e a criança nova já chegou, depende muito. Quando é possível, a gente fala [...]. (Manoela, coordenadora do abrigo institucional Hortência).

Janaína: [...] as crianças, elas ficam muito ansiosas se a gente fala para elas. Já chegou delas não dormirem, [...] de ficarem à noite agitadas porque ia chegar uma pessoa naquele quarto delas. Então, a partir daí, a gente começou a não falar para as crianças. Aí, no momento que chega, a gente reúne as crianças e fala.

Pesquisadora: E como é essa conversa com as crianças?

Janaína: Elas ficam super curiosas, elas querem saber o nome da mãe, se tem irmão, com quem que vai ficar, se vai receber visita...

Pesquisadora: Essa é a conversa que você vai mediando?

Janaína: É, acontece no corredor, na sala, eles vão solicitando as informações. Pesquisadora: Não acontece junto com a criança?

Janaína: Não, não, às vezes sim, às vezes não, às vezes, a tia está mostrando a casa e as crianças já estão perguntando, então, eu paro e respondo. (Janaína, psicóloga do abrigo institucional Hortência).

A contradição é evidente, portanto, não há como saber se as crianças são ou não avisadas, frequentemente (outros trechos de entrevistas no Anexo X). Todavia, percebe-se que a intenção da psicóloga é poupar e/ou proteger as crianças de seus próprios sentimentos e reações à expectativa da chegada de uma nova criança. Possivelmente, a ansiedade e agitação delas decorre de uma identificação com aquela que chega, uma vez que elas já passaram por isso. Mas será que essa é a melhor maneira de lidar com essa situação?

Negar tempo e oportunidade às crianças para conversar e elaborar sobre suas próprias vivências e sobre a vivência do outro, não parece ser a melhor saída para nenhum dos envolvidos: as crianças são pegas de surpresa, inclusive pelo reavivamento de seus sentimentos, memórias, expectativas, etc.; os adultos se veem tendo que conversar e sanar as dúvidas das crianças que já estão acolhidas, ao mesmo tempo em que precisam acolher a criança que chega; e esta, por sua vez, pode ser a mais prejudicada, uma vez que pode se sentir invadida pela curiosidade das crianças que não foram preparadas para acolhê-la, além

Resultados e Discussão 166

de correr o risco de não receber a atenção devida dos adultos “divididos” pelas diferentes demandas das crianças.

De acordo com Elage (2010), as crianças podem facilitar a integração da que está chegando. Mas, para isso, é preciso considerar que o grupo de crianças precisa ser preparado para receber e acolher, o que é possibilitado quando: “os educadores do abrigo incentivam um ambiente solidário, as relações fraternas e cooperativas, e se constituem em um modelo de conduta porque também praticam entre si esse padrão de convivência e aceitação recíproca” (p. 34).

Todavia, conclui-se que o processo de preparação para receber a criança que chega, com raras exceções, resume-se a avisar os adultos para que organizem o local em que ela dormirá, suas vestimentas e outros objetos pessoais. Aos educadores, resta a preocupação e ansiedade. E a preparação das crianças que já estão na instituição praticamente não existe, uma vez que, frequentemente, nem são informadas sobre o que está para acontecer.

O procedimento de preparação dos adultos e das crianças para acolher aquela que chega não pode se resumir apenas à prática de informá-los, embora este seja, necessariamente, um aspecto essencial. Seriam necessários espaços, atualmente escassos ou inexistentes, de discussão, que fossem contínuos e específicos sobre o assunto, nos quais as crianças pudessem, por exemplo, falar sobre o processo de chegada de cada um, possibilidades para tornar esse momento mais acolhedor e as maneiras de participarem do acolhimento dos demais. E que os adultos pudessem refletir sobre a importância e as formas de acolher a criança, independentemente de ser chorona, arredia, boazinha, mal cheirosa, feliz, questionadora ou quieta, cientes de que cada reação, característica, ou pergunta, tem um (ou vários) significado que precisa ser compreendido para que possam ajudar a criança a elaborar suas vivências. Por mais difícil que possa ser.

Na Associação Lua Nova (2008), por exemplo, um educador da equipe é escolhido para ser referência para a jovem que chega. E, junto com ele, duas jovens que já estão acolhidas na instituição acompanham todo o processo da nova moradora. O objetivo é que a jovem tenha “um par” que contribua na compreensão do funcionamento da instituição e transmita confiança no novo ambiente. Certamente, isso também seria possível em outras instituições, nas quais, por exemplo, uma criança da mesma idade ou mais velha poderia ser escolhida e preparada para desempenhar esse papel. Porém, o que há, na verdade, é uma participação espontânea e pouco organizada das crianças, embora muito importante, como será visto mais adiante (ver item 6.4.4.4).

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Ademais, outras considerações merecem ser feitas sobre os preparativos para receber uma nova criança (Fluxograma 15).

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