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Sentimentos e reações dos profissionais responsáveis por receber e acolher a criança na

Sumário

Fluxograma 21 Sentimentos e reações dos profissionais responsáveis por receber e acolher a criança na

Fluxograma 21 – Sentimentos e reações dos profissionais responsáveis por receber e acolher a criança na

instituição.

Angélica e Cristiana falam de certa irritação inicial manifestada ao receberem a notícia de que nova criança chegará.

Angélica: De imediato tem uma certa irritação, porque [...] é mais um para a gente fazer tudo [...], então, a gente começa a se irritar porque a gente não pode dizer não. A gente sabe que nosso trabalho vai tá capenga. É mais um para a gente cuidar, é mais um que tá acima daquilo que a norma estabelece, então, irritação, insatisfação. E, em alguns momentos, até os cuidadores também. Então, [...] eles querem muito saber como é a criança porque, às vezes, são crianças muito ansiosas, que solicitam muito dos adultos e das outras crianças e tal. Então, [...] de modo geral, acho que o primeiro sentimento é uma certa irritação [...]. (Angélica, psicóloga do abrigo institucional Tulipa).

Pesquisadora: E que sentimentos, que dificuldades, para o profissional, são gerados no momento da chegada de uma criança?

Cristiana: Mais um! Acho que é a primeira coisa que vem na cabeça de todos eles. Mais um! E quando eles estão lotados, então, isso é mais trabalho, é mais desgaste, é mais tudo [...]. (Cristiana, coordenadora do abrigo institucional Tulipa).

A irritação que mencionam, deve ser contextualizada. Ambas trabalham no abrigo institucional municipal (ver tópico 6.4.1), que, frequentemente, funciona acima de sua capacidade, além de contar com um número insuficiente de profissionais na equipe técnica. Assim, as falas das participantes reforçam a argumentação de que as condições estruturais

Sentimentos e

reações da criança Tempo de adaptação

Sentimentos e reações dos profissionais

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afetam, mesmo que indiretamente, a qualidade do acolhimento. Afinal, ser considerada “mais

um!” e ser recebida por profissionais irritados não favorecerá sua acolhida. Há, porém, outros relatos que diferem significativamente desses.

Marina: [...] eu aprendi a ver o seguinte: [...] eu sei que onde essa criança estava não é bom para ela, aquilo que aquele pai, aquela mãe, aquela família tem a oferecer não é bom para ela. Eu tenho todos os indicadores, com mais a minha experiência, a formação técnica, mais tudo, eu consigo me resguardar [...]. O que vem, daqui para a frente, eu não sei. Então, particularmente, lido com isso, não sei se tranquilidade é a palavra, mas com mais segurança. Eu gosto muito desse trabalho; eu acho que se você pode contribuir para oferecer uma vida diferente para aquela criança, isso é positivo [...]. (Marina, assistente social do abrigo institucional Tulipa).

Pesquisadora: E como é lidar com esse momento, com essas reações, o que isso gera em você?

Lia: Olha, não é fácil, a gente tem que ter estrutura emocional, saber lidar com isso, porque, às vezes, a gente se emociona também, [...] por um lado. Por outro lado, a gente vê que as situações que as crianças estão vivendo, tão complicadas, situações de risco, de agressões e é um alívio a gente poder cuidar deles [...]. (Lia, psicóloga do abrigo institucional Rosa).

As profissionais referem se sentir seguras, tranquilas ou aliviadas, pois acreditam que o acolhimento foi a melhor medida para a criança.

A psicóloga Fernanda, embora também mencione sentimentos parecidos, relata vivenciar, concomitantemente, certa angústia.

Fernanda: [...] Quando eu vejo as histórias, quando pego o protocolo de encaminhamento, é “Bom, melhor que as crianças estejam aqui. A gente vai poder cuidar e dar um suporte que elas não tiveram”. Mas, pensando do ponto de vista das crianças, o melhor lugar é ao lado da família, dos pais, independente do que eles fizeram ou deixaram de fazer, eles querem ficar ao lado da família e eles não sabem, não entendem, o que aconteceu. Num caso, por exemplo, que me chamou muita atenção, que a mãe não tinha o menor desejo, a menor condição de ficar com as crianças e era uma criança extremamente vinculada com essa mãe e [...], mesmo em situação de rua, ficava junto. Não ia para o médico, não ia para a escola, mas ela queria ficar do lado da mãe e ela perguntava: “Mas por que não posso ficar com a minha mãe? É o jeito dela. Eu quero ficar do lado da minha mãe”. Aí, eu acho que é angustiante, nesse sentido assim [...]: “Porque sua mãe não cuida de você, porque ela tá bebendo, se drogando, se prostituindo e não quer ficar com você”. Então, é angustiante, [...] a mãe e a família não quer [...]. Para mim é angustiante dizer ou não dizer isso [...]. Vejo que a mãe que se revolta [...]: “Não vou entregar, não quero”, e brigam [...] pelas crianças e que querem tê-las de volta é mais fácil: “Olha, sua mãe tá tentando, seu pai foi lá no advogado, tá lá na defensoria pública, vai demorar um tempo, a gente não sabe quanto tempo, mas as coisas estão caminhando, estão se movimentando”. Agora, aquelas mais apáticas, acho que é mais difícil. (Fernanda, psicóloga do abrigo institucional Lírio).

Mesmo certa de que o acolhimento poderá oferecer cuidado e suporte à criança, Fernanda se angustia diante do desejo da criança de permanecer com a família, apesar de

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todas as dificuldades e violações de direitos (outro trecho de entrevista no Anexo BB). Fala, então, de sua própria dificuldade para lidar com a suposta falta de desejo da mãe/família pela criança, diante de um desejo tão presente, na criança, de estar com ela. Mas, o que estará por trás desse “não querer” da família e desse “querer” da criança? Como trabalhar isso com a família e com a própria criança?

Valentina fala de seus questionamentos diante de cada nova criança que chega:

Pesquisadora: Enquanto alguém que recebe essas crianças, quais são seus sentimentos em relação a esse momento?

Valentina: Então, acho que é de não saber nada da criança e dela pedir alguma coisa e a gente não conseguir sanar, chorando desesperadamente por falta, de repente, da família ou por fome, por sono, não sei e, enfim, você não conseguir sanar. De ter certeza que aquela criança realmente precisava ser acolhida, isso em todos acolhimentos que a gente faz eu me pergunto “Será que ela precisava tá aqui mesmo?”, às vezes, antes de conhecer a família... Depois, você vai conseguindo ter essa noção de que, realmente, ela precisava ta aqui [...]. (Valentina, assistente social do abrigo institucional Lírio).

Para Valentina, não saber como atender às necessidades da criança e não ter certeza se o acolhimento é mesmo a melhor solução, são questões importantes.

De maneira parecida, a pedagoga Yolanda diz que a impotência é o primeiro sentimento gerado:

Pesquisadora: Como é lidar com esse momento, com esse sofrimento tão evidente em algumas crianças, o que isso gera em você?

Yolanda: Olha, às vezes, eu tenho aquele sentimento assim: "Ai, não dou conta, não vou conseguir fazer nada por essa criança. O que que eu vou fazer, se é a mãe que ele quer, se é a família que ele quer?", e é uma coisa que a gente não tem para dar. Mas, aí, depois, eu penso: "Não, ele quer a mãe, sim, ele quer a família, mas, na verdade, o que ele tá pedindo é um pouco de atenção, um pouco de carinho", e isso a gente tem para dar, né? Então, assim, gera aquele sentimento de impotência, sei lá, de não saber o que fazer naquele momento. Eu não sei o que fazer para acalmar uma criança dessa. Não sei o que fazer com essa criança, mas, depois, vem um outro sentimento que fala mais alto: "Não, eu posso ajudar. Da minha maneira, eu posso" [...]. No momento que a criança chega aqui [...], todos eles, eles vêm de uma carência muito grande, então, assim, você tem que descobrir como chegar até ele, então, você percorre vários caminhos, até chegar [...]. É uma coisa difícil, no primeiro momento, muito difícil, muito complicado, mas, passou aquele impacto do primeiro momento, se torna gratificante, porque você consegue ir trabalhando, trabalhando: "Ah, eu tentei dessa forma, não deu. Vou tentar de outra", até que você descobre a que dá certo, então, é gratificante [...]. É muito gratificante quando você vê que a criança não tá sofrendo, passou aquele sofrimento, acabou. Eles sentem a falta e tudo, perguntam da família e tudo, mas não é com o mesmo sofrimento que ele trouxe, já é diferente, né? (Yolanda, pedagoga do abrigo institucional Hortência).

Embora Yolanda se sinta, inicialmente, impotente para lidar com o sofrimento da criança, há disponibilidade para estar com ela e ajudá-la, nesse momento.

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E para a educadora Cássia, o processo de acolhimento, às vezes, é desgastante:

Cássia: Olha, tem dias que a gente se sente, assim, capacitada. Tem dias que você se sente não capacitada, que é desgastante, mas, assim, você arruma forças. Quando você faz aquilo que gosta, você consegue fazer. Não, assim, ninguém faz nada 100%, mas um pouquinho você faz, vamos dizer assim, 55%, 60%, você consegue fazer. (Cássia, educadora do abrigo institucional Hortência).

A educadora diz que nem sempre se sente capacitada, preparada para acolher, mas se esforça para lidar com a situação.

Sílvia e Cristiana falam da mobilização de outro sentimento:

Sílvia: Quando eu entrei aqui, outra educadora falou que a gente tinha que cuidar, mas a gente não pode ter dó. Mas a gente acaba... Você fica, né, porque vem, que nem os maiorzinhos que, às vezes, tira da mãe e do pai. A gente, que é mãe, se imagina tirar um filho seu, como que não é? E, às vezes, por mais que a mãe [...] não cuida da forma correta [...], mas ela é mãe, né. Muitas mães, você tira, elas nem ligam, mas outras sofrem. (Sílvia, educadora do abrigo institucional Lírio). Cristiana: [...] Alguns, vendo o estado que a criança chega, eu sei que mobiliza muito a questão da pena, do dó, porque tem uns que chegam muito descuidados [...]. Então, mobiliza tudo isso [...]. (Cristiana, coordenadora do abrigo institucional Tulipa).

Ambas falam do dó, ora da mãe, ora da criança. Apontam como é difícil para o profissional conceber uma mãe sem filho e um filho sem mãe ou com uma mãe que não exerce a maternidade da forma como se espera. Sílvia, explicita, também, a concepção prevalente de que, por pior que seja a mãe, ela ainda será melhor para a criança do que a instituição, já discutida anteriormente (ver tópico 6.1).

O pedagogo João, em vez de dó, sente raiva da família:

João: Depende muito de quem tá recebendo. Percebo que tem pessoas que recebem e, digo por mim, muitas vezes com raiva da família [...]. A gente tem raiva, eu sentia e sinto até hoje. Acho que isso tem melhorado, esse entendimento da família, mas, no primeiro momento, dá raiva mesmo, dependendo da situação [...]. (João, pedagogo do abrigo institucional Tulipa).

De maneira semelhante, a assistente social Beatriz menciona sua dificuldade para compreender a família, embora mencione que tenta separar sua opinião e sentimentos pessoais de sua atuação profissional.

Beatriz: [...] enquanto assistente social ou como pessoa? Porque tem que separar. [...] Enquanto pessoa, é difícil, porque é uma criança indefesa. Se você não cuidar, ela não se cuida [...]. Então, às vezes, é difícil, a gente parar para pensar: “Nossa,

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