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Sentimentos e reações da família no momento em que sua criança é retirada de seu contexto

Sumário

Fluxograma 8 Sentimentos e reações da família no momento em que sua criança é retirada de seu contexto

Fluxograma 8 – Sentimentos e reações da família no momento em que sua criança é retirada de seu contexto

familiar e/ou de origem.

A conselheira Aline fala da reação da família na situação de acolhimento em que esta entrega, voluntariamente, a criança ou o adolescente:

Pesquisadora: E como, normalmente, as famílias reagem?

Aline: Na grande maioria das vezes, sempre tem que falar, pós Lei 12.010, porque é a pedido dos pais, aí elas saem daqui, muitas vezes, como se diz, elas se sentem aliviadas, né, porque entregaram o problema para o Conselho, que é o que elas vêm fazendo, entregar os filhos como se fosse mercadoria [...]. (Aline, conselheira tutelar).

No trecho acima, alguns aspectos devem ser levantados: o que está por trás desse alívio da família? Será que é isso mesmo o que sentem? O que torna a criança um problema tão grande a ponto de seu cuidado, naquele momento, ser delegado pela família a outra instituição? O que leva a família a se sentir e se posicionar como impotente e/ou incompetente para lidar com sua criança? O Estado e a sociedade têm arcado com suas obrigações em relação à criança e oferecido o suporte necessário à família? Será que em vez de apoiar, potencializar e fortalecer a família, o Estado e a sociedade têm contribuído para a construção de seu fracasso e sentimento de incapacidade?

Dependendo das respostas atribuídas a cada uma dessas questões, sentir-se aliviada pode ser um sentimento completamente compreensível, por parte das famílias, embora dificilmente manifeste-se isoladamente. É possível e provável que hajam muitos e variados sentimentos coexistindo.

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Além disso, a conselheira diz que a família entrega a criança-problema ao Conselho Tutelar como se fosse mercadoria. A objetificação da criança não ocorre apenas nas relações familiares, como já apontado anteriormente. Esse ainda é um posicionamento comum do adulto em relação à criança, e especialmente na relação entre o adulto com essas crianças, ou seja, as crianças pobres submetidas ao Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente.

A seguir, as conselheiras tutelares Aline e Daniela falam sobre os sentimentos e reações da família nas situações em que a retirada da criança aconteceu independentemente de sua vontade:

Aline: [...] Tem inúmeras situações, viu Ivy, mas a grande maioria, eu diria assim, a grande maioria não aceita ver os filhos ir para o abrigo. (Aline, conselheira tutelar).

Pesquisadora: Daniela, [...] quando vocês têm que retirar as crianças sem o consentimento dos pais, como eles reagem [...]?

Daniela: [...] Eles acabam, não aceita, mas compreende [...]. (Daniela, conselheira tutelar).

Segundo as conselheiras, a família não aceita ver os filhos indo para uma instituição de acolhimento, mas compreende. O que quer dizer compreende, nesse contexto? Será que compreende que o melhor para si e/ou para a criança é a instituição? Por quê? Por que não é boa ou capaz o suficiente para dar conta das necessidades da criança? Nesse caso, possivelmente, a família encontra-se tão assujeitada que compreende que é preciso submeter- se.

Diferente seria se a intervenção possibilitasse à família compreender que é corresponsável pela situação em que se encontra, assim como o Estado e a sociedade; que também é vítima da violência estrutural, que muito contribuiu para as causas do acolhimento; que é dever do Estado e da sociedade oferecer-lhe suporte e apoio a fim de superar suas dificuldades e ter sua criança de volta; e que a criança precisa e quer estar com sua família.

É possível concluir que, dependendo do que se faz o outro compreender, ora posiciona-o como culpado, desvalorizado, incompetente e incapaz, ora posiciona-o como agente corresponsável e sujeito de direitos que, embora negados, podem ser reivindicados. Rossetti-Ferreira, Amorim e Silva (2004) apontam que “o ser humano é relação, constrói-se na relação com o outro e com o mundo” (p. 25) e que, portanto, as identidades pessoais e grupais são construídas a partir de jogos interativos, através dos quais as pessoas se constituem mutuamente, ao longo de toda a vida. Nesses jogos interativos, há papéis/posições

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e lugares possíveis de serem ocupados. A partir disso, é preciso questionar: quais os papéis/posições e lugares possíveis de serem ocupados por essas famílias?

A conselheira tutelar Patrícia traz uma informação que vai ao encontro dessa questão:

Patrícia: [...] às vezes, ela resiste, claro, ela não quer perder aquele filho, mas têm outras mães que a gente sabe que, depois que tá no abrigo, é aí que se acomodam mesmo: "Ah, então, agora eles estão cuidados, então, agora ele tá tranquilo, não vou [...] buscar de volta" [...]. (Patrícia, conselheira tutelar).

Patrícia conta que, apesar de existirem famílias que resistem ao acolhimento e perda dos filhos, há aquelas que consideram que, na instituição, seus filhos estarão mais bem cuidados. Nesse caso, trata-se, necessariamente, de acomodação? Ou será que é resignação? Se as intervenções a que estão assujeitadas as famílias, consciente ou inconscientemente (Oliveira, Guanaes e Costa, 2004), desacreditam-nas (Valente, 2010) e posicionam-nas como incapazes, o que esperar delas?

Bernardi (2010b) aponta que, algumas vezes, as famílias sentem-se inseguras, desconfiadas e desconfortáveis com o afastamento dos filhos. Todavia, com o tempo, percebem que “a instituição oferece a seus filhos bons recursos, moradia confortável, alimentação adequada, boas roupas e cursos extracurriculares” (p. 40). Assim, muitas famílias se tranquilizam ao associarem a instituição a um colégio interno. A autora reforça, então, a importância do trabalho de fortalecimento dos vínculos entre a criança e sua família.

Porém, em outros relatos que serão apresentados no subitem 6.5, observa-se que, embora seja papel da instituição promover os vínculos familiares e trabalhar para que as crianças sejam reintegradas em suas famílias, em algumas instituições, não há busca ativa por essas famílias, a fim de reestabelecerem o contato com suas crianças. Há, ao contrário disso, um prejulgamento e até a culpabilização daquelas que não buscam esse contato imediato, mesmo antes dos profissionais saberem quais as razões que as levaram a agir dessa maneira.

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