• Nenhum resultado encontrado

Um processo solitário e permeado por rupturas: “se vem sozinho, o sofrimento

Sumário

Fluxograma 15 – Outras considerações sobre os preparativos para receber e acolher a criança que está para

6.4.4 A recepção da criança na instituição e o acolhimento voltado para sua distração: “vamos esquecer o passado”

6.4.4.1 Um processo solitário e permeado por rupturas: “se vem sozinho, o sofrimento

dele vai ser maior”

Para possibilitar a compreensão acerca da situação vivenciada pela criança, é interessante salientar que, além de não ser preparada para o acolhimento e retirada abrupta de seu contexto familiar e/ou de origem, é levada e chega na instituição sem a companhia de qualquer pessoa de referência com quem já tivesse algum vínculo e, frequentemente, sem os irmãos.

Neste tópico, serão abordados três assuntos: a possibilidade de ter um familiar ou alguém de referência para acompanhar a criança (Fluxograma 16); o acolhimento de grupo de irmãos; e cuidados com objetos significativos/transicionais.

Fluxograma 16 – Participação de pessoas de referência para a criança no seu processo de acolhimento.

Diferentemente do que já ocorre na educação infantil (Rossetti-Ferreira, Vitoria & Goulardins, 2011; Fortunati, 2009; Paniagua & Palacios, 2007; Oliveira, 2002; Bondioli & Mantovani, 1998), no acolhimento institucional, não há, ainda, o reconhecimento da

Pessoa de

referência Grupo de irmãos

Objetos significativos /

Resultados e Discussão 170

importância da participação da família, ou de outras pessoas de referência, na familiarização gradual da criança ao espaço e às pessoas (adultos e crianças) que nele se encontram, o que poderia contribuir para a construção de relações de confiança e parceria entre a instituição, a família e a criança. No entanto, esses aspectos já estão previstos em normas internacionais voltadas ao cuidado alternativo de crianças (State of Alabama, 2000; IFCO, SOS-Kinderdorf International & FICE, 2006).

Quando questionados sobre a possibilidade de ter um familiar ou alguém de referência que acompanhe a criança até a instituição e participe do seu acolhimento inicial, os profissionais pareceram se surpreender.

Simone: Você sabe que eu nunca pensei nisso, nunca parei para pensar [...]. (Simone, assistente social do abrigo institucional Hortência)

Angélica: Nunca pensei nisso [...]. (Angélica, psicóloga do abrigo institucional Tulipa).

Cristiana: [...] Eu nunca pensei nisso. (Cristiana, coordenadora do abrigo institucional Tulipa).

E, justamente, por ser uma ideia nova para eles, muitos não souberam responder inicialmente ao que estava sendo perguntado (outros trechos de entrevistas no Anexo Y):

Pesquisadora: E o que você acha da ideia de uma pessoa de referência da criança, um vizinho, uma professora, outro parente, que acompanhasse essa criança para mediar essa vinda dela [...]?

Lia: Não sei [...]. (Lia, psicóloga do abrigo institucional Rosa).

Fernanda: É, não sei se seria viável [...]. (Fernanda, psicóloga do abrigo institucional Lírio).

Para alguns, a participação da família ou de outra figura de referência para a criança pareceu ser um procedimento interessante:

Cristiana: [...] É sempre mais agradável, vai dar mais segurança de você ser levado para algum lugar por alguém que você confia, que sabe realmente que quer o seu bem [...]. (Cristiana, coordenadora do abrigo institucional Tulipa).

Janaína: [...] Eu penso, às vezes, na mãe, na própria mãe ou familiar, acompanhar e também conhecer esse espaço, onde a criança vai ficar, porque é uma dúvida da mãe, onde ela vai ficar, se vai ser bem tratada. É uma prática nossa, quando a mãe chega para a primeira visita, a gente tem que explicar o espaço, mostrar para ela onde a criança dorme, como é a rotina, quem são as educadoras, quem são os amigos, isso vai quebrando um pouco a impressão, impressão ruim. (Janaína, psicóloga do abrigo institucional Hortência).

Resultados e Discussão 171

Pesquisadora: Adriana, você acha que seria viável a família participar desse processo de acolhimento?

Adriana: Ah, para entender a criança, ia contribuir muito “Olha, ela chupa chupeta, ela não dorme sem o paninho” [...]. (Adriana, pedagoga do abrigo institucional Lírio).

Terem a oportunidade de conhecer juntos o local, os hábitos e as pessoas, pode ser importante não só para a criança, mas também para a família e para a instituição (outros trechos de entrevistas no Anexo Z).

Os conselheiros tutelares, Aline e Pedro, indicam que pessoas de referência participam em alguns acolhimentos. Todavia, essa participação não seria possível para todas as crianças e famílias (outro trecho de entrevista no Anexo AA).

Pesquisadora: Aline, [...] você acha que seria interessante e possível ter alguém de referência para essa criança, que mediasse essa saída da família?

Aline: Claro, com certeza. Qualquer pessoa [...] que tivesse vínculo com ela, tanto que a gente faz assim, aqui [...], por exemplo, esse menino, ontem, a mãe foi com ele até lá, nós não deixamos ela aqui. Foi junto com o conselheiro, com a perua do conselho, mas ela foi [...], porque é uma situação que a mãe está deixando, está concordando, pediu essa medida [...]. Então, sempre que possível a gente, se é a situação que os pais estão numa situação que está pedindo, naquele momento, como nós já tivemos casos assim, estavam na rua, uma mãe, com duas crianças aqui, e ela veio pedir porque ela não tinha como, ela não queria ficar na rua com as duas crianças pequenininhas. Ela veio de Ubatuba e brigou lá com o marido, ele a ameaçou ela, ela veio embora, ela dormiu uma noite na rua, no dia seguinte, veio no conselho, pediu que abrigassem, pelo menos enquanto ela arrumava um lugar para ficar, então, nesses casos, dá para deixar, né, porque não vai oferecer nenhum risco e a criança vai muito melhor [...]. (Aline, conselheira tutelar).

Pesquisadora: Pedro, [...] seria possível ter alguém de referência que acompanhasse essa criança para fazer essa mediação entre a saída da criança e a chegada à instituição - às vezes, um vizinho, ou uma professora, ou um parente [...]?

Pedro: Então, às vezes, isso acontece [...], por exemplo, na escola. Um abrigamento aqui, um mês atrás, mais ou menos, a mãe não foi buscar na creche, aí a diretora solicitou a Guarda (Municipal) [...]. A Guarda Municipal foi até a casa da criança, levar a criança [...], porque, assim, a creche tem uma tolerância, deu essa tolerância, precisa fechar. E chegou lá no barraquinho, estava aceso e não tinha ninguém. E nenhum vizinho quis saber, às vezes, deixa com o vizinho, até a hora que chegar, mas a mãe dele vivia pelos bares [...], ela devia ser encrenqueira, aquelas coisas, uma pessoa difícil e ninguém quis ficar com o menino [...]. Aí, estava junto com a criança, a monitora, e isso facilitou muito porque ela tem vínculo e ficou aqui com ele o tempo todo. Então, a gente tentou contato com a família e não conseguiu ninguém, aí abrigou.

Pesquisadora: Quantos anos têm a criança? Pedro: É [...] 5 ou 6 anos, nessa faixa.

Pesquisadora: E essa monitora, foi junto no abrigo?

Pedro: Foi até a porta do abrigo, deixou ele lá junto e aí, depois, fomos levar ela, mas ela ficou quase até 11 horas com a gente [...].

Pesquisadora: Você acha que nessa experiência, ajudou ter alguém? Pedro: Eu achei legal.

Pesquisadora: E você acha que em outras situações, seria possível?

Pedro: Eu acho que na escola, sempre, porque escola é protetora, guardiã da criança[...]. Como seria ela ter vindo sozinha, com dois policiais que não conhece? A diferença de ter vindo com a monitora, que ela conhece, tem toda diferença; tá

Resultados e Discussão 172

certo que ela não pode ficar lá, mas o preparo dela de conversar com ela, que ela ia dormir lá, que lá é assim, lá tinha outras crianças e tal [...]. (Pedro, conselheiro tutelar).

Os profissionais contam, porém, que as pessoas têm receio de se envolver e participar desse tipo de situação.

Daniela: Eu não vejo como, porque, antes de a gente optar pelo acolhimento, a gente tenta que alguém fique com ela e só vai para o acolhimento se não tem outra opção, e aí então, quem a gente vai pedir para fazer esse acompanhamento, se já não quiseram ficar com a criança, então, eu não sei... (Daniela, conselheira tutelar). Lia: [...] As pessoas, geralmente, elas ficam com receio de se envolver, porque são famílias que, às vezes, ameaçam as pessoas. Os próprios familiares, às vezes, não aceitam a guarda da criança por medo: "Esse pai é agressivo, se eu pegar, ele não vai me dar sossego, ele vai me ameaçar”. Então, muito mais pessoas, né, escola, vizinho, fica com um pouco de receio de acabar se envolvendo. O máximo que fazem é denunciar para que os órgãos competentes façam esse trabalho, de estarem se protegendo de alguma forma [...]. (Lia, psicóloga do abrigo institucional Rosa).

Segundo dizem, as pessoas costumam se sentir inseguras em relação à família de origem da criança e temem se comprometer, por isso relativizam a viabilidade dessa participação no processo de acolhimento (outros trechos de entrevistas no Anexo AB).

Nota-se que a própria instituição teme a família:

Valentina: [...] Eu não sei, para o abrigo, como é que isso seria. Eu tenho que admitir que acho que seria muito complicado porque, quando vem, na maioria das vezes, vem naquela situação - não sabia que iria vir, o oficial (de Justiça) foi lá com a polícia trouxe e, assim, a família obviamente acha que não deveria tá aqui. E, eu não sei, porque a gente só libera a visita para a família depois que eu for fazer a primeira visita, conhecer a família, sentir na conversa como a família reagiu em relação a isso [...]. (Valentina, assistente social do abrigo institucional Lírio). Pesquisadora: [...] seria possível, nesse momento, [...] ter alguém de referência para essa criança [...]. Alguém que mediasse essa ida para a instituição?

Patrícia: Então, normalmente, a gente não leva a mãe junto, entendeu? Pesquisadora: E por quê?

Patrícia: Porque é regra do abrigo, não saber onde o abrigo é [...]. No momento do acolhimento, não, porque, às vezes, é filho de traficante, entendeu? Se ele souber aonde é, ele baixa lá com arma e tudo [...]. Mas, cada caso é um caso, entendeu? Então, assim, depende, mas normalmente não vai. (Patrícia, conselheira tutelar).

Assim, ao menos inicialmente, o endereço da instituição onde a criança está é mantido em segredo, o que não seria possível, se alguém de referência acompanhasse a criança até lá (outro trecho de entrevista no Anexo AC).

A prática de manter em sigilo o endereço do local onde as crianças foram acolhidas também foi observada em Porto Alegre/RS (Fonseca, 2009), e na cidade de São Paulo/SP (Baptista, Volic, & Arruda, 2008). Segundo as pesquisadoras responsáveis pela pesquisa

Resultados e Discussão 173

paulista, “os familiares se viram obrigados a um período de ‘quarentena’ antes de terem o ‘direito’ de verem seus filhos, ou mesmo de saberem deles” (Baptista, Volic, & Arruda, 2008, p. 187).

Sobre essa postura das instituições, Fonseca (2009) discute que a lei, “ao impor determinadas categorias de classificação, acaba ‘criando’ a realidade que pretende regular” (p. 288). A partir do momento em que a lei determina que apenas crianças vítimas de abandono ou maus-tratos serão acolhidas nas instituições, seus pais passam a ser vistos como suspeitos, uma vez que se parte do pressuposto de que, se não representassem um ameaça séria, suas crianças não teriam sido levadas à instituição. No entanto, a autora chama a atenção para o fato de que a principal causa que leva a criança ao acolhimento ainda é a miséria e/ou suas implicações, que acabam sendo encobertas pelos rótulos de negligência e/ou abandono da família.

A psicóloga Janaína, por sua vez, diz que o preconceito pode prejudicar a participação de pessoas de referência no processo inicial de acolhimento.

Janaína: [...] mas, ao mesmo tempo, não sei como funcionaria, porque, quando a criança é pega na escola, é difícil a escola disponibilizar alguém, um professor, para vir [...]. Abrigo, coisa de criança abandonada, coisa de criança infratora, as pessoas que não conhecem, que chegam no abrigo, já chegam cheias de dúvidas, de imagens, então, trazer uma pessoa que não conhece o espaço, nesse espaço, com uma criança que vai ficar acolhida, não sei como que isso ia funcionar [...]. (Janaína, psicóloga do abrigo institucional Hortência).

Será que trazer pessoas que são preconceituosas para conhecer a instituição e as crianças não poderia ser uma boa oportunidade para desfazer os preconceitos? Será que o fato da escola não disponibilizar um professor ou outro funcionário para acompanhar a criança não se deve, justamente, a esse desconhecimento? Afinal, é possível que a escola desconheça aquela criança (e sua família), a instituição para onde irá e a importância que esse acompanhamento teria para ela.

Pesquisas mostram que há dificuldades relevantes na significação, interação e vinculação entre as pessoas do contexto escolar e as crianças acolhidas (Almeida, 2009; Almeida, Maehara & Rossetti-Ferreira, 2011; Buffa & Pauli, 2011), o que faz com que seja urgente a construção de parcerias efetivas entre a instituição de acolhimento, a escola, a família e a criança.

No entanto, há outros preconceitos que, segundo a psicóloga Angélica, poderiam ser acirrados com a participação da família ou de outras pessoas de fora no momento do acolhimento.

Resultados e Discussão 174

Angélica: [...] Em alguns casos eu acho que esse terceiro estranho chegando no sistema [...] institucional do abrigo, criaria melindres, como avaliações, prejulgamento, passaria algumas informações para os cuidadores que, às vezes, não são tão cuidadosos nessa fala. Quando algum cuidador, às vezes, tá bravo com a criança, ele não poupa: “A sua mãe que é vagabunda, sua mãe não te quer, porque você é malcriado”. Ele responsabiliza a criança por isso. Então, às vezes, vir alguém de fora e, dependendo de quem é essa mãe, ou de quem é essa família estendida, eles têm um julgamento, não só uma avaliação, mas é um julgamento. Pesquisadora: Os educadores, em relação a essa pessoa?

Angélica: A esses familiares e, por exemplo, eles entram numa relação de competição: “Essa mãe não sabe, eu é que sei cuidar melhor” [...]. Já aconteceu isso nas festas, eu tenho como parâmetro nas festas em que os cuidadores e as famílias interagem [...] Você percebe competição ou a criança que, em algum momento, prefere o cuidador do que o pai e mobiliza, na família, essas coisas e tudo mais. (Angélica, psicóloga do abrigo institucional Tulipa).

Mais uma vez, a exclusão é a maneira escolhida para lidar com preconceitos e julgamentos. A instituição fecha-se para tudo aquilo que vem de fora e, sobretudo, para aquilo que vem da família de origem. Evitar o confronto parece ser a única saída, mas não é. Embora seja muito mais complexo, requeira mais tempo e exija investimentos de diferentes tipos, há outras possibilidades de trabalhar o entendimento e a aceitação dos educadores e demais profissionais em relação à família, bem como em relação ao seu papel diante dela e da criança.

Para isso, as Orientações Técnicas (2009e) destacam a importância da formação continuada, as discussões de caso e supervisões externas. Enfatizam, inclusive, que os educadores não devem “competir ou desvalorizar a família de origem ou substituta”. Devem estar preparados, portanto, para não “ter a pretensão de ocupar o lugar da família de origem, mas contribuir para o fortalecimento dos vínculos familiares, favorecendo o processo de reintegração familiar ou o encaminhamento para família substituta, quando for o caso” (p. 13- 14). Não será evitando a família que isso será alcançado. É necessário qualificar os profissionais.

A conselheira tutelar Daniela aponta outra possibilidade que pode contraindicar a participação da família ou de outra pessoa de referência no processo de acolhimento.

Daniela: Eu acho que, aí, ele (a criança) vai olhar aquele lugar (Instituição de Acolhimento) como o lugar que separou ele, aquele profissional que tirou a mãe, e aí o desenvolvimento daquele trabalho lá vai ser mais difícil, porque a culpa é deles. Aqui (no Conselho Tutelar) a gente tem um tempo maior para fazer esse trabalho neles (separar da família) e depois eles não vão nos ver mais. Então, a culpa ficou aqui (no Conselho Tutelar), quem separou foi aqui, e lá na instituição não, lá é o lugar da acolhida, não é o lugar que separou. Eu penso que seja assim. (Daniela, conselheira tutelar).

Resultados e Discussão 175

Daniela acredita que ao separar-se da pessoa de referência na instituição, a criança pode culpabilizar aquele local e as pessoas que nela estão.

Utilizando argumentação semelhante, Simone e Manoela comentam o assunto.

Simone: [...] E na hora que essa pessoa estiver indo embora daqui e essa criança pensar que está sendo deixada aqui por essa pessoa? Eu acho que, realmente, é uma ruptura brusca, difícil, mas, como eu te disse, nunca parei para pensar nisso, então, não sei te dizer, assim, com clareza maior. Mas, [...] a despedida aqui, o sentimento de ser deixado assim, talvez fosse até maior: "Aquela pessoa me trouxe, me deixou aqui". Pensando muito rapidamente, talvez eu não fosse favorável, [...] acho que ia ser mais sofrido. A princípio, soa mais leve, menos doloroso, [...] mas ela vai deixar ele aqui de qualquer maneira. (Simone, assistente social do abrigo institucional Hortência).

Pesquisadora: Manoela, existe, a família participa, de alguma forma, do momento de chegada da criança? Você acha que existe a possibilidade de alguém que a criança já tem alguma relação acompanhar?

Manoela: Já, já aconteceu do pai vir junto, de vir algum parente junto com o Conselho Tutelar, junto com a Vara da Infância, já aconteceu. Da criança vir com o pai, por exemplo, porque naquele momento, ele não queria se desgrudar do pai, então, para ser menos sofrido para ele e para o pai, os dois vieram. Então, o pai entra, o pai fica um pouco, porque a criança chorava muito, naquele momento, e aí, quando a criança se distrai... Isso não quer dizer que seja um sofrimento maior, depois, quando ele sente que o pai foi embora [...].

Pesquisadora: Mas pensando na adaptação da criança naquele momento de chegada, você acha que foi positivo?

Manoela: Olha, eu não sei te dizer, porque é tão sofrido para a criança, depois que ele vê que o pai não está mais ali...

Pesquisadora: Ele não se despediu do pai?

Manoela: Não, ele não se despediu do pai, porque ele não largava do pai, era uma gritaria, uma situação bem difícil, esse caso em específico [...]. A criança tinha esse medo, não sei, de ficar longe do pai e havia essa necessidade [...]. Então, acho que o pai, vendo essa situação, se prontificou a vir junto e aí subiu aqui com a criança, ficou um pouco, quando a gente viu que a criança se distraiu, ele saiu, mas aí chegou um determinado momento que ele sentiu falta do pai e aí ele chorou muito, mas o pai veio visitar algumas vezes [...]. (Manoela, cordenadora do abrigo institucional Hortência).

A assistente social Simone fala sobre o possível sentimento de abandono da criança ao ser deixada na instituição pela pessoa que a acompanhou (outros trechos de entrevistas no Anexo AD). Por sua vez, a coordenadora Manoela conta uma experiência que tiveram, na qual o pai acompanhou a criança até a instituição, mas saiu sem se despedir dela.

Vitória e Rossetti-Ferreira (1993) argumentam que, na educação infantil, é preferível que a criança saiba quando os pais estão saindo, que expresse seus sentimentos (raiva, tristeza, ou outros) e que a consolem. Com o passar do tempo, a criança perceberá que os pais voltam para pegá-la.

É preciso considerar as diferenças contextuais e, sobretudo, as implicações psicológicas que são radicalmente diversas, em se tratando de separações diárias de curta

Resultados e Discussão 176

duração (educação infantil), de separações extremas de longa duração (acolhimento institucional). Todavia, é possível fazer algumas reflexões interessantes. Afinal, os trechos reproduzidos se complementam, na medida em que não se trata de simplesmente acompanhar a criança e deixá-la lá, tal como fez o pai citado por Manoela. Ambos poderiam, juntos, conhecer as pessoas e explorar o local, além de conversar, tirar dúvidas e obter informações. Mesmo que a criança chore, o essencial é que ela e o pai se despessam, sob orientação e apoio dos profissionais, e que as visitas sejam oportunizadas de maneira ágil e de forma frequente. E, ao se despedir do pai e perceber que ele sempre volta, a criança talvez compreenda, com a ajuda dos profissionais, que não se trata de abandono.

O pedagogo João diz:

Pesquisadora: E você percebe o contrário, alguma ação, situação que pode intensificar o sofrimento da criança nesse momento da chegada?

João: Olha, uma das questões que a gente observa é a da família. Se a família, logo na chegada da criança, já tem a permissão de visita, isso parece que vai acalmando mais a criança. Aí, ela vai percebendo que também tem a sua família ali; que, por mais que está longe, mas que a família já está presente na vida dela de novo. Então, eu acho que isso é uma coisa que ajuda bastante. Agora, quando já não tem a visita nos primeiros momentos, quando a criança tá mesmo impossibilitada de receber essa família, essa criança fica mais... (João, pedagogo do abrigo institucional Tulipa).

O trecho acima reforça a importância das visitas, para favorecer a manutenção dos vínculos familiares e a reintegração familiar, tal como previsto na legislação (Brasil, 1990; 2009a). No entanto, nem sempre isso ocorre. Mais adiante, será possível observar que mudanças são necessárias nos critérios e nas condições de visitas da família à criança (ver item 6.5).

Assim, a assistente social Marina conclui que propiciar a participação da família, nesse momento do acolhimento, é uma possibilidade para ser construída para o futuro.

Pesquisadora: Você acha que a família teria a possibilidade, no acolhimento da criança, de participar de alguma forma [...]? Uma professora, um vizinho [...]. De intermediar, vir junto, [...] para a criança não chegar com pessoas estranhas num lugar estranho?

Marina: Olha, eu acho que isso poderia ser construído ao longo do tempo, mas, hoje [...], como as coisas estão funcionando, isso é inviável [...]. Então, assim, talvez se a gente fizesse, no futuro, um processo de acolhimento diferente [...]. (Marina, assistente social do abrigo institucional Tulipa).

Conclui-se que, atualmente, a criança não pode contar com o apoio da família e nem de outras pessoas de referência, com raras exceções.

Outline

Documentos relacionados