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Preparação dos adultos para receber e acolher a criança que está para chegar.

Sumário

Fluxograma 12 Preparação dos adultos para receber e acolher a criança que está para chegar.

Os três trechos seguintes apontam o movimento inicial que parece caracterizar todas as instituições:

Yolanda: Quando a gente fica sabendo, então, a gente já [...] conversa com as educadoras: "Vai chegar uma criança, tal, assim, a idade...", e passa, assim, o

PREPARATIVOS Adultos Espaço físico, roupas, objetos e alimentos Crianças que estão acolhidas Outras considerações

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mínimo. O que a gente souber da criança, a gente já passa para as educadoras [...]. (Yolanda, pedagoga do abrigo institucional Hortência).

Fernanda: [...] Avisar as monitoras, avisar quem tá de plantão [...], deixar as pessoas de sobreaviso de que vai chegar uma criança e quando a criança chega. (Fernanda, psicóloga do abrigo institucional Lírio).

Beatriz: [...] todo mundo é avisado para a gente saber que tá vindo alguém e a gente precisa ter uma atenção com ele. (Beatriz, assistente social do abrigo institucional Rosa).

Assim que a equipe técnica é avisada que uma criança chegará, os demais adultos da instituição são comunicados (outros trechos de entrevistas no Anexo U).

No entanto, podem surgir dificuldades na comunicação e fazer com que a criança seja acolhida sem que os educadores saibam antecipadamente sobre sua chegada, tal como conta a psicóloga Janaína:

Pesquisadora: A partir do momento que vocês sabem que uma criança vai chegar, existe uma preparação para recebê-la [...]?

Janaína: Às vezes, a gente consegue falar para as educadoras que vai chegar uma criança de tal idade, que daí elas precisam se organizar quanto ao quarto, as coisas, o armário, então a gente sempre fala...

Pesquisadora: Você diz “às vezes”, por quê?

Janaína: Então, “às vezes” porque a gente consegue falar para um plantão, mas aí o Conselho Tutelar não chega naquele plantão, tem isso, ou a Vara da Infância [...]. Aí, vai para outro plantão e a gente também vai embora e, às vezes, essa comunicação falha um pouco [...]. (Janaína, psicóloga do abrigo institucional Hortência).

As dificuldades descritas (atraso na chegada prevista da criança; mudança de plantão das educadoras; e término do horário de trabalho da equipe técnica) poderiam ser facilmente sanadas com o uso de comunicados por escrito e, principalmente, por “encontros diários de 15-20 minutos entre os profissionais de diferentes turnos para troca de informações”, como previsto pelas Orientações Técnicas (Brasil, 2009e, p. 27). Não foi investigado, especificamente, se há esses encontros nas instituições. Todavia, pelo que Janaína descreve, é possível supor que, mesmo que existam, a comunicação sobre a chegada de uma criança não está sendo priorizada e os preparativos para o seu acolhimento, consequentemente, também não se constituem em prioridade na rotina institucional.

Todavia, essa mesma psicóloga faz referência a um procedimento que pode contribuir para qualificar o processo de preparação para a recepção e o acolhimento da criança:

Pesquisadora: Janaína, qual a sua participação no momento de chegada da criança na instituição?

Janaína: Quando a gente fica sabendo da criança que vem para cá, seja pelo Conselho (Tutelar), seja pela Vara (da Infância), a gente pede um relatório antes,

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para gente saber quem é a criança, que família é essa. Quando isso é possível, acho que começa aí a participação, de estudar quem é a família, que território; a gente já pega algumas informações do centro de saúde, do território [...]. (Janaína, psicóloga do abrigo institucional Hortência).

Há uma busca ativa por informações relevantes sobre a criança e sua família, mesmo antes do acolhimento acontecer. Essa é uma prática muito positiva, porém o ideal é que o acesso a essas informações, anterior à chegada da criança na instituição, já estivesse garantido pelo fluxo do acolhimento, de maneira a não depender da proatividade da equipe técnica das instituições. Isso por que é relativamente frequente essas informações chegarem depois da criança.

Simone: [...] muitas vezes, as crianças chegam aqui, não veio nem um relato para nós [...]. A gente não sabe quem é a mãe, nem porque veio para cá. Aí você liga para a Vara (da Infância): "Ah, então, a gente vai mandar depois". A gente também enfrenta essa dificuldade de ter informações [...]. (Simone, assistente social do abrigo institucional Hortência).

Saber quem é esperado contribui, sobremaneira, para possível personalização do processo de acolhimento inicial da criança. Porém, é fundamental garantir o acesso a essas informações aos educadores, uma vez que serão eles que permanecerão com a criança a maior parte do tempo, desde o início do processo de acolhimento. Quanto antes a equipe tiver acesso ao estudo que gerou o acolhimento, mais ágil será o início da construção do PIA, cujo objetivo principal é a restauração do direito da criança à convivência familiar e à comunitária (Brasil, 2009a).

Porém, na rotina institucional, o não acesso a informações significativas sobre a criança e sua família, aliado à ausência de reflexão sobre a importância de haver preparo e planejamento para receber e acolher aquele que chega, traz consequências:

Pesquisadora: [...] começa haver alguma coisa, na casa, para esperar?

Lourdes: Não, [...] para a gente é só mais uma criança que a gente vai receber. Para a gente está na nossa rotina, no dia a dia [...]. Normalmente, a gente espera a criança chegar, pelo fato de, muitas vezes, acontecer de avisar que está para chegar a criança e a criança não chega. Então, assim, você espera a criança chegar para aí [...] correr atrás, mas já sabe que está ali, é só arrumar [...]. (Lourdes, educadora do abrigo institucional Tulipa).

O risco encontra-se, exatamente, no automatismo da prática, na atitude rotineira, em que se deixa de considerar a importância de não tratá-la como só mais uma criança. A proposta de haver preparação para recebê-la é, justamente, contrária ao que descreve a educadora Lourdes. Constitui-se numa tentativa de construir um “espaço” para a criança

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dentro da instituição, tanto física como subjetivamente, demonstrando que a chegada dela estava sendo aguardada por todos e que naquele lugar e por aquelas pessoas sua presença e suas necessidades serão acolhidas.

No entanto, a fala da educadora mostra que entregar-se à rotina pode ser a maneira encontrada para evitar o contato com seus próprios sentimentos e emoções, despertados nesse contexto. Minimiza-se a percepção da complexidade da situação ao não reconhecer ou refletir sobre as especificidades da criança, a importância desse momento para ela e seu papel (de educador). Desta forma, a educadora pode estar expressando quanto esse momento é delicado e difícil não só para a criança, mas também para si mesma.

As Orientações Técnicas (Brasil, 2009e) apontam que a natureza (complexidade dos casos atendidos) e a dinâmica (demandas que exigem resolutividade, rapidez e mobilidade) das instituições de acolhimento, acabam afetando emocionalmente os profissionais de diferentes maneiras, o que pode gerar automatismo de respostas, e fazer com que passem a agir sem refletir sobre o atendimento que está sendo realizado. Alertam, então, para a necessidade do oferecimento de formação continuada aos profissionais, o que também é enfatizado nas normas internacionais (Alabama, 2000; IFCO, SOS-Kinderdorf International & FICE, 2006).

Flávia, Lourdes e Sílvia mencionam que, quando as educadoras ficam sabendo que uma (ou várias) nova criança chegará, expectativas e preocupações são geradas:

Flávia: [...] Fica nessa espera, ansiedade, para saber quem é a criança que tá chegando.

Pesquisadora: E gera ansiedade?

Flávia: Tem vez que eu [...] quando ouço o nome da criança, assim, eu quero saber quem é. Será que vai ser mais uma criança que você vai ter trabalho com ela? Ou vai ser uma criança quietinha? Tomara que seja uma criança quieta! Porque a gente já tá cansado de tanta coisa. No fim, ela é quietinha, mas depois ela se agita, ela começa pôr a energia dela para fora. Ou, então, uma criança que chega e não fala, mas você quer que ela fala, você quer que ela exponha o que ela tá sentindo [...]. Você fica naquela coisa. Você não sabe como a criança vai chegar, o que ela vai fazer [...]. Enfim, é o que eu falei: não tem um manual. Aí, você tem que se virar [...]. A criança não vem com manual de instrução, aí você vai estudando a criança para saber como que ela tá, como que vai fazer, se você vai dar atenção mais para ela e não vai dar atenção para os outros, mas sem esquecer que tem as outras crianças também. (Flávia, educadora do abrigo institucional Tulipa).

Lourdes: [...] A gente fica meio... “Mais uma criança! Meu Deus do céu, como será? Será que é chatinha? Será que é chorona? Será que é doente?”. Enfim, você fica preocupada que tipo de criança vai receber. Se é uma criança malcriada, como que é o problema da criança, se vai chegar marcada, se ela tem problema respiratório [...]. Isso é o que a gente imagina. (Lourdes, educadora do abrigo institucional Tulipa)

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Pesquisadora: E como é essa espera?

Sílvia: Parece uma espera de quando você está de nove meses. Parece que você vai ganhar nenê. Eu acho que é a mesma coisa. Você fica ali, naquela ansiedade: [...] “como será que é? Será que é maiorzinho? Será que é branquinho? Será que é bonzinho? Será que é chorão?”. Igual quando você vai ganhar neném. “[...] Será que dorme? Será que não dorme?”. (Sílvia, educadora do abrigo institucional Lírio).

Parecem haver, a priori, expectativas negativas ou receio do que mais uma criança lhes trará de sobrecarga, principalmente no abrigo institucional Tulipa, que funciona, frequentemente, acima de sua capacidade. Porém, mesmo num contexto familiar, sentimentos contraditórios e preocupação, bem como alguns conflitos, são normais quando se espera uma criança (Brazelton, 1988). E, no contexto institucional, isso pode ser potencializado, uma vez que as profissionais encontram-se muito solitárias para lidar com essa tarefa tão complexa.

Mais adiante, será possível constatar que o não acesso a informações relevantes sobre a criança antes de sua chegada e os poucos (ou ausentes) espaços individuais e/ou coletivos para elaborar, preparar e prepararem-se para a chegada de uma nova criança, por exemplo, em supervisões, reuniões e encontros de formação continuada que tratem especificamente sobre o assunto (ver item 6.4.5), contribui para que as educadoras se sintam mais angustiadas e menos preparadas para executar sua função com mais confiança e melhor qualidade.

Porém, por mais que existam condições ideais de preparação para essa chegada, esse é um momento carregado de significados e o novo sempre traz consigo algo de desconhecido ou de estranho, o que gera insegurança. E isso provocará a emergência de novos processos de (re)significações por parte de todos os envolvidos nas mudanças provocadas pelo acolhimento: a criança, sua família, os profissionais e a instituição (Vitória & Rossetti- Ferreira, 1993; Rossetti-Ferreira, Amorim & Vitoria, 1997; Rossetti-Ferreira, Vitoria & Goulardins, 2011).

De qualquer forma, com algumas exceções, os adultos não são surpreendidos com a nova criança. Mesmo que minimamente, eles têm a chance de anteciparem-se em relação a essa chegada.

E o que é feito a partir disso? (Fluxograma 13).

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Fluxograma 13 – Preparativos em relação ao espaço físico, às roupas, aos objetos e alimentos para aguardar a

criança que está para chegar.

Heitor: [...] a gente já sabe (que a criança chegará), então, dá para a gente se preparar, [...] vou ver se tem um berço para ela, cama para ela [...]. Aviso os monitores, o pessoal da cozinha “Olha, guarda o almoço”, alguma coisa assim, isso é o preparativo para a criança chegar. (Heitor, apoio técnico no abrigo institucional Tulipa).

Fernanda: Bom, [...] primeira iniciativa é ver onde ela vai ficar, onde ela vai dormir, qual vai ser a cama dela [...]. Se é um bebê vai ter que reorganizar os quartos, trocar uma criança de um quarto para o outro, dependendo da idade. Se é uma criança maior, vai para o quarto dos meninos ou das meninas, como que vai reorganizar fisicamente a casa para receber essa criança. Roupa de cama, de banho, separar produtos de higiene pessoal [...]. (Fernanda, psicóloga do abrigo institucional Lírio).

Em todas as instituições, os profissionais fizeram referência a alguma preparação para receber a criança, e todos mencionaram procedimentos que diziam respeito a: arrumar um local para a criança dormir (cama ou berço) e separar roupas, objetos relacionados à alimentação (prato, copo, mamadeira, talher), higiene e brinquedo. Fizeram referência também a alguma organização na cozinha que possibilitasse prover alimentação para a criança, mesmo que fora do horário previsto na rotina da instituição (outros trechos de entrevistas no Anexo V).

Mas, e as crianças que já estão acolhidas? O que acontece, em relação a elas? (Fluxograma 14).

PREPARATIVOS

Adultos

Espaço físico, roupas, objetos e alimentos

Crianças que estão acolhidas

Outras considerações

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