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Breve contextualização sobre especificidades dos abrigos institucionais que podem interferir na maneira como a criança é acolhida: “não adianta dizer que é uma casa”

Sumário

Fluxograma 10 – Como os conselheiros tutelares lidam e o que dizem à criança no momento em que a retiram

6.4 A chegada da criança na instituição de acolhimento: “não precisa chorar, vamos

6.4.1 Breve contextualização sobre especificidades dos abrigos institucionais que podem interferir na maneira como a criança é acolhida: “não adianta dizer que é uma casa”

De acordo com a RedSig (Rossetti-Ferreira, Amorim & Silva, 2004): “Os processos de desenvolvimento das pessoas encontram-se situados em contextos cultural e socialmente regulados” (p. 25). Esses contextos ou meios sociais são marcados pelas histórias geral e local, pelos sistemas de valores e crenças prevalentes, assim como são constituídos pelos ambientes físico e social, pelas estruturas organizacional e econômica, entre outros elementos.

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São, também, “definidos por e definem os papéis sociais e as formas de coordenação de papéis/posicionamentos, contribuindo para a construção das relações profissionais, pessoais, afetivas e de poder entre os seus participantes” (p. 26). Assim, numa relação dialética, meio e pessoa se constroem e se transformam mutuamente.

A partir dessa concepção, são analisados alguns aspectos contextuais e específicos das instituições que podem influenciar o processo de acolhimento, mesmo sem estar diretamente a ele relacionados.

Na ocasião da coleta de dados da presente pesquisa, no segundo semestre de 2011, havia demanda reprimida de acolhimento de crianças e adolescentes.

Daniela: [...] os serviços de acolhimento tem uma demanda reprimida de mais de 30. Tem indicação de acolhimento, mas está aguardando vaga [...]. (Daniela, conselheira tutelar).

Pedro: [...] nossos abrigos estão superlotados, então, é a questão da vaga, [...] já aconteceu de ter que fazer um acolhimento e não ter vaga.

Pesquisadora: E aí?

Pedro: Segura o acolhimento. Então, quando é muito urgente, a gente batalha, a gente fala que tem que arrumar de qualquer jeito, mas, às vezes, quando a situação [...] dá para segurar um pouco, a gente acaba protelando [...]. (Pedro, conselheiro tutelar).

Todas as instituições de acolhimento estavam com suas vagas ocupadas ou funcionavam acima de sua capacidade (Abrigo institucional Tulipa). Fora toda a problemática que uma demanda reprimida (outro trecho de entrevista no Anexo Q) desta natureza pode gerar, diante da necessidade de novo acolhimento, estabeleceu-se, no município, um fluxo em que, antes de acolher a criança, há sempre a busca por vaga.

Pesquisadora: Daniela, e os abrigos tem conhecimento anterior de que uma criança vai chegar na instituição?

Daniela: Até porque precisa da vaga [...] . De qualquer maneira é feito um contato, ainda que seja na hora, seja no meio da noite, por exemplo, você liga no abrigo "Olha, é uma situação assim assado, estou levando" [...]. (Daniela, conselheira tutelar).

Valentina: [...] elas (técnicas da Vara da Infância) ligam para saber se tem vaga [...] ou a própria Sandra, que é da Gestão (dos Serviços de Alta Complexidade do município), ela faz um pouco essa distribuição de vagas. Então, elas ligam para saber se tem vaga, se a gente consegue acolher determinada idade, porque, às vezes, tem vaga para outra idade [...]. Geralmente, quando é busca e apreensão, chega no horário comercial, não vem à noite, ou final de semana [...]. Então, a gente sabe exatamente e fica esperando. (Valentina, assistente social do abrigo institucional Lírio).

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Essa busca por vaga possibilita que as instituições saibam com antecedência (horas ou dias) que nova criança chegará (outro trecho de entrevista no Anexo R) e, hipoteticamente, preparar-se para recebê-la. Como é salientado pela assistente social Valentina, nas ONGs35, os acolhimentos acontecem, com raras exceções, em dias e horários comerciais, ou seja, dentro do horário de trabalho das equipes técnicas das instituições. Isso possibilita que membros da equipe técnica participem do acolhimento, na maioria das vezes. Ademais, nessas instituições, não se acolhe além do número de vagas.

Como descrevem Cristiana, João e Angélica, o mesmo não acontece no abrigo institucional Tulipa, que é municipal e funciona como “porta de entrada”36 para o acolhimento de crianças (com idades até 12 anos incompletos):

Cristiana: [...] como eles têm que ver se tem vagas, a gente é avisado. O problema é quando eles ligam para saber se tem vaga, aí a gente fala: “não”, aí eles vão ver os outros abrigos. Se os outros abrigos acolhem, ótimo. Se não acolhem, eles não me ligam de novo avisando que vai vir para cá porque não conseguiu vaga em nenhum lugar. Simplesmente mandam [...]. Como sou municipal [...], mesmo sabendo que eu vou estar superlotada, eles mandam [...]. (Cristiana, coordenadora do abrigo institucional Tulipa).

Pesquisadora: E, então, pelo que você me falou, [...] quando a Vara encaminha, vocês ficam sabendo antes que a criança vai chegar?

João: Sim, eles ligam para nós e perguntam se tem vaga [...]. Eles sempre ligam perguntando, mas eles já sabem que nós estamos acima da capacidade. Nós vivemos uma realidade difícil, aqui, porque a nossa meta é uma e nossa realidade sempre foi outra, muito além do que é a nossa meta [...].

Pesquisadora: E, aí, se eles não encontram vaga nos outros serviços, volta para cá? João: É, muitas vezes, o juiz determina e aí nós temos que acolher, independente se a criança vai ter um cantinho legal ou não [...]. Muitas vezes, não temos camas suficientes, ou até a cama tem, o que não tem é espaço na casa para colocar mais um cama. Então, é necessário colocar um colchão no chão [...]. (João, pedagogo do abrigo institucional Tulipa).

Angélica: [...] a gente está sempre acima da nossa capacidade [...], sempre quase cheio, o dobro da nossa capacidade. Então, a gente está sempre acima daquilo que preconiza as Orientações Técnicas, muito acima. E, além das crianças estarem acima, ainda a equipe (técnica) está reduzida. (Angélica, psicóloga do abrigo institucional Tulipa).

Independentemente de estar sempre acima da capacidade, a instituição é posicionada (e se posiciona) como responsável por acolher demandas emergentes de acolhimento, justamente por ser representante do Poder Público. Soma-se a essa situação, o fato de a equipe

35 Três das instituições que participaram da pesquisa são organizações sem fins lucrativos (ONGs), apenas uma é

municipal.

36 É usado o termo “porta de entrada” porque, quando é necessário acolher crianças após o horário comercial e

em fim de semana, é para essa instituição que são levadas. Caso necessário, no próximo dia útil, será realizada busca por vaga nas demais instituições e, havendo, a criança será transferida. Se não houver, a criança permanecerá no abrigo municipal, mesmo funcionando acima de sua capacidade.

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técnica estar composta por um número insuficiente de profissionais, o que traz consequências que vão muito além de ter cama ou espaço para a criança dormir.

Cristiana: [...] Eu questiono porque o atendimento cai e eu fico com muito medo de tá vitimizando essa criança porque eu sei que a qualidade não vai ser a mesma, no atendimento. Se eu tiver superlotada é humanamente impossível, [...] uma coisa é você ter quatro crianças, outra coisa é você atender dez, não é? A mesma pessoa atender oito, não dá para dar a mesma atenção, olhar olho no olho. (Cristiana, coordenadora do abrigo institucional Tulipa).

Marina: [...] vem dizer que tem que ser mais próximo de uma casa... Me desculpe se eu sou até indelicada, de colocar isso, mas você não pode falar que um lugar que tem 36 crianças é uma casa. E também entendo que, na sua casa, você abre uma geladeira e você pega uma faca. Eu até entendo que a cozinheira não deixa a criança entrar porque a gente tem criança lá com problema de saúde mental e já pegou garfo para ameaçar uma monitora [...], você imagina se todo mundo fizer isso! Então, é diferente. Não adianta dizer que é uma casa porque, com 36 crianças, não vai ser uma casa. Não é [...]. (Marina, assistente social do abrigo institucional Tulipa).

Ambas, Cristiana e Marina, falam da dificuldade de oferecer atendimento personalizado às crianças, que atenda suas necessidades e seus direitos, tal como preconizado pelo ECA (Brasil, 1990), reforçado pela Lei 12.010/2009 (Brasil, 2009a) e pelas Orientações Técnicas (Brasil, 2009e), devido à superlotação e aos recursos de que dispõem.

E como deve ser acolher e ser acolhido, nessas condições?

Aline: [...] Sabe qual é a impressão, Ivy, que eu tenho, sinceramente? Eles não querem mais um lá, que é um problema a mais que está chegando, pela superlotação. Não porque eles não querem trabalhar, mas porque eles sabem da dificuldade que vai ser mais uma criança ali [...]. (Aline, conselheira tutelar).

Ser significada como um problema a mais que está chegando, com certeza, não favorece a receptividade com que será recebida e nem a inclusão da criança nesse novo contexto. E, dependendo de como será sua apreensão dos significados atribuídos a ela e à situação, poderá haver algum comprometimento de seu autoconceito e identidade, afinal, a criança pode entender/perceber que não é bem-vinda naquele local.

Há, ainda, outra peculiaridade, no que diz respeito ao abrigo institucional Tulipa. Há alguns anos, por volta de 2009, a instituição passou por um reordenamento, tendo como uma das medidas a separação da coordenação e equipe técnica, que passaram a ficar em prédio diferente e distante do local onde ficam as crianças e educadores. A coordenadora Cristiana fala sobre como a decisão afetou o momento de recepção/acolhida da criança:

Pesquisadora: Cristiana, qual é sua participação no processo de recepção, de acolhimento da criança que chega?

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Cristiana: Na hora que chega, na verdade, nem sempre eu sou informada, pela rotina que a casa tem [...]. Nesse reordenamento (local onde a coordenação e equipe técnica fica é distante de onde ficam as crianças e adolescentes acolhidos), [...] no início, a gente pensou em trazer a criança acolhida primeiro para cá, mas a gente viu que, na prática [...] isso não se tornou muito viável, [...] porque, às vezes, chegam em horários, assim, que o técnico tá em horário de almoço, o motorista tá em horário de almoço; aí, depois, eu não tenho nem carro para levar a criança daqui até lá, nem monitor junto. Então, a criança chega às vezes com fome, com frio, enfim, com uma demanda que, de imediato, aqui, hoje, eu não tenho como atender. Então, a gente entendeu que seria melhor que a criança chegasse na casa e, depois, os procedimentos a gente ia fazendo conforme a necessidade [...]. Quando sou informada (de que uma criança chegou), quando possível, faço questão de conhecer a criança, pelo menos ver a carinha [...]. Se não dá para passar naquele dia, no dia seguinte, a primeira coisa, antes de vir para cá, é passar lá para ver quem é essa criança, dar um oi, me apresentar e eu já fico sabendo o que já foi feito. (Cristiana, coordenadora do abrigo institucional Tulipa).

Cristiana conta que, após o reordenamento, o acolhimento inicial passou a ser feito na

casa (onde as crianças ficam com os educadores) por causa da infraestrutura e que, portanto,

nem sempre fica sabendo quando uma criança chega. Diz que os procedimentos técnicos são feitos conforme a necessidade. Mas, conforme a necessidade de quem?

A psicóloga Angélica fala um pouco mais sobre como esse distanciamento e o déficit no número de funcionários na equipe técnica alterou sua participação no momento do acolhimento inicial da criança:

Pesquisadora: Angélica, qual é a sua participação no processo de recepção, na chegada da criança na instituição?

Angélica: Olha, participação, eu diria mínima, quase nula. Logo que eu cheguei no abrigo, as crianças ainda moravam aqui, junto com a equipe técnica, então, aí era 100%. Eu é que fazia o acolhimento junto com a estagiária de psicologia. E era muito interessante, porque a gente primeiro ouvia a história, tentava entender o que ela tinha compreendido dessa chegada, o que eles contavam para mim, entre os próprios irmãos, como é que foi, então, eles recontavam muito [...]. Eles contavam de uma forma muito dramática e isso até me fez pensar o quanto seria importante a gente montar grupos com as crianças, nesse momento, e depois, em outros momentos, continuar ouvindo aquela história porque senti que eles queriam repetir sempre e acho que foi muito interessante na época. Eu também podia esclarecer para a criança o que estava acontecendo com ela, dar pistas para elas, algumas aceitavam, outras não, sobre a possibilidade de que a mãe ou o pai, ou os responsáveis, não estavam cuidando bem. Alguns não aceitavam isso, diziam que a mãe cuidava muito bem ponto e basta, mas tinha alguns que ficavam meio em dúvida, não tinha certeza que aquilo estava certo ou não. Quando as crianças foram morar nas casas, eu, ainda, eventualmente, ia até lá e fazia os acolhimentos, como a equipe começou a ficar reduzida, isso acabou praticamente. (Angélica, psicóloga do abrigo institucional Tulipa).

No trecho acima, Angélica evidencia como uma mudança estrutural (local e número de funcionários) pode modificar completamente a atuação dos profissionais envolvidos, afetando, consequentemente, a qualidade do acolhimento oferecido à criança (outro trecho de entrevista no Anexo S).

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A seguir, a coordenadora e as profissionais da equipe técnica da instituição Tulipa falam sobre seu (des)conhecimento a respeito de como a criança é acolhida atualmente.

Angélica: Depende do horário [...]. Eu imagino, não presenciei [...]. Faz a fichinha, se apresenta, fala do abrigo, coloca no banho, dá comida, se não comeu [...]. Mas não tenho certeza absoluta, tenho um pouco de imaginação nisso, mais pelo que se fala, mas não pelo que eu vejo [...]. (Angélica, psicóloga do abrigo institucional Tulipa).

Marina: [...] Eu já ouvi relatos de monitor que daí eles acolhem a criança, se tá no horário de refeição, ela entra na refeição, ou de um banho, vai tomar um banho, dependendo do estado em que chega, mostrar e apresentar as crianças [...]. (Marina, assistente social do abrigo institucional Tulipa).

Pesquisadora: A primeira coisa que se faz é dar banho na criança?

Cristiana: Não tenho certeza disso [...]. (Cristiana, coordenadora do abrigo institucional Tulipa).

Eu imagino, não presenciei; não tenho certeza absoluta; já ouvi relatos de monitor; não tenho certeza disso. Tais expressões evidenciam quanto as profissionais estão excluídas do processo de recepção/acolhimento inicial da criança. E, de certa forma, elas também se excluem, na medida em que, conforme as particularidades institucionais e estruturais a que estão assujeitadas, precisam adaptar-se e escolher algumas prioridades de ação, tal como aponta Angélica:

Angélica: [...] a gente trabalha com referência que, teoricamente, o ideal, é uma dupla psicossocial. O que acontece é que a gente tá sempre acima da nossa capacidade, então, a assistente social atende alguns casos e eu atendo outros, ou seja, cada uma fica responsável por se aproximar mais do grupo familiar e da criança [...]. (Angélica, psicóloga do abrigo institucional Tulipa).

Angélica: [...] Quando eu vim para cá, eu pensei que tinha que modificar todo o trabalho de assistência à família e que eu ia, na verdade, fazer esse tipo de assistência, mas hoje eu me tornei uma especialista em fazer PIA. Só isso que eu faço. Agora é correr atrás de prazo para dar conta de tudo [...]. Eu confesso que isso tem me deixado muito frustrada, assim, muito mesmo. (Angélica, psicóloga do abrigo institucional Tulipa).

Sem terem condições de trabalhar interdisciplinarmente, ou seja, uma psicóloga e uma assistente social atendendo conjuntamente as famílias e crianças, e com as novas demandas e prazos a serem cumpridos, a partir da implementação do PIA, acolher e receber a criança não se constituem como prioridade. Ademais, percebe-se certo descontentamento em relação às limitações impostas ao desenvolvimento do trabalho (outro trecho de entrevista no Anexo T).

O fato da equipe técnica estar alocada em local distante, dificulta que as profissionais participem e acompanhem os momentos significativos do processo de acolhimento, tal como a chegada da criança na instituição. Todavia, a distância em si não é o principal empecilho, uma

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vez que as técnicas poderiam se organizar para transitar e permanecer nos dois locais (prédio técnico-administrativo e prédio onde ficam as crianças acolhidas), conforme a necessidade das crianças e também da atuação interdisciplinar com as famílias. Porém, isso é impossibilitado, na medida em que há um significativo déficit de profissionais (equipe técnica) em relação ao número de crianças e famílias a serem atendidas.

Outro aspecto bastante mencionado pelos profissionais das ONGs, refere-se à dificuldade para contratar pessoas qualificadas e com perfil adequado para o trabalho a ser desempenhado.

Lara: [...] não tem funcionários suficientes para a necessidade de trabalho. Pesquisadora: Educador?

Lara: É.

Pesquisadora: E equipe técnica tem?

Lara: Tá difícil também, [...] não tem quem tem experiência em abrigo, porque a experiência em abrigo ela é peculiar, totalmente diferente [...]. Você tem que [...] saber trabalhar em equipe, ser sensível, ser justo a hora que tem que ser, orientar a hora que tem que ser, saber separar as coisas, então, é bem saber de tudo, olhar da saúde , da educação [...]. (Lara, coordenadora do abrigo institucional Rosa).

Lara diz que não tem funcionários suficientes para a necessidade de trabalho. E a dificuldade para contratar profissionais com qualificação e perfil condizentes com a função, agrava-se devido aos baixos salários oferecidos.

Janaína: [...] é muito difícil, [...] tem um salário muito inferior, então você acaba pegando profissional que não é tão qualificado, mas você tem que pegar porque você não tem quem trabalhe [...]. (Janaína, psicóloga do abrigo institucional Hortência).

Simone: [...] se você não oferece, você também não tem como cobrar. Então assim, é o que aparece [...]. (Simone, assistente social do abrigo institucional Hortência).

No que diz respeito à seleção e contratação de profissionais, as Orientações Técnicas (Brasil, 2009e) sugerem que os candidatos tenham as seguintes características: motivação; aptidão para o cuidado; lidar bem com frustração e separação; trabalhar em grupo; disponibilidade afetiva; empatia; lidar com conflitos; criatividade; flexibilidade; tolerância; proatividade; capacidade de escuta; estabilidade emocional. Ademais, especificamente em relação aos educadores, espera-se que tenham conhecimento sobre: cuidados com crianças e adolescentes; noções sobre desenvolvimento infanto-juvenil; noções sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente; Sistema Único de Assistência Social; Sistema de Justiça; e Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária.

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Porém, essa não é a realidade vivenciada pelas instituições. E considerando as circunstâncias descritas, será que os profissionais contratados têm condições de acolher com qualidade a criança que chega? Possivelmente, não, principalmente porque há poucas oportunidades, na rotina institucional, de refletir e construir coletivamente princípios e procedimentos que abarquem esse momento do acolhimento.

Nessa lógica, em que as instituições se limitam a atender pobremente a pobreza (Vieira, 1999; Rossetti-Ferreira, Ramon & Silva, 2002), a profissionalização dos serviços ainda é um importante desafio a ser vencido. Nesse sentido, de acordo com Escorsim (2008, p. 6), no Brasil, historicamente, as ações filantrópicas estiveram (e pode-se dizer que ainda estão) tomadas pela “concepção caritativa de ajuda ao próximo sob o prisma da moral cristã” (p. 6), o que claramente pode ser observado no trecho a seguir.

Cássia: [...] Se você for pensar "vou trabalhar aqui pelo salário", você não fica [...]. Você tem que ter um pouquinho de amor, não vou dizer que você vai ter 100% de amor, mas ter 80%, 70%, tem que ter amor e gostar daquilo que você faz. Assim, ter esse compromisso [...]. (Cássia, educadora do abrigo institucional Hortência).

Inegavelmente, gostar de e ser comprometido com aquilo que se propõe a fazer é essencial. Todavia, a educadora Cássia frisa que é preciso trabalhar por amor, já que o salário é insatisfatório. O adulto pode, realmente, sentir satisfação ao ocupar o papel daquele que ajuda o outro. Porém, ter um pouquinho de amor pelo que faz torna as educadoras aptas a ajudar a criança a lidar com e (re)significar suas complexas vivências? E, para as educadoras, como deve ser trabalhar com essas demandas contando, frequentemente, apenas com sua boa vontade, caridade, senso comum e sem ter um retorno financeiro digno?

Simone: [...] Ninguém trabalha só porque ama o que faz, a gente depende do financeiro também para sobreviver [...]. Então, faltam, não tem ninguém para cobrir [...]. (Simone, assistente social do abrigo institucional Hortência).

Manoela: A pessoa até entra, mas quando vê que a realidade não é fácil, [...] aí a pessoa acaba desistindo [...]. Se você tiver uma oportunidade de trabalho melhor, ganhando mais, você tem todo o direito de ir, [...] mas você também não pode entrar tendo em vista o provisório [...]. Você não tá lidando com um... é com pessoas; que vão se vincular a você [...]. (Manoela, coordenadora do abrigo institucional Hortência).

Há insatisfação com os salários, o que acaba culminando em faltas e busca por novas oportunidades de emprego com melhor remuneração. As coordenadoras mencionam, então, estratégias que utilizam para lidar e amenizar a insatisfação das educadoras.

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Lara: [...] Mas, a gente tem feito bastante coisa para isso, tá tendo capacitação direto [...], com supervisão de fora, nós passamos a dar plano de saúde para todos os funcionários, nós não descontamos nada deles; então, assim, é um benefício a mais. Ganha cesta básica, seguro [...]. A gente, no aniversário, eles ganham um presente individual da equipe [...]. Então, assim, a gente tem trabalhado também essas questões de cuidado mesmo. (Lara, coordenadora do abrigo institucional Rosa).

Manoela: [...] ainda falta condição, [...] de maior capacitação, um benefício para o funcionário [...]. É importante para o funcionário se sentir olhado pela instituição, então, falta muito isso, infelizmente [...]. Eu vejo que não é porque a instituição acha que não tenha que ter, mas é uma despesa a mais, então, assim, por ser uma despesa a mais, não vamos fazer. E isso vai ficando uma rotina e a pessoa vai se sentindo esquecida [...]. Então, a gente tenta para que isso minimize, [...] a gente faz, vamos supor, a gente tem uma doação de alguma coisa, que as crianças não vão usar, por exemplo, teve a [...] doação de uma cafeteira e [...] aquele negócio de fazer lanche, que faz dois lanchinhos só, para aqui, dois lanchinhos de cada vez, não resolveria. Então, na reunião, a gente sorteou. Às vezes, a gente ganha calçado de adulto, [...] daí, cada um pega [...]. A gente fala que isso não faz o profissional, não faz, mas que ajuda, ajuda [...]. A gente tem que ter muito cuidado com isso, você tem que valorizar as coisas que a pessoa faz, para ela ser vista de um outro lado, porque desse (financeiro e benefícios) ela não é [...]. (Manoela, coordenadora do Abrigo institucional Hortência).

De maneiras diferentes, com mais ou menos recursos, percebe-se que são criadas alternativas para valorizar e incentivar os profissionais, sobretudo os educadores.

Dentre os parâmetros estabelecidos pelas Nações Unidas (2009) para o cuidado

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