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Como os conselheiros tutelares lidam e o que dizem à família no momento em que retiram a

Sumário

Fluxograma 7 Como os conselheiros tutelares lidam e o que dizem à família no momento em que retiram a

criança de seu contexto familiar e/ou de origem.

A conselheira tutelar Aline fala sobre sua forma de conduzir:

Pesquisadora: Aline, qual o procedimento (de retirada da criança de seu contexto familiar e/ou de origem), como acontece?

Aline: [...] Tem conselheiro que conversa mais, com mais tranquilidade com a família, traz a família; por exemplo, eu, sempre por uma questão de respeito com a família, por pior que seja, mas para ela refletir, e por questões de ela saber que não é o Conselho que está fazendo aquilo, foi ela, pela conduta dela, pela forma que ela vem conduzindo a vida dela com os filhos, que está levando o Conselho a ter que tomar essa decisão.

Pesquisadora: Isso é dito no momento da retirada?

Aline: Isso, isso. Então, eu sempre vou conversando "Olha, você está fazendo assim, você está usando substâncias”, ou se não, “Seu filho é, foi espancado, a situação não pode ser assim, tal e tal. Você percebe que você está me fazendo tomar uma decisão que não é a que eu gostaria de tomar, que não é a decisão certa, que a criança tem que estar na família, mas que essa família tem que estar adequada para criar essa criança". Então, [...]às vezes, demora uma, duas horas, mas você consegue fazer a família sair consciente de que ela agiu de forma a perder, naquele momento, o filho [...]. (Aline, conselheira tutelar).

Pelo que descreve, talvez numa tentativa de fazer com que os pais se envolvam com as causas que motivaram o acolhimento, Aline enumera as violações de direitos cometidas em relação à criança e os deveres parentais não cumpridos. Aponta que, às vezes, demora uma,

duas horas, mas você consegue fazer a família sair consciente de que ela agiu de forma a perder, naquele momento, o filho. Esse investimento de tempo com as famílias, com certeza, deve ser valorizado. No entanto, aparentemente, o conteúdo da conversa não trata da corresponsabilização e, sim, da responsabilização/culpabilização da família. Não há, em sua descrição, a referência a uma discussão crítica e contextualizada, a partir de uma escuta atenta dos pais ou responsáveis, sobre a problemática vivenciada. O risco, nesse caso, é convencer a família de que é fracassada e incompetente, portanto, facilmente substituível, em vez de envolvê-la e, realmente, corresponsabilizá-la, contextualizando e (re)significando suas falhas, mas, acima de tudo, apontando sua importância, potencialidades e possibilidades de mudança.

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Valente (2010, p. 140) diz que é comum famílias, ao terem seus filhos acolhidos em instituições ou em famílias acolhedoras, acreditarem que nesses locais eles estarão mais protegidos. Salienta que essa descrença em si mesmas pode se dar em decorrência de um “acúmulo de relações de descrédito que as famílias pobres vêm vivenciando”.

Yunes (2010), nessa mesma direção, discorre sobre os resultados de pesquisa que realizou sobre o modelo de relações adotado pelos agentes sociais e as famílias pobres. Refere que a ausência de empatia e de relação genuína não favorece que as famílias desenvolvam identidade positiva e consciência transformadora. Em vez disso, essa atitude negativa e de descrédito parece agir no sentido de assinalar a incompetência destas no que diz respeito a modificarem sua condição de vida, como se isso dependesse apenas delas.

A conselheira Daniela, por sua vez, salienta aos responsáveis que eles não tem

alternativa:

Pesquisadora: Daniela, [...] como vocês falam para esses pais?

Daniela: Que eles não tem alternativa, que naquele momento é o melhor para proteger os filhos e a eles mesmos, às vezes, um caso de violência física de uma criança, a gente fala que a pessoa está totalmente desnorteada a ponto de agredir um filho e deixar marcado [...], então, fala que é proteção para ele e é proteção para o pai, também, porque imagina se nessa crise de raiva ele mata o filho, ele acha que vai para onde? Então, também é uma proteção [...]. (Daniela, conselheira tutelar).

Chama a atenção, no trecho acima, o enfoque que é dado à periculosidade do pai, como se o afastamento/acolhimento da criança fosse uma medida protetiva inclusive para o adulto. Não há uma inversão/deturpação da proposta protetiva dessa medida? A criança é afastada/acolhida para proteger a si mesma, mas, sobretudo, o adulto, das consequências de seu próprios atos? Assim, a conselheira diz à família que eles não têm alternativa, mas, aparentemente, quem não tem alternativa é a criança.

A conselheira tutelar Aline fala sobre a diferença na forma de conduzir a situação, quando se trata de uma família que já é acompanhada pela rede e de quando não há esse acompanhamento prévio.

Pesquisadora: E tem alguma coisa, assim, que ameniza esse sofrimento, essa angústia que a família se depara diante disso?

Aline: Então, na hora do abrigamento é o que eu disse, se puder não ser de forma tão assim brutal [...], quando dá para conversar, dá para ter um tempo. Quando a família é atendida na rede, ela é o tempo todo trabalhada e conscientizada da não adesão no que pode... [...]. A gente vê que é muito mais fácil, porque ela sabe, [...] ela está consciente do que está acontecendo. Agora, situações que na hora precisa, né, é muito duro. Eu [...] falo: "Mas isso não é uma situação definitiva, nesse momento, está precisando disso, mas o seu filho não vai ficar lá para sempre, isso

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vai depender de vocês, se vocês fizerem tudo que tem que ser feito, já já eles estão de volta para casa. Agora, se vocês continuarem, a opção de vocês for continuar a ter esse tipo de vida, aí vocês não vão ter o filho de volta". Mas quando você fala: "Isso é uma situação temporária" você vê que já diminui muito, porque, qual é a ansiedade deles? De perder [...]. Eles acham que está no abrigo, que pode ser adotado, então, isso realmente enlouquece qualquer pai, qualquer mãe [...]. Então é tudo questão, Ivy, dessa consciência, desse atendimento, dessa conscientização dos pais, o que é o abrigo, que não é dessa forma que eles pensam, aí as coisas ficariam mais fáceis. (Aline, conselheira tutelar).

Aline diz que o sofrimento da família é amenizado quando o acolhimento não é brutal, havendo espaço para a palavra, para a conversa. Menciona que a retirada da criança é mais

fácil quando a família é acompanhada previamente pela rede, pois está consciente do que está

acontecendo. A conselheira sinaliza que há, nessa situação, nem que seja minimamente, a construção de um processo, ou seja, dá para ter um tempo, e esse tempo possibilita que a retirada não seja tão brutal. A questão do tempo também parece ser importante, quando Aline diz que a ansiedade da família diminui, ao saber que o acolhimento é uma situação

temporária. Entretanto, em sua fala, a reintegração familiar é simplificada a ponto de se tornar, apenas, o resultado de uma opção da família: se vocês continuarem, a opção de vocês

for continuar a ter esse tipo de vida, aí realmente vocês não vão ter o filho de volta.

A conselheira Aline também fala de outra intervenção sua com os responsáveis, no caso, a mãe:

Aline: [...] A gente pede para a mãe não chorar na frente, para a criança não ver a mãe chorando. É complicado. Mãe, por exemplo, quando a gente é chamado no DP [Departamento de Polícia], à noite, quando é presa e que tem filhos, que a gente tem que abrigar a criança, porque, por exemplo, ela foi pega com drogas. Então, a mãe, ela ama os filhos, para ela ir presa e os filhos irem para o abrigo é uma situação, mas a gente sempre chega correndo, nas duas vezes que eu fui, cheguei correndo e falei: "Não, olha, procura não chorar, só na frente deles, para não tornar mais difícil para eles, por mais difícil que está sendo para você, dá um beijo, dá um abraço, fala que logo você vai buscar, conversa com eles, fala que você vai lá assim que você resolver os problemas". Porque a criança entende, para não causar aquela, quando eles veem os pais chorando, aí, fica tudo mais complicado, nervoso. Os pais começam a chorar, gritar, aí tudo fica muito mais difícil para a gente, para a criança e para a família. (Aline, conselheira tutelar).

Aline parece não considerar que, com exceção de situações em que haja descontrole emocional que culmine em reações exacerbadas de grito e/ou violência, o choro da mãe, como uma manifestação legítima de seu sofrimento, pode ser saudável e até organizador para a criança. Ao entrar em contato com o sofrimento da mãe, o acolhimento e seu próprio sofrimento (sentimento de abandono) podem ser (re)significados, afinal, a criança pode perceber que a mãe lamenta o afastamento entre elas e que uma é importante para a outra.

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Porém, implicitamente, a conselheira parece pedir para não entrar em contato com o sofrimento da família, o que facilita sua tarefa.

Assim, diante das intervenções a que são assujeitadas, como a família se sente e reage?

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