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Sumário

Fluxograma 1 – Escolaridade dos participantes.

5.6 Procedimentos de análise

De acordo com Spink e Lima (1999), o tratamento dos dados tem início com a imersão do pesquisador nos dados coletados, o que permite que sejam explorados, sem a necessidade prévia de categorização, codificação ou tematização. A partir desse procedimento, surge o confronto entre os sentidos construídos no processo de pesquisa e interpretação e aqueles decorrentes da familiarização prévia com o campo de estudo, por meio de vivências e da revisão bibliográfica.

A perspectiva da RedSig também prevê longo trabalho de ir e vir no corpus, em um diálogo constante com a teoria. Nesse movimento, o conteúdo das entrevistas foi lido e relido inúmeras vezes para que trechos mais significativos pudessem ser selecionados. De acordo com Rossetti-Ferreira, Amorim e Silva (2004), dependendo das perguntas e do momento da análise, determinados significados emergentes das redes são priorizados, num movimento de figura e fundo, no qual diferentes pessoas e contextos assumem maior ou menor relevância.

Para a RedSig, o dado não é “dado” e, sim, construído na relação do pesquisador com o evento pesquisado. O pesquisador é visto como participante ativo da situação, uma vez que seu fazer está imerso em redes de significações que favorecem a emergência de certos significados e sentidos, e não outros, circunscrevendo-o. Desta forma, “o objeto de investigação mobiliza no pesquisador e faz emergir complexas e dinâmicas significações, as quais estruturam e canalizam seus recortes e as interpretações que faz do fluxo de eventos observados” (Rossetti-Ferreira, Amorim & Silva, 2004, p. 33).

A partir dessa perspectiva é que as entrevistas foram analisadas, seguindo os passos propostos por Biasoli-Alves e Dias da Silva (1992), descritos a seguir:

- Realização de leituras sucessivas do material, possibilitando a aproximação do pesquisador com os diferentes temas que foram surgindo;

- Realização de anotações, decorrentes dessa leitura, para apreensão das possíveis interpretações, dos pontos críticos identificados e de seus significados;

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- Compartilhamento dos dados com outros pesquisadores, pessoal ou virtualmente, como forma de verificar as formas de compreensão e interpretação, assim como enriquecer o trabalho;

- Revisões da literatura visando ao aperfeiçoamento e à atualização do assunto tratado; - Busca de regularidades e diferenças nas respostas, investigando suas diferentes nuances; - Realização da análise final com aprofundamento dos dados, afunilando-se o tema em torno de questões centrais, vinculando-o com a realidade, de modo que os indicativos da pesquisa possam contribuir para as reflexões sobre a prática cotidiana.

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6 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados são apresentados a partir de seis eixos principais. O primeiro traz breve discussão sobre algumas concepções que ainda prevalecem na área do acolhimento institucional e que acabam influnciando, direta ou indiretamente, a forma como a criança é recebida e acolhida. O segundo eixo aborda o processo de decisão a respeito do acolhimento da criança, de forma a conhecer, minimamente, algumas mudanças decorrentes da Lei 12.010/2009 (Brasil, 2009a), como se chega a essa decisão e quem participa dela. O terceiro eixo focaliza o processo de retirada da criança de seu contexto familiar e/ou de origem e sua transferência para a instituição – como acontece, reações e sentimentos provocados, entre outros aspectos. Vale destacar que esses três primeiros eixos são importantes para contextualizar e oferecer subsídios para melhor compreensão do quarto eixo, que trata do momento de chegada da criança na instituição, foco principal desta pesquisa. O quinto eixo aborda a relação com a família e a preservação dos vínculos familiares. E, por fim, o sexto eixo traz a perspectiva dos participantes sobre o que pode ser melhorado no processo de acolhimento inicial da criança.

6.1 Concepções prevalentes que ainda envolvem o acolhimento institucional: “um mal necessário”, “um buraco”, “um trauma”, pois “por pior que seja a mãe...”

Algumas concepções, embora antigas, ainda são muito atuais, prevalecendo na forma como as pessoas em geral e, especificamente, aquelas que trabalham diretamente com o acolhimento institucional, pensam e significam essa medida protetiva. O trecho da entrevista da conselheira tutelar Aline, apresentado a seguir, traz conteúdos significativos.

Aline: [...] Para mim é muito frio, o abrigo para uma criança. Por mais que tenha atenção, monitora que brinca, o abrigo não é,é uma instituição [...]. Então, eu já acho uma judiação [...]. Eu sei que é um mal necessário, mas se puder fugir desse mal, eu acho que é a melhor forma. (Aline, conselheira tutelar).

Para a conselheira tutelar, o abrigo não é. Ele é, na verdade, um mal necessário. Gulassa (2005; 2010a) discute esse assunto, apontando que as instituições de acolhimento são, muitas vezes, consideradas dessa forma por seus parceiros e observadores por mostrar aquilo que a sociedade não quer ou não consegue olhar. E sendo um mal necessário,

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consequentemente, não deveriam existir. A autora discute sobre quão temerosa e perversa pode ser essa lógica, pois, apesar de existirem, essas instituições são negadas e abandonadas, tal como a população a que atendem (Gulassa, 2010b).

Para Rossetti-Ferreira, Solon e Almeida (2010), ao serem consideradas como um lugar que não deve existir, impede-se que haja investimentos dos mais diversos tipos, a fim de garantir o planejamento dessas instituições como um contexto saudável e interessante, que promova a formação de laços afetivos e a organização de um ambiente que contribua com o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes.

E consideradas essas circunstâncias, como é acolher a criança num lugar que não deveria existir? Num lugar que não é ou, pelo menos, não é o que deveria ser? O que esperar desse acolhimento?

Aline: [...] por que a gente vê tanto problema com criança que foi abrigada? Eu, no meu ponto de vista, é isso, é um buraco que fica, que eu acho que por mais que seja investido depois, né, tudo, eu acho um trauma muito grande, o abrigamento [...]. (Aline, conselheira tutelar).

Embora a literatura aponte, predominantemente, efeitos negativos em consequência de um longo período de institucionalização, há controvérsias sobre a (ir)reversibilidade de tais efeitos (Gallo et al., 2007). Além disso, nesses estudos, pouco ou nada se discute sobre a relação entre a qualidade dessas instituições e os efeitos causados pela permanência nelas.

Fernández, Alvarez e Bravo (2003), inclusive, realizaram pesquisa na Espanha, com a participação de jovens que haviam passado, pelo menos, nove meses em acolhimento durante a infância, bem como de suas famílias. Os resultados mostram que, apesar das condições dessas instituições não serem as melhores, o desenvolvimento dos meninos e meninas foi bastante positivo. E que, diferentemente do que se acredita, o longo período de acolhimento não exerceu influência negativa relevante, salientando que o mais importante não é quanto tempo se permanece na instituição, mas sim para quê, com que objetivos e com que programas.

Contudo, na fala de Aline, fica claramente evidenciada a ideia que Rossetti-Ferreira (2006) chamou de crônica de uma psicopatologia anunciada, a qual atravessa o campo da adoção e do acolhimento institucional de crianças e adolescentes. Segundo a autora, é como se assumisse que as experiências têm sempre o mesmo sentido para todos que as vivenciam, como se fosse impossível, durante o acolhimento institucional, por exemplo, construir novos vínculos afetivos e usufruir de outras interações significativas ao desenvolvimento, sendo encarado, inevitavelmente, como um marco traumático na vida da criança.

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No entanto, Rossetti-Ferreira (2006) chama a atenção para o fato de que a expectativa pela existência desse trauma e, consequentemente, de problemas e psicopatologias ajudam, muitas vezes, a construir a realidade concreta que se teme que venha a ocorrer. Isso porque o adulto se relaciona com a criança e organiza os espaços de interação, a partir das expectativas que tem acerca do seu desenvolvimento. Dutra (2004) argumenta ser fundamental que os profissionais compreendam que se considerarem o acolhimento e a si mesmos como “parte integrante de um dispositivo nocivo, isso pode acabar refletindo no modo de agir com a criança ou o adolescente acolhido e na condução do caso pela entidade” (p. 133).

Semelhante ao conteúdo trazido por Aline, a fala de Cássia, apresentada a seguir, parece complementá-lo.

Cássia: [...] Eu sempre falo que nada preenche esse local [...], aquele vazio ali dentro, é uma criança, porque, desde que o mundo é mundo, a criança tem pai, tem mãe [...]. (Cássia, educadora do abrigo institucional Hortência).

A educadora Cássia destaca, assim, a concepção prevalente da superioridade dos laços consanguíneos para o cuidado de crianças. Rossetti-Ferreira (2006) aponta que é, em parte, dessa concepção que deriva o imperativo da predestinação à psicopatologia das crianças separadas da família biológica, principalmente a separação da criança pequena de sua mãe, encontrada em várias linhas teóricas, tal como a influente Teoria do Apego, de Bowlby.

Contrapondo-se a tais tendências, Rutter (1995), a partir de suas pesquisas e revisões de muitos outros estudos, argumenta que a criança pode desenvolver relação de amor e segurança com outras figuras, além da mãe. E que é equivocado supor que apenas um período do desenvolvimento é o mais vulnerável, uma vez que a vivência de cada período tem seus diferentes efeitos e tipos de experiências. Afirma também que os indivíduos respondem de diferentes maneiras aos eventos negativos a que são expostos. Dessa forma, conclui que não necessariamente a privação materna trará consequências desastrosas para todas as crianças.

Marin (2010), com base em sua experiência de 8 anos como supervisora de estágio na Febem – Unidade Sampaio Viana (trabalho que teve início em 1979), bem como a partir de observações da rotina, entrevista com os profissionais e contato direto com as crianças, aborda a questão da perda, da falta, da separação, em seu livro. E, de uma maneira muito interessante, discute que isso, em si, não é um problema para o processo de formação de identidade da criança, uma vez que importa a “possibilidade de sua significação e a condição para a simbolização”. O engano da instituição, segundo a autora, é tentar colocar-se como substituta total da família e acreditar que deve “preencher totalmente a criança”, sem permitir ou dar

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espaço para que a criança questione sua origem, seu abandono e, ao mesmo tempo, entenda quem está desempenhando, com ela, os lugares de proteção, ordem e afeto, bem como as possibilidades de futuro de que dispõe (p. 61).

Porém, chega a ser tão forte a idealização em torno da família que o conselheiro tutelar Pedro faz a seguinte colocação:

Pedro: [...] E a gente fala que por pior que seja a mãe, às vezes, a gente quer tá do lado da mãe, mesmo sofrendo algumas violações de direito [...]. (Pedro, conselheiro tutelar).

O que Pedro traz, realmente, pode ser verdade: a criança pode querer estar ao lado de sua mãe, apesar de estar sofrendo algumas violações de direito. Nesse caso, muitas questões podem ser levantadas: que violações são essas? Será que a mãe é tão pior, tão ruim assim? Aos olhos de quem? Apesar de não ser o que esperam que ela seja, essa mãe pode ser boa naquilo que realmente é significativo para aquela criança? No entanto, também podemos nos questionar: será que por trás dessa fala há a crença de que a mãe é insubstituível, pelo simples fato de ser mãe? Será que há a ideia de que o acolhimento institucional e as relações afetivas que lá poderão ser construídas serão sempre de qualidade inferior e menos significativas, mesmo em relação à pior mãe?

A concepção sobre a nocividade do acolhimento institucional está tão enraizada que chega a ser difícil, para algumas pessoas, supor que a criança possa sentir-se bem na instituição, tal como sinaliza a assistente social Marina.

Marina: A de 10 anos, que tem os dois irmãozinhos de 5, ela é muito comunicativa, ela fala bastante. Ela falou para mim que [...] ela estava adorando lá (a instituição de acolhimento). Não sei até quando que ela ia adorar, mas estava adorando, estava super enturmada, abraçando e beijando todo mundo. E a hora que eu a trouxe para cá, para conversar, eu perguntei como que foi para ela, o que ela esperava do abrigo. Ela disse que foi com muito medo [...] e quando chegou lá e viu que podia brincar, que podia ter coleguinha, ela estava muito feliz [...]. (Marina, assistente social do abrigo institucional Tulipa).

Assim, admitir que uma criança adora e é feliz na instituição só é possível se for por um curto período, afinal, Marina frisa que não sabe até quando ela ia adorar. As questões que se colocam são: como pode uma criança ser feliz longe de sua família? Será possível legitimar essa forma alternativa de cuidado de crianças? Será possível oferecer, em caráter excepcional e provisório, um acolhimento de qualidade em instituições, sem com isso competir com o papel fundamental, porém idealizado, que a família ocupa em nossa sociedade?

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Para cada uma das perguntas feitas neste tópico, há inúmeras possibilidades de respostas que inevitavelmente influenciarão, direta ou indiretamente, a forma como a criança será acolhida. Portanto, o acolhimento institucional não deve ser considerado, em si, bom ou mau, traumático ou benéfico. O necessário, então, é ter muito claro o para quê, com que objetivos e com que programas/propostas a criança será acolhida, como muito bem apontam Fernández, Alvarez e Bravo (2003), além de profissionais com perfil e qualificação condizentes com a função que desempenham, uma vez que são esses elementos que determinarão sua finalidade e qualidade.

Mas, na prática institucional, é isso que acontece? Espera-se, ao final desta pesquisa, trazer alguns subsídios que contribuam para essa discussão.

6.2 O processo de tomada de decisão a respeito do acolhimento institucional da criança:

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