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Importância das pessoas de referência e dos objetos significativos no momento de separações e distanciamentos

Sumário

1.6 Importância das pessoas de referência e dos objetos significativos no momento de separações e distanciamentos

Embora a Lei 12.010/2009 (Brasil, 2009a) obrigue a oitiva e a participação da criança/adolescente e de seus pais, ou responsáveis, no que se refere aos “atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção” (artigo 100), o procedimento tem sido feito? A família e a criança têm, realmente, participado do processo de decisão sobre o acolhimento? Se tem ocorrido, pode-se supor que, no momento de retirada da criança de seu contexto familiar e/ou de origem e transferência para a instituição, nem ela e nem sua família são surpreendidas.

Verdadeira ou não essa suposição, é interessante apontar que, em nenhuma das orientações, dos textos e documentos nacionais, há qualquer menção aos procedimentos que

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devem ser adotados no momento de retirada da criança de seu contexto e transferência para a instituição. E, assim, novamente, fica aberta a questão: como isso está sendo feito?

Nota-se também que inexiste qualquer referência à participação de pessoas significativas à criança, familiares ou não, nesse processo de transição, divergindo do que asseguram algumas normativas internacionais (Alabama, 2000; IFCO, SOS-Kinderdorf International & FICE, 2006; State of Queensland, 2013).

Ademais, nessa vivência extremamente solitária para a criança, permeada por importantes separações e distanciamentos, cujas relações e referenciais podem se tornar confusos ou fragilizados, os irmãos podem (poderiam) representar estabilidade, constância e pertencimento, fundamentais para seu enfrentamento e superação (Almeida, 2009; Almeida, Maehara, & Rossetti-Ferreira, 2011). No entanto, ainda é frequente a separação de grupos de irmãos, mesmo que em descumprimento da legislação nacional vigente (Brasil, 1990; Brasil, 2009a, d, e).

Outro aspecto não mencionado é o cuidado em garantir que objetos significativos para a criança sejam levados para a instituição e mantidos com ela, especialmente bebê e criança pequena. Tal medida é especialmente oportuna se consideradas as separações de pessoas que desempenham papel importante para a constituição da criança e a necessidade de promover condições para seu desenvolvimento saudável.

Dethiville (2013) argumenta que há “objetos de predileção” para a criança. Esses objetos ajudam a acalmá-la e tranquizá-la em momentos de angústia, por isso, proporcionar esse recurso é fundamental.

No entanto, os objetos podem ter outra utilização para a criança, ainda mais estruturante para seu desenvolvimento. O psicanalista Winnicott tem vasta produção de conhecimento sobre a importância daquilo que chamou de fenômeno e objeto transicionais.

A criança, ao nascer, não se reconhece separada da mãe (figura materna) e de tudo aquilo que é externo a ela, ou seja, não há diferenciação entre as realidades interna e externa. A diferenciação resulta de um processo “infinitamente sutil e complexo, que marca para a criança o momento de descolamento da mãe” (Dethiville, 2013). Segundo Winnicott (1975, p. 15), “todo indivíduo que chegou ao estágio de ser uma unidade” conta com um exterior e um interior, separados por “uma membrana limitadora”. Quando a organização se constitui, “pode-se dizer que existe uma realizade interna para esse indivíduo”.

Porém, Winnicott (1975) defende que há uma terceira parte, que é a da experimentação, área intermediária entre o subjetivo (parte interna) e o que é objetivamente percebido (parte externa) – a qual dá o nome de fenômeno transicional. Trata-se de um “lugar

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de repouso para o indivíduo empenhado na perpétua tarefa humana de manter as realidades interna e externa separadas, ainda que inter-relacionadas” (p. 15).

O autor dá, então, o exemplo de uma criança que chupa o dedo, enquanto segura um lenço com a outra mão, sem o qual tem dificuldade para dormir. O objeto que se torna fundamental nesse contexto é chamado de transicional.

Esse objeto pode ser a ponta do lenço, um ursinho, uma boneca, um novelo de lã, ou qualquer outra coisa escolhida pela criança, e é um apoio representativo de algum objeto parcial, a mãe, por exemplo (Dethiville, 2013). Para Winnicott (1975), o fato de não ser a mãe, é tão importante quanto representá-la. Assim, o autor defende que o objeto transicional permite que a criança torne-se capaz de perceber a diferença e a similaridade, bem como transitar entre o puramente subjetivo e a objetividade.

Alencar (2011, p. 56) diz que é “a partir da alternância entre a presença e a ausência daqueles que exercem função estruturante para a criança que ela irá escolher um objeto transicional”, o qual vai entretê-la quando “o outro não está”, mas também presentificará sua ausência. De acordo com Winnicott (1975), as crianças, frequentemente, elegem seu objeto transicional entre 4 meses e 1 ano de idade, o qual será usado até que, simplesmente, perca seu o significado. O período em que isso ocorre é diferente para cada criança.

No entanto, nem todas as crianças fazem uso de um objeto transicional no processo de construção da terceira área, ou seja, da área transicional, intermediária, de repouso para o indivíduo. Todavia, as que o fazem, não conseguem ficar sem ele. E isso não se deve ao fato da criança amá-lo, de ser um objeto querido, predileto, mas sim pelo uso que faz dele. De acordo com Dethiville (2013, p. 44): “Ela o “utiliza” como suporte material sensorial de uma atividade que representa o seu mundo”.

Diante dessas considerações, qual o cuidado que se tem com os objetos significativos (transicionais ou não) para a criança e que, por vezes, podem ajudá-la a “suportar os momentos de ausência daquele que exerce função estruturante para ela, sem que essa ausência seja avassaladora” (Alencar, 2011, p. 55)?

Justificativa 53

2 JUSTIFICATIVA

A relevância social desta pesquisa encontra-se na possibilidade de conhecer uma prática institucional – o processo de recepção e acolhida de crianças em instituições de acolhimento –, até o momento não estudada sistematicamente. Ademais, buscar-se-á produzir reflexões que contribuam com a qualificação dos profissionais e dos procedimentos atualmente utilizados, diante da urgente necessidade de serem desenvolvidas práticas que não (re)vitimizem crianças sob medida de proteção.

Objetivos 57

3 OBJETIVOS

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