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Tempo que a criança leva para se adaptar à instituição.

Sumário

Fluxograma 20 Tempo que a criança leva para se adaptar à instituição.

Nos relatos dos profissionais, percebem-se variações:

Fernanda: Uns três, quatro dias, uma semana, uma semana e pouco, elas já estão habituadas com a rotina, já entenderam mais o que é o abrigo, como funciona [...]. (Fernanda – Psicóloga do abrigo institucional Lírio).

Lourdes: [...] Teve umas crianças que choraram três dias seguidos, só parava para dormir [...].

Pesquisadora: E ela acabou ficando bem?

Lourdes: É, que remédio? Aí, acaba se enturmando, principalmente quando pega uma tia que se identifica, pega afinidade, [...] se apega e acaba ficando mais calma. (Lourdes, educadora do abrigo institucional Tulipa).

Flávia: [...] passa uns dois, três dias, a criança se apega àquela pessoa e depois pega amizade com as outras crianças, aí fica no ritmo da casa.

Pesquisadora: Demora uns dias?

Flávia: É, no máximo, acho que uma semana para a criança que tá bem fragilizada. Fica uma semana, depois ela pega o ritmo das outras crianças. Aí vai pegando amizade com as outras crianças e esquece da gente. A gente corre lá, para saber, não procura mais a gente e aí é a gente que vai procurar eles (risos). (Flávia, educadora do abrigo institucional Tulipa).

Entre dois dias e uma semana, mais ou menos, a criança aparenta estar razoavelmente integrada às pessoas e à rotina institucional (outros exemplos no Anexo AX).

Após chorar três dias seguidos, talvez a criança perceba que não adiantará recorrer ao choro, buscando, então, outras maneiras de lidar com a situação, por exemplo, elegendo outras figuras de referência (adultos e/ou crianças).

No entanto, é interessante destacar os resultados de pesquisa realizada no interior do estado de São Paulo, em três abrigos institucionais, contando com a participação de 18 crianças com idades entre 6 e 12 anos, que tinha como um dos objetivos conhecer a rede

Sentimentos e

reações da criança Tempo de adaptação

Sentimentos e reações dos profissionais

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social de crianças em acolhimento institucional. Constatou-se, então, que a rede social das crianças é composta majoritariamente por pessoas do abrigo institucional. No entanto, quando convidadas a desenhar as pessoas mais importantes/significativas em suas vidas, os membros da família nuclear (mãe, pai e irmãos) foram os mais representados. Assim, deduz que, mesmo que o acolhimento provoque mudanças em suas famílias e em suas redes sociais, as figuras principais de afeto permanecem as mesmas de antes (Almeida, 2009; Almeida, Maehara, & Rossetti-Ferreira, 2011).

Há, também, crianças que, desde o início, são fáceis de lidar:

Lourdes: [...] Tem criança que é mais fácil de você lidar, já chega, já tem uma certa afinidade, é quietinha [...]. (Lourdes, educadora do abrigo institucional Tulipa). Sílvia: Tem uns que vêm bonzinhos [...]. (Sílvia, educadora do abrigo institucional Lírio).

Lia: [...] tem criança que chega tranquila [...]. (Lia, psicóloga do abrigo institucional Rosa).

Sofia: [...] tem uns que chegam calmos [...]. (Sofia, educadora do abrigo institucional Rosa).

Goffman (2010, p. 26) argumenta que, nas instituições totais, a padronização completa do processo de admissão daquele que chega na instituição, faz com que seja necessária a cooperação inicial do novato. Aponta, inclusive, que há uma expectativa dos profissionais de que aquele que se mostra obediente nos encontros iniciais, assim permanecerá durante toda sua estadia. O inverso, provavelmente, também é verdadeiro. Quanto isso ainda está presente, atualmente, nas instituições?

Ter um tipo de reação que torna a criança mais fácil de lidar não quer dizer, necessariamente, que não há sofrimento ou qualquer outro sentimento de difícil elaboração. Uma criança que não manifesta seus sentimentos, apesar de não perturbar o coletivo, pode precisar até de mais atenção e ajuda, dos profissionais, do que aquela que se expressa com agressividade, por exemplo.

O que pode estar por trás dessa passividade? Possivelmente, para cada criança haverá uma explicação. Angélica faz alguns apontamentos interessantes:

Angélica: Elas me surpreendem, na maioria das vezes. Eu penso que, assim, eu imagino elas muito assustadas... Minha fantasia: estranhando aquela rotina de comida, aqueles horários tão diferentes, a comida, posturas de gente dando ordens, que às vezes nem tinha, então, aquilo tem um impacto muito grande para elas, porque é diferente demais de tudo o que ela tava vivendo, seja porque na maioria dos casos vem de uma omissão de cuidados, seja porque ela tinha interiorizado umas rotinas que já não são mais possíveis de incorporar e de viver: hora para

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dormir, hora para comer, gente valorizando escola [...]. Então, a minha imaginação me diz que ela tem muito sofrimento, mas, na maioria, parece que ela tem uma agilidade de falar: “Ah, tá bom” [...], muitas delas estão aceitando, estão aproveitando tudo aquilo que, de novo, está sendo dado para ela. Só nos momentos em que eles reencontram os familiares [...] que é chocante, que é o momento que cai a ficha para elas e falam assim: “Gente, eu não tô mais na minha casa, eu quero ir embora para lá”. Esse choro, eu acolho, esse momento do encontro da mãe, “quando eu vou embora?”, “por que eu tô aqui?”, aí aparece. Mas, se não, ia ser muito ágil, assim, a capacidade que elas têm, [...] na sua grande maioria, de arrumar substitutos para a vida, para o contexto. É impressionante! A maioria tem me surpreendido. Eu não sabia que era assim. Há aqueles que não conseguem também. (Angélica, psicóloga do abrigo institucional Tulipa).

Pesquisadora: Mas você acha que eles já chegam assim, com essa disponibilidade, ou esse momento, quando chega, você percebe que...

Angélica: Eu penso que [...] o contexto deles criou internamente uma disponibilidade para eles lidarem com o que acontece aqui, em cada momento, então é uma disponibilidade interna deles [...]. Mas, claro, [...] tem uns que [...] choram, pedem muito pela mãe, é que não conseguem comer [...]. (Angélica, psicóloga do abrigo institucional Tulipa).

A psicóloga Angélica fala de uma capacidade/disponibilidade interna da criança para aceitar ou lidar com aquilo que lhe acontece, que foi desenvolvida a partir do contexto em que estava imersa, até ser acolhida. De acordo com a RedSig, meio e pessoa se constroem e se transformam mutuamente (Rossetti-Ferreira, Amorim, & Silva, 2004). Portanto, o contexto de desenvolvimento dessa criança, marcado pelos efeitos da multiexclusão social, pode ter favorecido que aprendesse que não adianta resistir às situações adversas a que é exposta. Sua impotência e assujeitamento são tamanhos que a criança passa a aceitar qualquer coisa. Assim, a disponibilidade ou capacidade para se adaptar a novas situações, a que se refere Angélica, podem ser compreendidas como passividade.

Por outro lado, existem crianças que, realmente, apresentam boa adaptação à instituição de acolhimento.

Lourdes: [...] tem uns que já chega achando que tá em colônia de férias. Daí, já vai para o banho todo feliz, se tiver com fome, come mesmo, sem dó [...]. (Lourdes, educadora do abrigo institucional Tulipa).

Simone: [...] algumas crianças chegam, assim, parecem que já são da casa [...]. Acho que a situação lá para eles já era tão complicada que chega aqui e fala "Nossa, aqui eu estou bem melhor" [...]. (Simone, assistente social do abrigo institucional Hortência).

Nas situações em que a criança se adapta muito bem e rapidamente à instituição (outros trechos de entrevistas no Anexo AY), deduz-se que a medida protetiva de acolhimento parece ter sido aplicada oportunamente. É provável que essas crianças venham de contextos de privações severas e diversas, tal como apontado a seguir.

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Camila: Depende muito da situação como foi a retirada, né. Porque, às vezes, se lá a criança tá sendo muito maltratada, [...] muita falta de tudo, ela chega bem aqui. Porque aqui já começa procurar as coisas, vê as coisas, as novidades que não tinha em casa e aqui tem. Então, [...] tem criança que se solta, nem parece! E outras não, que [...] não tinha tudo, mas tinha carinho da mãe, né, tinha a presença muito forte da mãe, então esses são mais difíceis. Então, depende muito do tamanho e da forma como veio. Mas, no geral, nesses últimos tempos, eles estão chegando bem aqui, aceitando bem a situação. (Camila, educadora do abrigo institucional Rosa).

Janaína: [...] a gente não tem poucos casos aqui, que a criança está muito bem, que está muito melhor aqui, não são todas, é um parâmetro para a gente também. A criança gosta muito daqui, se transformou, desenvolveu desde fisicamente a emocionalmente. É um parâmetro para a gente ver o nível de violência também na família, na comunidade [...]. (Janaína, psicóloga do abrigo institucional Hortência).

As duas profissionais mencionam que se a criança, logo que chega, sente-se muito bem na instituição, isso está relacionado ao grau de violência de que era vítima em seu contexto de origem (outro trecho de entrevista no Anexo AZ).

Mas, de que violência se está falando? O desafio, então, é discriminar a violência doméstica perpetrada pela família39, da violência estrutural, da qual a família, como um todo, é vítima - o que não justificaria o acolhimento, de acordo com o art. 23 do ECA (Brasil, 1990), demandando a inclusão em programas oficiais de auxílio (Bernardi, 2010a).

Além disso, embora a violência doméstica contra crianças e adolescentes seja um fenômeno histórico, multicausal e esteja presente em todas as classes sociais, há uma complexa relação entre a violência estrutural e a ocorrência de violência doméstica, por causa dos devastadores efeitos da desigualdade e exclusão social (Guerra, 1998).

De acordo com Santos e Dell’Aglio (2012), “violência estrutural é caracterizada pela falta de condições mínimas de sobrevivência das famílias, que sofrem os efeitos da violação de direitos diariamente” (p. 160).

Segundo Bernardi (2010c), a família empobrecida “tem experimentado uma crescente diminuição de sua capacidade de proteger seus membros”. Assim, criar e educar os filhos “tem sido tarefa muitas vezes impossível de ser cumprida pelas famílias submetidas a condições de vida precárias” (p. 37).

O trecho a seguir exemplifica um caso em que, aparentemente, a violência sofrida que levou as crianças à institucionalização era, muito mais, de natureza estrutural,

Valentina: [...] esse grupo de quatro irmãos, um de 10 e um de 7, que eram os maiores. Eles ficaram deslumbrados. Falaram que “foi o melhor lugar que eu já entrei na minha vida”. Nunca tinham visto shampoo, na vida. Queriam tomar banho

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toda hora, para usar o shampoo. Nunca tinha visto uma TV, porque na casa deles não tem. Então, eles ficaram deslumbrados. Na verdade, eles falam assim: “Meu pai e minha mãe podem vir morar aqui?”, porque não querem voltar. Querem o pai e a mãe, mas não querem voltar para a casa. Querem ficar aqui com o pai e a mãe [...]. (Valentina, assistente social do abrigo institucional Lírio).

O pedido da criança é para que os pais também sejam protegidos (outro trecho de entrevista no Anexo BA). Tal situação escancara a falência ou inexistência do trabalho com a família, levando a um acolhimento que não é recomendado pela legislação (Brasil, 1990).

E os profissionais? Como se sentem e reagem com a chegada de uma nova criança?

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