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Orientações sobre recepção e acolhida de crianças em acolhimento institucional

Sumário

1.5 Orientações sobre recepção e acolhida de crianças em acolhimento institucional

Ao ser acolhida, de uma hora para outra, a criança se vê longe de todos aqueles com quem já havia construído alguma vinculação afetiva, seja com os pais, irmãos, avós, tios, primos, vizinhos, colegas da escola e, até mesmo, os animaizinhos de estimação e objetos significativos. E, ao mesmo tempo, se vê cercada de pessoas que nunca havia visto, num lugar que lhe é desconhecido.

França (2007) chama a atenção para o fato de que, por melhor que seja uma instituição de acolhimento, ainda assim será um espaço totalmente novo e estranho para a criança. A autora descreve esta situação, salientando que, subitamente, a criança perde todo o referencial de que dispunha, além de, frequentemente, se ver cercada por pessoas estranhas que “não lhe dirigem a palavra, que não lhe explicam nada do que estão fazendo e que, ainda por cima, pretendem que ela compreenda que estão fazendo tudo aquilo pelo seu bem” (p. 2).

Todavia, Fraga (2008) aponta que a chegada de uma criança na instituição de acolhimento é, muitas vezes, um momento de significativa tensão e que desperta, também nos educadores, um emaranhado de sentimentos e emoções, como, por exemplo, tristeza, piedade, nervosismo e raiva, que acabam por mobilizar angústia bastante intensa.

É justamente pelo fato de lidar cotidianamente com dramáticas situações de vida que o profissional acaba desenvolvendo formas de se proteger do sofrimento. No entanto, essa proteção não pode se constituir em um afastamento emocional tão radical que o impeça de ser empático com o sofrimento do outro. Quando a capacidade de empatia encontra-se obstruída, o passo seguinte será tratar o outro como destituído de subjetividade, como “coisa” (França, 2007).

Nesse sentido, o documento Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes (Brasil, 2009e) aponta que, para que a acolhida inicial seja afetuosa e não represente a revitimização de crianças e adolescentes, é importante que se disponha, entre outras providências, de profissionais (técnicos e educadores) “disponíveis e capacitados para a realização de acolhida afetuosa e segura, capazes de compreender as manifestações da criança ou adolescente no momento de chegada que envolve ruptura, incerteza, insegurança e transição (silêncio, choro ou agressividade, por exemplo)” (p. 45).

França (2007) aprofunda a discussão salientando que não é tarefa simples colocar-se no lugar do outro e ser sensível ao seu sofrimento, sem se misturar com o sofredor. É necessário, então, acompanhamento por parte de outros profissionais, além de

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compartilhamento das dificuldades em reuniões de equipe. É preciso cuidar de quem cuida. Apenas quando dispõe de uma escuta respeitosa e sensível às exigências emocionais que o trabalho lhe traz é que o profissional pode, por sua vez, dispensar à criança cuidado com a mesma qualidade.

Acrescenta-se ainda que, além do investimento na formação, capacitação e suporte aos profissionais, se faz essencial que os procedimentos relacionados ao processo de recepção e acolhida a crianças estejam contemplados no Projeto Político-Pedagógico [PPP] das instituições. Ressalta-se, porém, que o PPP deve ser elaborado coletivamente, com a participação dos todos os profissionais da instituição, as crianças e seus familiares, sempre que possível. Sua função é orientar a proposta de funcionamento do serviço como um todo, inclusive seu funcionamento interno e relacionamento com a rede local, as famílias e a comunidade (Brasil, 2009e).

Em âmbito internacional, normativas asseguram que o processo de decisão a respeito do acolhimento da criança deve se dar com transparência e com total participação da criança e da família (IFCO, SOS-Kinderdorf International & FICE, 2006; State of Queensland, 2013). Nessas condições, normas europeias asseguram a obrigatoriedade de informar a criança sobre tudo o que lhe diz respeito, conforme seu estágio de desenvolvimento e capacidade de compreensão (IFCO, SOS-Kinderdorf International & FICE, 2006). Normas australianas (State of Queensland, 2013) especificam a necessidade de oportunizar que a criança exponha sua opinião, envolvendo-a no processo de decisão. Todavia, o documento ressalta que esse é um direito dela e que não se pode exigir que se expresse contra sua vontade.

Desta forma, a participação da criança, e de sua família, no processo de admissão no serviço de acolhimento, é garantida (IFCO, SOS-Kinderdorf International & FICE, 2006; State of Queensland, 2013). Prevê-se, então, que devem receber informações sobre o local e que a criança possa conhecer e se familiarizar com antecedência, tanto com o local, como com o educador que cuidará dela (Alabama, 2000; IFCO, SOS-Kinderdorf International & FICE, 2006).

Normas europeias (IFCO, SOS-Kinderdorf International & FICE, 2006), garantem que a transferência da criança para o serviço de acolhimento deve causar o menor transtorno possível a ela e também à sua família. Os parâmetros das Nações Unidas (2009) ainda determinam que a transferência deve ser feita de maneira sensível e amigável, por pessoas especialmente treinadas.

Todas as normativas pesquisadas determinam que os grupos de irmãos não devem ser acolhidos separadamente, a menos que esse seja o desejo da criança ou vá contra seus

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interesses e a coloque em risco, em consonância com a legislação brasileira. E para assegurar a qualidade do serviço prestado, determinam o investimento na formação dos profissionais que atuam nessa área (Brasil, 1990; State of Alabama, 2000; International Foster Care Organization [IFCO], SOS-Kinderdorf International & Fédération Internationale des Communautés Educatives [FICE], 2006; State of New Jersey, 2008; Brasil, 2009a; Brasil, 2009d; Brasil, 2009e; Texas Department of Family and Protective Services, 2010; State of Queensland, 2013).

No estado do Alabama, nos Estados Unidos, e na Europa (State of Alabama, 2000; SOS-Kinderdorf International & Fédération Internationale des Communautés Educatives [FICE], 2006), prevê-se o direito da criança à visitação, a menos que existam motivos contrários documentados. Já em New Jersey, também nos Estados Unidos, estabelece-se que os horários de visita devem ser flexíveis, a fim de assegurar a regularidade (State of New Jersey, 2008). As duas normativas americanas determinam, ainda, que se deve oferecer condições de privacidade à família e à criança durante a visita, exceto em situações que sugiram o contrário. Ambas também evidenciam as condições e formas de garantir que a criança mantenha contato com a família a partir de ligações telefônicas, e-mails e cartas (State of Alabama, 2000; State of New Jersey, 2008).

Em linhas gerais, os textos, documentos e as orientações para o processo de recepção e acolhida em instituições de acolhimento no Brasil (França, 2007; Brasil, 2009e; Elage, 2010; Bernardi, 2010; Gulassa, 2010b), apontam que a chegada de uma nova criança deve ser um evento planejado antecipadamente. A criança deve ser tratada pelo nome, de forma respeitosa e afetuosa, e ser informada sobre o que e por que está sendo acolhida. Deve-se também oferecer-lhe espaço de escuta. O ambiente e as pessoas presentes na instituição, devem lhe ser apresentadas. Além disso, propõem que suas necessidades imediatas sejam satisfeitas, como fome, dor e sono, entre outras. A apresentação das regras da instituição é prevista, bem como a construção de um Plano Individual de Atendimento (PIA)6. O

6 O Plano Individual de Atendimento [PIA] é uma exigência incorporada pela Lei 12.010/2009 ao ECA. De

acordo com a legislação (Brasil, 2009a), a construção do PIA deve ter início assim que a criança chega na instituição, sob a responsabilidade da equipe técnica do serviço de acolhimento, assegurando-se a opinião da criança ou do adolescente e a oitiva dos pais ou do responsável. O objetivo do PIA, conforme prevê a Lei 12.010/2009, é a reintegração familiar da criança, prioritariamente na família de origem e, caso isso não seja possível, em família substituta. Deverão constar no documento: os resultados da avaliação interdisciplinar; os compromissos assumidos pelos pais ou responsáveis; e a previsão das atividades a serem desenvolvidas com a criança ou com o adolescente acolhido e seus pais ou responsável (artigo 101).

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favorecimento de formação de vínculos afetivos e de confiança entre os adultos e as demais crianças também fazem parte das orientações.

Pressupõem-se que todas essas medidas fazem parte de um processo gradual que vai se realizando, em que vão se observando as reações e as necesssidades da criança a cada momento e procurando acolhê-la da melhor forma possível.

No entanto, é conhecido o fato de que, muitas vezes, há um grande descompasso entre o que está previsto nas leis, nos planos e nas diretrizes, e a sua viabilização no cotidiano daqueles que são os responsáveis por colocá-las em prática. Colocam-se, então, algumas questões: os procedimentos utilizados estão protegendo as crianças da (re)vitimização, assim como se espera? Essas orientações são suficientes para não (re)vitimizá-las? Os profissionais recebem apoio/cuidado, formação, capacitação e supervisão, a fim de desempenhar seu trabalho, acolhendo as crianças com qualidade?

Talvez nem todas essas questões sejam respondidas por esta pesquisa, mas não podem ser caladas. Este e muitos outros trabalhos são e serão de relevância se quisermos conhecer as condições a que estão submetidas milhares de crianças em nosso país. Este é o primeiro passo para podermos refletir sobre nossas práticas e propor melhorias que contribuam para o desenvolvimento das crianças acolhidas e também dos profissionais que com elas trabalham e convivem.

1.6 Importância das pessoas de referência e dos objetos significativos no momento de

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