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Coerência como processo de construção de sentidos

6 APROFUNDANDO A ESCUTA: TEXTOS E CONCEPÇÕES

6.2 CONCEPÇÕES SOBRE COERÊNCIA

6.2.2 Coerência como processo de construção de sentidos

Um processo de construção de sentidos que se realiza em interação, pelo relacionamento das informações ativadas no texto com os conhecimentos de mundo, linguísticos e metagenéricos do sujeito leitor. Pressupõe, então, um sujeito leitor ativo, coconstrutor de sentidos. Essa concepção de coerência foi-nos dialogada por Profissional de Fé (09 dez. 2014), um dos sujeitos de nossa pesquisa, que definiu o texto como uma construção intersubjetiva e contextualizada, que manifesta uma finalidade e uma intenção, ou seja, configura um projeto de dizer. Por isso, o leitor deve mobilizar conhecimentos para compreender o texto, atuando para torná-lo uma configuração veiculadora de sentidos.

Nesses termos, argumentou que o texto pode se tornar coerente ou não durante a interação; o que significa dizer que a coerência é uma construção online, que se realiza no processamento textual (produção, leitura e compreensão), pois mobiliza sujeitos (autor e leitor) em torno de um objetivo comum: produzir intercompreensões. Ao assumir essa concepção, Profissional de Fé (09 dez. 2014) enfatizou que um mesmo texto poder ser coerente para uns, e para outros, não. Tudo depende do processo de interação, uma vez que a

coerência não constitui qualidade apriorística, mas uma possibilidade de sentidos que se processa na interação autor-texto-leitor(es).

Quando abordou o papel dos sujeitos envolvidos no processo de interação, Profissional de Fé (09 dez. 2014) destacou, sobretudo, a função exercida pelo leitor na construção de sentidos. Buscou, então, salientar que o termo “coerência” não designa uma propriedade imanente do texto. Ele se refere a uma construção realizada por sujeitos que - de forma motivada, situada e contextualizada - atuam para compreender o texto como uma configuração veiculadora de sentidos. Por essa razão, a noção de coerência diz respeito a uma atividade interpretativa realizada pelos leitores, que mobilizam conhecimentos acumulados, para atribuir sentidos aos conceitos, informações e processos linguísticos ativados pelo texto.

Esse tipo de concepção também costuma ser respaldada por alguns pesquisadores da Linguística Textual, conforme se pode ver em:

O sentido de um texto é, portanto, construído na interação texto-sujeitos (ou texto- co-enunciadores) e não algo que preexista a essa interação. Também a coerência deixa de ser vista como mera propriedade ou qualidade dos textos, passando a dizer respeito ao modo como os elementos presentes na superfície textual, aliados a todos os elementos do contexto sociocognitivo mobilizados na interlocução, vêm a constituir, em virtude de uma construção dos interlocutores, uma configuração veiculadora de sentidos. (KOCH, 2009b, p. 17)

Consoante o ponto de vista assumido por Koch (2009b), os elementos do cotexto (superfície textual) não são suficientes para a construção dos sentidos. Em razão disso, autor e leitores recorrem aos elementos do contexto sociocognitivo durante a atividade textual, com o objetivo de produzir compreensões. Os conhecimentos partilhados pelos interlocutores integram esse contexto cognitivo, que exerce papel preponderante na tessitura dos sentidos do texto, assim como as informações referentes ao contexto sócio-histórico-cultural do processo de interação.

A noção de contexto sociocognitivo engloba os conhecimentos de mundo, enciclopédicos, sociointeracionais e procedurais assimilados pelos interlocutores. Durante o processamento textual, esses conhecimentos são acionados, possibilitando aos interlocutores atuarem como coconstruores de sentido. Para isso, relacionam as informações (linguísticas e conceituais) indiciadas na cotextualidade (superfície textual) com os conhecimentos que possuem arquivados na memória e, assim, participam ativamente do processo de construção de sentidos.

A relação entre contexto sociocognitivo e processamento textual é abordada por alguns estudiosos do texto que buscam explicar como os conhecimentos de mundo costumam ser arquivados na memória e quais as influências desse tipo de saber para a atividade

interpretativa da coerência textual. Beaugrande & Dressler (1992) consideram que os conhecimentos de mundo não são armazenados aleatoriamente na memória, pois os sujeitos desenvolvem modelos cognitivos globais (frames, esquemas, planos e scripts), que organizam os conceitos e as informações que apreendem ao longo da vida.

Os conhecimentos do senso comum costumam ser organizados na memória por uma relação de integração (os frames). Assim, um conceito central (Escola) pode ser associado a outros (professores, alunos, livros, estudo etc), criando relações não ordenadas entre o todo (o conceito central) e seus integrantes (componentes associados ao todo). Outra forma de arquivar conhecimentos na memória é por meio da associação ordenada de eventos ligados por relações temporais ou de causalidade, constituindo os esquemas. Nestes os conceitos são sempre revestidos de uma progressão, o que possibilita ao falante criar hipóteses sobre a sequência de acontecimentos do mundo textual.

Conhecimentos relacionados ao planejamento de uma ação para atingir determinado objetivo, como os que envolvem a atividade de produção textual, são conjuntamente arquivados na memória, constituindo os planos: “ PLANS are global patterns of events and states leading up to an intended GOAL.” (BEAUGRANDE & DRESLLER, 1992, p. 90-91)10. Os conceitos relacionados aos usos da linguagem em determinada cultura também são armazenados em conjunto, constituindo os scripts, que reúnem, por exemplo, informações sobre como devem agir os interlocutores em uma situação de interação.

Beaugrande & Dressler (1992) argumentam que os modelos globais, representativos do modo como armazenamos conhecimentos na memória, são bastante relevantes para o processamento textual, pois auxiliam nas atividades de produção, leitura e compreensão textuais:

- os frames influenciam o desenvolvimento dos tópicos discursivos, pois sugerem quais conceitos podem ser relacionados às coisas sobre as quais falamos e escrevemos;

- os esquemas intervêm na progressão dos acontecimentos e ideias de um texto, posto que reúnem conhecimentos sobre a ordenação temporal e causal das coisas sobre as quais falamos e escrevemos;

- os planos fornecem-nos informações, suscitando hipóteses, sobre como os interlocutores ou os personagens do mundo textual devem agir para atingir seus objetivos;