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4 COMO UM ARTESÃO INTELECTUAL EM BUSCA DE COMPREENSÕES

4.7 OS SUJEITOS DA PESQUISA

4.7.2 Profissional de Fé

A segunda participante de nossa pesquisa é licenciada em Letras Vernáculas pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), é especialista em Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Portuguesa pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), mestre e doutora em Letras: Linguagem, Cultura e Ensino, pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Também possui vasta experiência docente, com vinte e três anos de atuação em sala de aula, dezesseis deles no meio institucional onde desenvolvemos nossa pesquisa de campo. Atualmente leciona a disciplina Língua Portuguesa para alunos do segundo ano do Ensino Médio.

Costuma se manter atualizada sobre as descobertas linguísticas lendo publicações diversas, sobretudo aquelas que versam sobre a Análise do Discurso, área da Linguística em que desenvolveu suas pesquisas de mestrado e doutorado. Busca se informar a respeito das

pesquisas sobre o ensino da língua estabelecendo contatos com outros professores da área e lendo livros que abordam essa questão, pois não costuma participar de eventos científicos e de cursos de formação continuada, haja vista que, após o doutorado, precisou dedicar cuidados aos dois filhos nascidos há pouco tempo: o primeiro, quando a docente ainda cursava o doutorado na UFPB; o segundo, logo depois da defesa da tese.

As questões abordadas pela Análise do Discurso interessam-lhe muitíssimo, principalmente as teorias formuladas por Foucault; por isso costuma se dedicar à leitura das obras desse autor, que, na opinião dessa docente, além de nos possibilitar compreender questões discursivas em voga na sociedade, mostram que o sujeito pode cuidar de si e, assim, praticar a liberdade. A docente nos disse que as questões sobre o discurso subsidiam o trabalho que ela desenvolve em sala de aula, mas alerta: “Não é que eu trabalhe assim com os alunos diretamente. Mas as leituras que mais me interessam e que me dão subsídio para trabalhar na sala de aula são mais da minha área de interesse, que é sobre o discurso” (PROFISSIONAL DE FÉ, 20 out. 2014).

Ao dizer isso, enfatizou que o professor não pode transpor diretamente para a sala de aula questões específicas de sua formação, pois não se deve usar os espaços/tempos de aula como laboratório para experimentar/comprovar teorias científicas. A ação docente precisa visar à formação de leitores, de cidadãos críticos capazes de buscar informações e os instrumentos tecnológicos disponíveis na sociedade “para se constituírem como sujeitos mais autônomos na sua própria construção do conhecimento” (PROFISSIONAL DE FÉ, 20 out. 2014), e isso requer formação sólida do professor, mas não pressupõe que questões técnicas, específicas dessa formação, sejam ensinadas aos alunos como conteúdos didáticos.

Durante nossos momentos de entrevista, essa professora também demonstrou disposição para colaborar com a pesquisa, fornecendo algumas explicações, bastante elucidativas, sobre os fundamentos de sua prática docente. Fala com segurança e naturalidade sobre algumas questões centrais de nosso objeto de pesquisa, como língua, texto e ensino de língua. Parece convicta do papel que exerce como formadora de leitores e dos pressupostos teóricos que fundamentam o seu olhar sobre a prática docente na área de Língua Portuguesa. As respostas que nos forneceu durante os cinco momentos de realização da entrevista compreensiva revelam um tom sereno, de alguém que, quando fala, passa segurança ao interlocutor. Além disso, destacam-se a clareza de suas exposições, sempre formuladas com didatismo, e a cumplicidade com que dialogava conosco durante as entrevistas.

As convicções externadas por essa docente durante nossos encontros – algumas durante os próprios momentos de entrevista, outras, em conversações informais – levaram-nos

a optar por caracterizá-la como uma Profissional de Fé. Essa caracterização foi construída por duas razões principais:

- a docente costuma recorrer a passagens bíblicas para justificar as escolhas que faz sobre a educação dos próprios filhos, demonstrando que a fé cristã norteia suas escolhas educacionais, suas atitudes diante dos filhos e suas responsabilidades maternas. Além disso, expressou a opção metodológica pelo texto em sala de aula como uma declaração de fé, afirmando: “[...] eu fiz uma promessa, para mim mesma, de que todas as minhas aulas precisam partir de um texto. Todas!” (PROFISSIONAL DE FÉ, 20 out. 2014). Tudo isso nos remeteu à imagem daquela que, ao agir, pensa na fé, pois a fé não a deixa falhar, numa referência à canção intitulada “Andar com fé”, de autoria de Gilberto Gil;

- a docente não pressupõe incompatibilidade entre o trabalho com o texto em sala de aula e o ensino das regras da gramática normativa, pois, para ela, a formação para a leitura e a escrita não prescinde da tarefa de fazer o aluno compreender e assimilar “a norma culta” (PROFISSIONAL DE FÉ, 20 out. 2014). A docente concebe a língua como “[...] um código instituído, e nós, sujeitos, nascemos e nos obrigamos, entre aspas, né, a utilizar esse código” (PROFISSIONAL DE FÉ, 20 out. 2014). Por isso, afirmou ser “uma defensora do estudo da norma culta na escola, apesar de todas as pedras que possam ser jogadas em mim, eu sou uma defensora disso” (PROFISSIONAL DE FÉ, 20 out. 2014)3. Com isso, demonstrou conceber que o ensino da metalinguagem da gramática normativa é necessário ao desenvolvimento das habilidades de escrita pelo aluno. Então, ao relacionar a aprendizagem da norma gramatical à atividade de escrita, a professora fez-nos lembrar do poema “Profissão de fé”, de Olavo Bilac.

Assim sendo, a categorização “Profissional de Fé, construída pela associação das falas dessa professora com os sentidos que nos são despertados pela leitura dos textos de Gilberto Gil e Olavo Bilac, parece-nos condizente com a compreensão que tecemos sobre a constituição da subjetividade de alguém que:

- fez, para si mesma, uma promessa, tomando o texto como elemento fundamental para suscitar a aprendizagem da gramática normativa, da leitura e da produção textual;

- mantém o compromisso com a educação básica, adaptando os saberes construídos ao longo de uma sólida formação docente às necessidades e às características de seus alunos;

3 Profissional de Fé utilizou, durante os diversos momentos de entrevista compreensiva, a expressão “norma culta” como sinônimo de “norma padrão”. Mas é preciso esclarecer que, segundo Silva (2004, p. 108 e 109), a norma padrão representa um ideal de língua adotado pelos estudos literários e preconizado pela tradição escolar; já a norma culta, ou, melhor dizendo, as normas cultas representam os falares dos indivíduos escolarizados de maior prestígio social. Por isso, segundo a Sociolinguística, norma padrão e normas cultas referem-se a normas linguísticas distintas.

- não perde a esperança na função transformadora da educação, nem abandona suas convicções;

- demonstra solidamente conhecer os princípios, as fundamentações teóricas e as metodologias que respaldam seu trabalho de ensino da língua na escola.

Por tudo isso, deste ponto em diante, o segundo sujeito de nossa pesquisa será referenciado pela expressão predicativa “Profissional de fé”, ou pela forma abreviada “PF”.