• Nenhum resultado encontrado

COESÃO TEXTUAL E A ATIVIDADE SOCIAL DA ESCRITA

3 COESÃO TEXTUAL: “DECRIFA-ME OU TE DEVORO”

3.3 COESÃO TEXTUAL E A ATIVIDADE SOCIAL DA ESCRITA

Antunes (2005) dedica-se ao estudo da coesão textual, a fim de fornecer a professores e estudantes uma exploração satisfatória acerca de questões pertinentes à produção textual

escrita, mais especificamente, coesão e coerência. Para isso, apresenta uma releitura da proposta de Halliday & Hasan (1976) sobre coesão e suas funções textuais; defendendo que, embora outros fatores (intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, informatividade, intertextualidade) possam contribuir para que um conjunto de palavras funcione e seja reconhecido como texto, não se deve esquecer da imprescindibilidade da coesão para a construção da textualidade.

A proposta de análise da coesão textual formulada por Antunes (2005) pressupõe que a língua seja uma atividade social. Isso significa assumir que a língua não é apenas gramática, ou seja, não se reduz às convenções fonológicas e morfossintáticas do sistema linguístico, nem a uma semântica desprovida de influências socioculturais. Ela representa um sistema simbólico por meio do qual os sujeitos intencionalmente constroem (ou apresentam) a realidade, de forma situada e contextualizada; por isso, envolve a história, a cultura e aspectos da vida da comunidade da qual os falantes fazem parte. Noutros termos:

[...] a língua não é um sistema de signos isolado do resto do mundo. Tudo o que acontece, tudo o que é pensado, que é previsto, que é concebido aparece refletido na linguagem. Não, como vimos, com a total fidelidade de um espelho ou uma fotografia. Tampouco como se a língua fosse uma espécie de nomenclatura disponível para que se possa simplesmente dar nomes corretos a todas as coisas. A língua envolve, conforme já disse, diferentes fatores em interação e seus usos nunca podem ser vistos, apenas como materiais linguísticos. (Falta a escola perceber isso!). (ANTUNES, 2005, p. 189)

Com o respaldo dessa visão de língua, a autora argumenta que o ato de escrever (de produzir textos) é uma prática socialmente relevante que se realiza com objetivos claros, visando à interlocução; portanto supõe sempre o outro (um leitor). É também uma atividade que envolve um querer dizer, fazendo-se compreensível (coerente); por isso pressupõe o acionamento de algum gênero de texto, escolhido em razão da situação de interação, dos objetivos do ato de comunicação e do tema abordado. Tudo isso implica compreensão dos mecanismos de textualização por meio dos quais um querer dizer assume uma proposta coerente de sentidos.

Dentre os mecanismos de textualização, destacam-se coesão e coerência. A primeira compreende uma “propriedade pela qual se cria e se sinaliza toda espécie de ligação, de laço, que dá ao texto unidade de sentido ou unidade temática.” (ANTUNES, 2005, p. 47). A segunda representa “uma propriedade que tem a ver com a possibilidade de o texto funcionar como uma peça comunicativa, como um meio de interação verbal.” (ANTUNES, 2005, p. 176). Nessa concepção, ambas são interdependentes, pois, segundo a autora, não há uma coesão que exista isoladamente; seu principal objetivo é auxiliar a construção da coerência, tornando o texto compreensível para os leitores.

No que diz respeito à interdependência entre coesão e coerência, Antunes (2005) contesta a visão predominante nos estudos textuais de que a coesão não é suficiente nem necessária para a construção da coerência. Segundo a autora, isso pode valer para alguns textos, produzidos em situações específicas, mais comuns em campos específicos da linguagem, como a literatura e a publicidade, por exemplo; mas não condiz com a realidade da grande maioria das interações verbais que realizamos cotidianamente, nas quais os recursos de coesão auxiliam a construção da coerência do texto. Por isso, sentencia que a coerência é:

[...] em primeira mão, linguística. Não se pode avaliar a coerência de um texto sem se ter em conta a forma como as palavras aparecem, ou a ordem de aparição dos segmentos que o constituem. O texto supõe uma forma material, e essa forma material supõe uma organização padronizada, definida. (ANTUNES, 2005, p. 176)

Levar em conta essa forma material implica em considerar a importância exercida pelos recursos da coesão na constituição dos sentidos, haja vista que esses recursos sinalizam várias ligações no texto, interligando segmentos; o que favorece a atividade de compreensão textual. A presença de recursos da coesão faz do texto uma produção de linguagem na qual as partes “não estão soltas, fragmentadas, mas ligadas, unidas entre si.” (ANTUNES, 2005, p. 47). Essa ligação é, segundo a autora, primordialmente semântica e viabiliza três tipos de relações textuais:

- a reiteração, que possibilita a retomada de informações postas ou pressupostas no texto;

- a associação, que se materializa pelo acionamento de vocábulos semanticamente próximos;

- a conexão, que promove a ligação sintático-semântica entre diferentes constituintes textuais.

A materialização dessas relações no texto ocorre pelo acionamento de procedimentos distintos, a saber:

- a reiteração pode ser viabilizada pelos procedimentos da repetição e da substituição; - a associação é realizada pela seleção lexical;

- a conexão depende da constituição de relações sintático-semânticas entre termos, orações, períodos, parágrafos e blocos supraparagráficos.

Para se realizarem textualmente, os distintos procedimentos da coesão textual requisitam o acionamento de operações concretas, que Antunes (2005) denomina de recursos da coesão textual. Assim sendo, cada procedimento possui um repertório de recursos que auxiliam o produtor do texto a construir as relações de coesão desejadas. Os recursos da coesão reúnem itens da língua, como também modos de se operar as unidades do sistema

linguístico, possíveis de serem acionados durante o ato de produção textual, para consubstanciar procedimentos de retomada, de substituição, de seleção lexical e de conexão, que, por sua vez, asseguram as relações textuais que a coesão sinaliza em um texto.

O procedimento da repetição pode ser efetivado pelos recursos da paráfrase, do paralelismo e da repetição propriamente dita. O procedimento da substituição conta com os recursos da substituição gramatical (retomada por pronomes e advérbios), da substituição lexical (retomada por sinônimos, hiperônimos e caracterizadores situacionais) e da elipse (retomada por zero). O procedimento da seleção lexical aciona o recurso da seleção de palavras semanticamente próximas (uso de antônimos e de diferentes modos de relação parte/todo). O procedimento de constituição de relações sintático-semânticas é viabilizado pelo uso de diferentes conectores (preposições, conjunções, advérbios e suas respectivas locuções).

A fim de demonstrar esta proposta de análise da coesão textual, propomos a leitura do seguinte texto:

A VERDADE

Exercitando o poder de concentração um acrobata pode andar sob uma corda bamba. Mas, para trilhar o caminho da verdade e da não violência e avançar, o nível de concentração requerido é ainda maior, porque a menor falta de atenção pode provocar a queda. Para conquistar a verdade e permanecer nela, o esforço deve ser permanente. É lamentável para um país potencialmente rico, em época de eleições, ver os políticos, sem exceção, tentando equilibrarem-se sob a corda bamba da mentira, usando artimanhas para enganar o eleitor. O único caminho que pode resolver as questões que afligem a sociedade exige a busca permanente da verdade. Quando as autoridades embrenham pelo caminho da mentira e acreditam nela, como se fosse verdade, a solução dos problemas sociais, econômicos e políticos torna-se impossível. A sociedade é o conjunto formado por todos os seus indivíduos. Para que a sociedade evolua é preciso que os seus membros evoluam. Para que o cidadão desenvolva, precisa seguir exemplos. Quando as autoridades não servem de exemplo, o indivíduo se perde e leva junto toda a sociedade. Sob essa ótica, JK e Itamar Franco foram políticos exemplares... (Eustáquio Costa, Pequenos Artigos, 09/08/2014)

O artigo de opinião intitulado “A verdade”, produzido pelo economista mineiro Eustáquio Costa e veiculado num suporte da rede mundial de computadores – o blog Pequenos Artigos, materializa opinião acerca das estratégias utilizadas por políticos para escamotear a verdade e, assim, conquistarem os votos dos cidadãos em época de eleições. Nele, a construção da coerência é facilitada pelo acionamento de recursos da coesão textual que viabilizam a concretização das relações textuais da reiteração, da associação e da conexão. Tais recursos funcionam como pistas textuais dos sentidos desejados pelo seu produtor (MARCUSCHI, 2008), levando o leitor a construir, de forma colaborativa, a compreensão textual; ou seja, a coerência do texto.

Para reiterar informações postas ou pressupostas no texto, o autor acionou os procedimentos da repetição e da substituição, viabilizando a relação de reiteração pela realização das seguintes operações concretas:

- A produção de paráfrases, que possibilita o reaparecimento de informações e argumentos, reapresentados com uma formulação linguística diferente. No texto de Eustáquio Costa, esse recurso é acionado de forma criativa, haja vista que não se encontram paráfrases iniciadas por expressões introdutórias, como é comum nesse tipo de reformulação semântica; mas se pode notar que, no desenvolvimento do texto, algumas informações são retomadas sob novas formas, como acontece em “Para conquistar a verdade e permanecer nela, o esforço deve ser permanente.” (linhas 4 e 5), que reitera o conteúdo do período que o antecede no texto, reformulando sua forma de apresentação.

- A construção de paralelismos, que equivale à coordenação de segmentos cujos conteúdos são similares, é evidente em quatro períodos do texto, que formam pares com estruturas sintáticas e conteúdos semânticos equivalentes, conforme se pode notar nos trechos iniciados respectivamente, nas linhas 9 e 10, pelo conector “Quando”, e nas linhas 12 e 13 por “Para que”. Nos períodos iniciados por “Quando”, a repetição da estrutura (período iniciado com oração temporal seguida por oração principal) serve para alertar o leitor sobre as consequências sociais das inverdades difundidas pelos políticos. Nos períodos iniciados por “Para que”, a repetição da estrutura (período composto por oração final seguida por oração principal) indica ao leitor modelos de ação e comportamentos benéficos à sociedade.

- A repetição propriamente dita, que consiste no reaparecimento de um mesmo item lexical, é recorrente no texto, haja vista a retomada de termos ou expressões, como “verdade” (linhas 4, 9 e 10), “corda bamba” (linhas 6 e 7), “mentira” (linha 9), “caminho” (linhas 7 e 9) e “sociedade” (linhas 11 e 12). Antunes (2005) argumenta que a repetição de um item lexical é um importante recurso da coesão e possui funções textuais variadas, podendo servir para marcar ênfase ou contraste, fazer correções, expressar quantificações e, principalmente, “marcar a continuidade do tema que está em foco” (ANTUNES, 2005, p. 74). Além disso, convém salientar que a relação de sinonímia nunca é perfeita; então, em algumas ocorrências, a fim de evitar incompreensões, o produtor do texto deve optar pelo reaparecimento de um item do léxico.

- A substituição gramatical, que pressupõe a substituição de um termo ou de um segmento do texto por um pronome ou advérbio, pode ser verificada no texto de Eustáquio Costa nas duas ocorrências da forma pronominal “nela” (contração da preposição em com o pronome ela): na linha 4, essa forma pronominal substitui o sintagma “a verdade”, e na linha

10, substitui outro sintagma, “da mentira”, efetuando uma substituição por retomada. Antunes (2005, p. 86) destaca que os pronomes representam uma classe particular de expressões referenciais, pois servem para fazer referência a informações distintas (pessoas, coisas, argumentos, informações etc.). Além disso, destaca que a substituição pronominal pode ser anafórica ou catafórica: é anafórica quando o item substituído aparece primeiro e, em seguida, vem o seu substituto pronominal; é catafórica quando o substituto pronominal aparece primeiro, e o termo ao qual o pronome se refere vem depois.

- A substituição lexical, que viabiliza a retomada de um item do léxico por um sinônimo, hiperônimo ou por caracterizadores situacionais, apresenta algumas ocorrências no texto em análise: na linha 2, o verbo “avançar” substitui por sinonímia o verbo “andar” (linha 1); e na linha 9, a expressão definida “as autoridades” substitui outra expressão desse tipo, “os políticos”, que aparece na linha 6.

Como não há relação de sinonímia perfeita, a substituição de “andar” por “avançar” acrescenta informação nova, isto é, substitui-se um termo por outro, que lhe é textualmente equivalente, mas, ao realizar essa substituição, não se mantém completa identidade semântica entre os termos: “andar” está mais relacionado à locomoção física, já “avançar” indica progresso, desenvolvimento e pode ser atribuído a várias ações, não necessariamente ligadas à ideia de locomoção.

Na substituição de “os políticos” por “as autoridades” também se nota uma relação de sinonímia e, mais uma vez, comprova-se que não há identidade total de conteúdo entre termos sinônimos: nem todo político é uma autoridade, haja vista que, para sê-la, a pessoa precisa ocupar um cargo público. No entanto, textualmente a expressão “as autoridades” serve como substituta de “os políticos”, possivelmente por generalização: numa eleição, tanto políticos que são autoridades, porque já legitimamente eleitos, quanto políticos que ainda desejam ocupar um cargo público usam a mentira como recurso para convencer o eleitor.

- A elipse, que compreende a retomada de termos possíveis de serem identificados pelo contexto, representa, nas palavras de Halliday & Hasan (1976), uma substituição por zero. Antunes (2005) argumenta que essa definição pode não ser adequada, haja vista que há outros aspectos sinalizados pela elipse, “além da falta que ela representa” (ANTUNES, 2005, p. 117). Nem sempre, por exemplo, a elipse é operacionalizada por retomada, pois ela pode ocorrer também por remissão. Há casos de elipse que englobam estratégias inferenciais, requisitando que o leitor acione conhecimentos de mundo para relacionar componentes não explícitos do texto, como se pode interpretar na relação, possível de ser construída pela

compreensão textual, entre o acrobata e o sujeito indefinido a que intencionalmente o texto de Eustáquio Costa faz remissão.

No trecho “[...] um acrobata pode andar pela corda bamba. Mas, para trilhar o caminho da verdade e da não violência e avançar, o nível de concentração requerido é ainda maior [...]”, a elipse do sujeito, na primeira oração do segundo período, leva o leitor à construção de inferências, para construir compreensão sobre o referente de “para trilhar o caminho da verdade e da não violência e avançar [....]. Tal referente não está explicitamente posto no texto, mas pode ser compreendido pelo leitor mediante o acionamento de alguns conhecimentos prévios, tais como: - há alguém que precisa trilhar o caminho sugerido no texto; - como esse alguém não está posto, supõe-se que seja indefinido, como meio de generalizar essa necessidade; - a generalização é comum em textos de opinião quando se pretende sugerir ações e comportamentos condizentes com a ideia que se defende. Pelo acionamento desses conhecimentos, o leitor compreende que a elipse do sujeito, neste caso, cumpre a função de atribuir caráter impessoal ao enunciado, generalizando o seu conteúdo.

Quanto ao recurso da elipse, outro ponto que merece ser comentado diz respeito à distinção proposta por algumas gramáticas entre elipse (omissão de um termo que pode ser recuperado pelo contexto) e zeugma (omissão de um termo previamente posto na superfície textual). Para Antunes (2005), tal distinção se conforma ao rigor metalinguístico adotado pelas gramáticas normativas, mas não representa grande diferença em termos de funções textuais que o ocultamento de um termo pode exercer; por isso, sugere que a zeugma deve ser considerada um caso particular de elipse. Ademais, convém destacar que as gramáticas normativas não abordam a função coesiva da elipse, que é um importante recurso da coesão, haja vista que auxilia o encadeamento textual e indicia alguns sentidos no texto.

A análise dos recursos da repetição e da substituição no texto em voga demonstra que paráfrases, paralelismos, repetições de itens do léxicos, substituições gramaticais, substituições lexicais e elipses são modos de operação do linguístico que promovem a interligação de partes do texto, tornando-o coeso e que, por isso, auxiliam a efetivação da unidade e da continuidade de sentido, contribuindo para a construção da coerência. Esses recursos são responsáveis pela relação textual de reiteração, retomando segmentos prévios; haja vista que, pela reiteração, o texto desenvolve-se num movimento contínuo “de volta, de dependência do que foi dito antes, de modo que cada palavra se vai ligando às outras anteriores e nada fica solto.” (ANTUNES, 2005, p. 52)

No entanto, a coesão textual, conforme já foi dito aqui, não se restringe à reiteração, pois viabiliza também outros tipos de relações textuais, como a associação e a conexão. No

que tange à associação, possibilita a “ligação de sentido entre as diversas palavras presentes” no texto (ANTUNES, 2005, p. 53), criando elos semânticos e coesivos; ou seja, construindo cadeias coesivas pelo acionamento de vocábulos semanticamente próximos, condizentes com o tema que está em foco. No texto de Eustáquio Costa - cujo núcleo temático focaliza “a verdade”, com desenvolvimento de opinião acerca do comportamento lastimável de políticos que, em época de eleições, costumam inventar ou ocultar fatos e informações, recorrendo à mentira, para angariar a simpatia dos eleitores - há três cadeias coesivas principais, tecidas pela aproximação semântica de palavras relacionadas aos três tópicos que se inter-relacionam no texto: concentração, verdade e sociedade.

O tópico “concentração” é acionado para estabelecer comparação entre a atividade do acrobata, que costuma se equilibrar na corda bamba, e a construção da verdade. Essa comparação insere uma metáfora no texto ao transferir características da corda bamba, suporte inseguro onde o acrobata desenvolve seu labor, para a ação de produzir mentiras, que pode submeter o sujeito a uma queda (outra metáfora, para expressar possíveis dissabores e contratempos que o contador de mentiras pode enfrentar). Este tópico, além de fornecer a metáfora de um dos argumentos desenvolvidos no texto, é assumido como o principal aspecto suscitador da verdade. Desse modo, argumenta-se que o exercício da concentração, com esforço e persistência, leva à verdade, que, ao contrário da mentira, faz a sociedade evoluir com base em bons exemplos.

Uma análise dos recursos da associação presentes no texto evidencia o uso de palavras convergentes aos sentidos que elas expressam, inter-relacionando subtópicos (concentração, verdade e sociedade), a fim de consubstanciar crítica sobre as mentiras que os políticos contam para angariar a simpatia do eleitor. Por essa convergência, as palavras formam cadeias coesivas que contribuem para a construção de unidade de sentido do texto - o que, para Antunes (2005, p. 125), representa “uma das condições de sua coerência”. Essas cadeias coesivas reúnem ocorrências significativas, isto é, palavras semanticamente próximas que promovem a continuidade e o desenvolvimento do núcleo temático do texto, seu principal eixo de sentido, a saber: a verdade como uma virtude resultante de concentração e esforço persistentes, que suscitam exemplos motivadores do desenvolvimento social.

A comparação entre a atividade do acrobata e o exercício da verdade aproxima palavras relacionadas a esses dois subtópicos, promovendo um movimento de transferência de atributos, viabilizado pela metáfora da corda bamba. É por intermédio dessa transferência que algumas palavras e expressões - como “trilhar o caminho”, “avançar”, “falta de atenção”,

“queda”, “esforço” – relacionadas à ação de se equilibrar na corda bamba, ora são associadas à prática da verdade, ora ao seu antônimo (a mentira).

Como o texto situa a discussão sobre a verdade num campo específico da atividade humana (a esfera política), palavras relacionadas a esse campo (políticos, autoridades, eleições, problemas sociais, econômicos etc.) entram em cena, delimitando o conteúdo do texto. Essa delimitação aciona um novo subtópico, haja vista que argumentar sobre as mentiras produzidas por políticos em época de eleições implica abordar as consequências dessas atitudes para a sociedade da qual esses políticos fazem parte. Dessa forma, relações semânticas do tipo parte/todo são construídas e, sob o eixo temático sociedade, convergem palavras como “conjunto”, “indivíduos”, “membros”, “cidadão” e “autoridades”.

Os recursos da associação aqui analisados dão conta de exemplificar a importância da seleção lexical para a produção de um texto, um procedimento por meio do qual são selecionadas palavras semanticamente próximas, para promover uma das relações textuais viabilizadas pela coesão textual. Para abordar, de forma mais abrangente, a proposta elaborada por Antunes (2005), passamos agora à apreciação de alguns recursos da conexão presentes no texto de Eustáquio Costa, que é, mais uma vez, transcrito a seguir, a fim de destacar os conectivos analisados:

A VERDADE

Exercitando o poder de concentração um acrobata pode andar sob uma corda bamba.

Mas, para trilhar o caminho da verdade e da não violência e avançar, o nível de

concentração requerido é ainda maior, porque a menor falta de atenção pode provocar a queda. Para conquistar a verdade e permanecer nela, o esforço deve ser permanente. É lamentável para um país potencialmente rico, em época de eleições, ver os políticos, sem exceção, tentando equilibrarem-se sob a corda bamba da mentira, usando artimanhas para enganar o eleitor. O único caminho que pode resolver as questões que afligem a sociedade exige a busca permanente da verdade.