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4 COMO UM ARTESÃO INTELECTUAL EM BUSCA DE COMPREENSÕES

4.1 PROBLEMA DE PESQUISA

Marcuschi (2008, p. 51) afirma que, consensualmente, tanto linguistas teóricos como aplicados pressupõem que o ensino de língua “deva dar-se através do texto”, haja vista que as análises de palavras ou frases isoladas não representam os usos que os sujeitos fazem do multissistema verbal para realizarem suas interações sociais no cotidiano da vida em sociedade. Essa ideia encontra-se presente, inclusive, entre as proposições centrais dos Parâmetros (BRASIL, 1999) e das Orientações Curriculares da área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (BRASIL, 2002); documentos formulados pelo Ministério da Educação do

Brasil (MEC) para fornecer aos professores perspectivas teóricas e princípios básicos sobre ensino da Língua portuguesa e de outras linguagens.

No que se refere às questões centrais envolvidas no estudo do texto, tanto como objeto de interesse de pesquisas linguísticas quanto como processo privilegiado para o ensino- aprendizagem da língua, destacamos, para fins da pesquisa aqui relatada, coerência e coesão textuais. Isso porque consideramos que essas questões costumam influenciar as abordagens que se fazem do texto em sala de aula, como também as práticas de ensino-aprendizagem desenvolvidas por professores sobre leitura e escrita; uma vez que coerência e coesão são conceitos geralmente acionados por professores quando esses sujeitos manifestam opiniões sobre o conceito de texto e quando realizam avaliações sobre os textos produzidos por seus alunos.

Respaldando a ideia de que o texto na sala de aula pode promover transformações na relação ensino-aprendizagem da língua, proporcionando o desenvolvimento da competência comunicativa dos estudantes; o interacionismo linguístico de Geraldi (1999), o interacionismo sociodiscursivo de Bronckart (2012), as pesquisas textuais de linha sociointeracionista (ANTUNES, 2009; KOCH, 2014) e textual-discursiva (BRANDÃO, 2001; MARCUSCHI, 2008), as pedagogias interativas dos gêneros textuais (BAWASRSHI & REIFF, 2013) e as proposições dos PCNs (BRASIL, 1999) recomendam que professores e alunos desenvolvam interações, nas práticas escolares de ensino de língua, pelo acionamento de grande variedade de gêneros textuais, para vivenciarem as formas de atuação linguística que circulam socialmente.

Bronckart (2012) considera que os textos empíricos que circulam socialmente são construídos sob a forma de algum gênero, escolhido pelos seres humanos para realizarem suas ações de linguagem, que são fundamentais para a socialização; ou seja, para a convivência social, tecida no diálogo com o outro. Na teoria interacionista e sociodiscursiva de Bronckart (2012), os gêneros textuais preexistem às nossas ações de linguagem; por isso, o uso consciente desses mecanismos de socialização pressupõe tanto o conhecimento da sua “modelagem” organizacional quanto dos contextos sociais, históricos e culturais de suas realizações como eventos de discursivação/textualização de ideias, pensamentos e relações intersubjetivas. Os gêneros possuem historicidade e integram uma cultura, por isso seus usos estão sempre associados a características contextuais dos atos de interação dos quais fazem parte.

Além disso, os gêneros manifestam-se como materialidade linguística que sempre dialoga com outros aspectos da interação verbal (sujeitos, contextos, outros textos,

conhecimentos sociocognitivos dos interlocutores etc.). Por isso, o acionamento dos gêneros textuais em sala de aula pressupõe formação in fiere do professor acerca das teorias sobre o texto, das concepções que se alinham à noção de texto assumida em sala de aula, como também consciência das metodologias e estratégias que podem respaldar o trabalho pedagógico do texto como evento de interação social, numa visão de língua como atividade sociointeracionista ou textual-discursiva, conforme propõem os estudos textuais mais recentes.

No entanto, alguns pesquisadores têm revelado (ANTUNES, 2005; KOCH, 2014; MARCUSCHI, 2008) que, embora seja consenso que o ensino de língua deve se dar através de textos, a realidade das nossas salas de aula ainda é outra: um ensino prescritivo, voltado para a transmissão de regras da gramática normativa, com raros momentos dedicados à leitura e à produção de textos. Isso tem sido abordado principalmente por estudos desenvolvidos no âmbito da Linguística Textual, que evidenciam a dificuldade apresentada por professores da educação básica para desenvolverem práticas de ensino de língua fundadas no texto, por causa da incompreensão de questões centrais relacionadas aos processos de textualização.

Segundo Antunes (2005), essa dificuldade decorre do fato de que muitos professores não tiveram a oportunidade de desenvolver, durante seus cursos de formação, conhecimentos acerca das teorias do texto; ou, se tiveram, não conseguiram acionar essas teorias em suas atuações docentes. Além disso, esta pesquisadora salienta que, devido às especificidades da comunicação científica, os estudos sobre o texto costumam ser apresentados em linguagem muito especializada; o que pode representar, para professores da educação básica, obstáculo à compreensão de questões centrais relacionadas aos processos de textualização, como coerência e coesão.

Por isso, consideramos que seja necessário aos professores de Língua Portuguesa desenvolverem formação continuada sobre as teorias do texto, compreendendo questões centrais relacionadas aos processos de textualização/discursivação do mundo, das ideias, dos pensamentos e conhecimentos; ou seja, devem compreender aquilo que torna o texto peça fundamental no jogo da comunicação humana. Talvez, assim, tenham condições de desenvolver práticas de ensino-aprendizagem nas quais o texto assuma centralidade no processo de mediação pedagógica sobre os usos da língua, suscitando reflexões sobre os processos intersubjetivos geradores de sentidos que consubstanciam a compreensão textual.

Marcuschi (2008) argumenta que a questão da produção textual parece ser uma prática comum na escola, haja vista que é orientada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1999); mas o problema reside na forma como este trabalho é desenvolvido: muitos

professores afirmam que assumem o texto como unidade básica de ensino da língua em suas práticas docentes, porém o fazem como o respaldo de uma abordagem prescritiva, que trabalha o texto como ente, produto acabado; o que destoa da noção de texto-processo, abordada nos estudos mais recentes da Linguística Textual, para os quais, como processo, o texto não deve ser pedagogicamente trabalhado para referendar uma leitura única ou uma produção escrita sem projeto de dizer autêntico, criativo e dinâmico.

Assim, muitos professores podem imaginar que estão trabalhando eficientemente com o texto, mas, por desconhecerem aspectos centrais do processamento textual, ou por não acompanharem os caminhos trilhados pela Linguística do Texto na contemporaneidade, pautam suas aulas em noções intuitivas (MORTATTI, 2014) ou em concepções que já foram reformuladas pelos estudos textuais. Dentre essas questões, destacam-se coerência e coesão, que muito frequentemente são manifestadas por professores em suas considerações sobre o ensino de língua, mas numa visão que destoa das assumidas pelas pesquisas mais recentes sobre esses temas.

É comum, por exemplo, ouvirmos professores de Língua Portuguesa acionarem, de forma vaga, as noções de coerência e coesão (ANTUNES, 2005); o que denota falta de fundamentação sobre fenômenos textuais que podem influenciar as práticas de ensino de leitura e produção textual na escola. Geralmente em suas falas e atuações docentes, esses professores concebem coerência e coesão como fenômenos relacionados à estrutura do texto, e não às situações de interação, aos processos de referenciação intersubjetivamente negociados na tessitura textual e aos conhecimentos sociocognitivos partilhados pelos interlocutores, que contribuem para a construção de compreensões sobre o texto e para a atividade interpretativa da coerência textual.

Koch (2014) argumenta que a Linguística Textual pode fornecer esclarecimentos aos professores de língua materna para desenvolverem trabalho com o texto em sala de aula, haja vista que muitos desses professores encontram-se “ainda despreparados (embora, evidentemente, disso não lhes caiba culpa) para fazer frente às novas exigências dos documentos oficiais.” (KOCH, 2014, p. 183). Documentos que propõem o texto como unidade básica de ensino da língua, mas que apenas traçam diretrizes gerais, sem se aprofundar em questões que poderiam suscitar práticas de ensino centradas nas especificidades interacionistas, sociocognitivas e discursivo-textuais do texto como processo de ensino-aprendizagem da língua.

Então, considerando, em consonância com Koch (2014, p. 172), que “o professor precisa de subsídios que lhe permitam trabalhar com o texto em sala de aula, de maneira não

intuitiva”, o que pressupõe conhecimento acerca das concepções de coerência e coesão desenvolvidas pelos estudos textuais contemporâneos, uma vez que essa esses fenômenos são centrais para o entendimento do texto como evento de interação social, de mediação de saberes, e para o desenvolvimento de práticas de ensino da leitura e da escrita em sala de aula; esta pesquisa foi pautada pela seguintes questões:

- o que propõem as pesquisas do âmbito da Linguística Textual sobre coerência e coesão?

- quais são as concepções que professoras de Língua Portuguesa do Ensino Médio desenvolvem sobre esses princípios/fenômenos ligados ao texto?

- quais as relações entre essas concepções e as práticas de ensino-aprendizagem da leitura e da produção textual desenvolvidas pelos sujeitos desta pesquisa em suas atividades docentes?