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4 COMO UM ARTESÃO INTELECTUAL EM BUSCA DE COMPREENSÕES

4.6 METODOLOGIA DE PESQUISA

4.6.1 Entrevista compreensiva

Kaufmann (2013, p. 67) recomenda que a entrevista compreensiva seja precedida de uma fase exploratória não muito exaustiva, pois um prolongamento demasiado dessa fase pode retardar “a elaboração mais estruturada da investigação”, que deve ser obtida pela entrevista compreensiva em si. Nesse tipo de procedimento de pesquisa, a fase exploratória deve ser usada para delinear alguns aspectos técnicos da investigação, como a sistematização dos instrumentos e a elaboração de um esboço de um roteiro flexível de perguntas.

Durante a realização desta pesquisa, a fase exploratória foi desenvolvida por meio da inserção do pesquisador por, aproximadamente um semestre letivo (de julho a dezembro de 2013), no meio institucional onde as professoras participantes (sujeitos da pesquisa) desenvolvem suas atividades profissionais. Uma inserção que nos permitiu formular o objeto e o argumento da pesquisa, delinear o problema e, sobretudo, estreitar laços com as docentes; o que, para Kaufmann (2013), é fundamental à boa condução da etapa posterior – a entrevista compreensiva - na qual a empatia entre o pesquisador e os sujeitos da pesquisa constitui peça fundamental para o aprofundamento das respostas obtidas.

A entrevista compreensiva pressupõe a formulação de perguntas abertas, que podem ser conduzidas pela apresentação de alguns temas geradores, a fim de desenvolver um estilo de conversação que leve os sujeitos à formulação de respostas pertinentes ao objeto pesquisado; ou por uma grade de questões bem definida, conduzida de forma flexível e dinâmica pelo pesquisador. Kaufmann (2013, p. 79-80) recomenda a segunda opção, pois, para “atingir as informações essenciais, o pesquisador deve se aproximar, de fato, do estilo da conversa sem se deixar levar por uma verdadeira conversa”; já que a entrevista é um trabalho no qual o esforço para desvendar o objeto de pesquisa deve ser constante.

Por isso, o autor supramencionado recomenda a formulação de uma grade de perguntas, que dê condições ao pesquisador de partir de questões mais simples, a fim de conquistar a empatia dos sujeitos e, a partir disso, conduzir perguntas mais específicas, relacionadas ao objeto em pesquisa. Durante todo o processo de realização da entrevista compreensiva, o pesquisador não pode perder de vista que a interação, a empatia e o esforço de compreensão devem nortear a mediação dialógica entre o entrevistador e os sujeitos da pesquisa. Além disso, Kaufmann (2013) recomenda que a grade de perguntas não seja muito longa, que as perguntas não sejam muito complexas, pois o que mais importa neste tipo de

procedimento é o aprofundamento das respostas. Assim sendo, a grade deve servir como meio de condução da entrevista, e não como um instrumento técnico robusto e inflexível.

Kaufmann (2013, p.74) intitula de “grade” o guia flexível de perguntas usado pelo pesquisador para realizar as entrevistas compreensivas. Embora a metodologia deste sociólogo fundamente a pesquisa aqui relatada, optamos por outra denominação: Roteiro para a Entrevista Compreensiva. Isso porque consideramos essa denominação mais apropriada para uma situação de interação que se perspectiva de forma dialógica, cujas perguntas podem ser adaptadas, reformuladas e complementadas no curso da interação face a face entre pesquisador e os demais sujeitos do trabalho científico.

Para fins dessa pesquisa, a entrevista compreensiva foi realizada com três professoras de Língua Portuguesa do Ensino Médio, em seus ambientes de trabalho, a partir de um roteiro contendo dez perguntas (APÊNDICE A), que enfocavam temas relacionados ao objeto pesquisado. O roteiro continha ainda a indicação de leitura de seis textos (ANEXOS A, B, C, D, E, F) selecionados pelo pesquisador, por meio dos quais dialogamos sobre a construção da coerência textual e sobre alguns processos coesivos apontados pelos sujeitos da pesquisa. Além disso, o roteiro pressupunha diálogos a partir de textos produzidos pelos alunos das professoras participantes desta pesquisa (ANEXOS G, H, I, J, K, L). A inserção desses textos na entrevista compreensiva intencionou aprofundar compreensões sobre as concepções de coerência e coesão verbalizadas pelos sujeitos da pesquisa.

O roteiro foi planejado para ser desenvolvido em etapas: num primeiro momento foi construída uma entrevista, cujo foco era a compreensão sobre as dez questões abertas apresentadas no roteiro (APÊNDICE A). Os demais momentos, como a apresentação dos textos para dialogar sobre o funcionamento da coerência e da coesão textual e suas implicações para o ensino-aprendizagem da leitura e da escrita em sala de aula, foram desenvolvidos gradativamente, durante outros diálogos consubstanciados entre o pesquisador e as professoras participantes nos meses durantes os quais foi realizada a pesquisa de campo: de outubro de 2014 a maio de 2015.

No início do primeiro momento de realização das entrevistas compreensivas, utilizamos uma ficha (APÊNDICE B) para registrar informações sobre o perfil de formação e o tempo de atuação docente dos sujeitos de nossa pesquisa, a fim de situar os achados da entrevista no contexto das relações sociais de produção do fazer docente desses sujeitos. Durante a realização das entrevistas, outras perguntas surgiram; pois, na entrevista compreensiva, a grade de perguntas representa “um guia flexível” (KAUFMANN, 2013, p. 74); por isso, não impede que o pesquisador submeta “cada pergunta a outras perguntas”

(KAUFMANN, 2013, p. 78), em busca de aprofundamento das respostas que lhe são fornecidas.

Os cinco momentos de entrevistas foram registrados com a utilização de um gravador digital e foram transcritos na mesma semana em que foram realizados (APÊNDICE C). Uma transcrição feita sem realizar correções, sem modificar o conteúdo do dito, conforme recomenda Kaufmann (2013). A transcrição do material compôs o corpus analisado nesta pesquisa. Um corpus concebido como texto, cujo fim era a interpretação das concepções verbalizadas pelos sujeitos da pesquisa durante os processos de entrevista. Para a atividade de interpretação, além das transcrições, foram utilizadas as anotações que fizemos em fichas de apontamento, material em que anotamos impressões surgidas durante a realização das entrevistas.

Salientamos que a categorização “momentos de entrevista” não foi feita somente em virtude do tempo cronológico em que as conversações face a face entre pesquisador e sujeitos da pesquisa foram realizadas (APÊNDICE C), mas, sobretudo, levando-se em consideração a natureza das questões a partir das quais os diálogos foram construídos. Assim, o primeiro momento de entrevista, realizado nos dias 20 e 21 de outubro de 2014, foi pautado em questões abertas sobre língua, texto, gêneros textuais, ensino de língua, coerência e coesão, que foram previamente formuladas, a partir das anotações que fizemos durante a etapa exploratória de nossa pesquisa. Essas questões constavam em um roteiro (APÊNDICE A), que respaldou nossa atuação em campo durante esta etapa do nosso trabalho.

O segundo momento de entrevista, embora tivesse ocorrido nos mesmos dias do primeiro momento (20 e 21 de outubro de 2014), pautou-se em questões de outra natureza, daí a necessidade de distinção entre eles: no primeiro momento nossos diálogos pautaram-se nas perguntas sobre os temas geradores deste trabalho de tese (APÊNDICE A), no segundo foram apresentados dois textos de gêneros distintos (ANEXOS A, B) às professoras, para que elas nos falassem de coerência e coesão a partir da leitura desses textos. As questões desse segundo momento priorizaram, então, a análise da construção da coerência e da coesão nos textos lidos pelas professoras.

Para a realização desse segundo momento, partimos de questões mais gerais (APÊNDICE A) e, à medida que as professoras iam nos fornecendo suas respostas, formulávamos novas questões, a fim de inserir na entrevista aspectos mais específicos sobre coerência e coesão referenciados nas falas das docentes. Com isso, buscamos evitar que nossas concepções de coerência e coesão influenciassem as respostas dos sujeitos de nossa pesquisa; uma vez que, se formulássemos questões específicas sobre aquilo que acreditamos

ser coerência e coesão, talvez pudéssemos induzir as professoras a elaborarem respostas de acordo com as concepções pressupostas em nossas perguntas. Por isso, consideramos mais producente primeiro ouvir o que os sujeitos tinham a dizer sobre coerência e coesão e, somente após isso, formular, durante as próprias entrevistas, questões mais particulares sobre aspectos referenciados nas falas desses sujeitos.

Procedemos da mesma forma nos momentos subsequentes: no terceiro, realizado entre os dias 09 e 10 de dezembro de 2014; no quarto, efetivado nos dias 06, 10 e 13 de março de 2015; e no quinto e último momento de entrevista, que ocorreu nos dias 25, 27 e 28 de maio de 2015. As datas dos encontros foram previamente acordadas com os sujeitos da pesquisa, levando em consideração suas disponibilidades de horário. No terceiro momento, o diálogo sobre coerência e coesão foi pautado na leitura e análise de textos empíricos dos gêneros poema (ANEXO C) e artigo de divulgação científica (ANEXO D). No quarto momento, nossos diálogos tiveram como ponto de partida textos dos gêneros artigo de opinião (ANEXO E) e conto (ANEXO F). No quinto e último momento de entrevista, textos produzidos pelos alunos dos nossos sujeitos de pesquisa (ANEXOS G, H, I, J, K, L) serviram-nos de material de análise para a tessitura de conversações sobre coerência e coesão textuais.

Para a realização do quinto momento de entrevista, as professoras participantes de nossa pesquisa receberam diferentes orientações do pesquisador. Assim, aquelas que demonstraram, nos momentos antecedentes de entrevista, conceber coerência como uma qualidade textual foram orientadas a selecionar duas produções textuais de seus alunos, uma coerente e outra não. Já a professora que demonstrou conceber coerência como processo de construção de sentidos que se realizada durante a interlocução foi orientada a escolher duas produções, considerando os seguintes critérios: uma a partir da qual conseguiu chegar a uma configuração veiculadora de sentidos, isto é, logrou êxito na atividade interpretativa da coerência; e outra por meio da qual, ainda que tivesse empenhado esforços e conhecimentos, não conseguiu realizar uma construção coerente de sentidos.

Os cinco momentos de entrevista realizados com cada um dos três sujeitos de nossa pesquisa ocorreram em seus respectivos ambientes de trabalho, nas salas onde esses sujeitos desenvolvem as atividades de planejamento de suas práticas pedagógicas. Por isso, tivemos tranquilidade para desenvolver as entrevistas e contamos com um ambiente reservado onde pudemos dialogar, sem sofrer interrupções e interferências de outros sujeitos, sobre as questões centrais de nosso trabalho de tese. Salientamos que, durante todo o processo da entrevista compreensiva, em seus distintos momentos de realização, as professoras participantes desta pesquisa mostraram-se dispostas a contribuir com o andamento das nossas

atividades e assinaram “termo de consentimento livre e esclarecido” (APÊNDICE D), declarando participação voluntária na etapa de campo desta pesquisa.

4.6.1.1 Interpretação dos dados obtidos pela entrevista

A entrevista compreensiva pressupõe interação pesquisador-informante para construção de compreensões sobre o objeto pesquisado. Por isso, refuta a impessoalidade do pesquisador, tanto no momento de coleta dos dados (construção das entrevistas) quanto no desenvolvimento da análise, e admite que a intersubjetividade é condição sine qua nom para a realização de leituras propiciadoras de interpretações sobre a realidade investigada. Nessa perspectiva, o pesquisador deve assumir o objeto de pesquisa como uma construção dialógica, cujos sentidos afloram do relacionamento entre sujeitos, temas e contextos de interação.

Nesse sentido, as entrevistas realizadas com as três professoras participantes desta pesquisa foram transcritas e analisadas como textos. Não utilizamos, para isso, a análise de categorias, como propõe a Análise do Conteúdo (AC), haja vista que a metodologia da entrevista compreensiva considera a AC um procedimento muito técnico para ser acionado por pesquisas qualitativas. Mas sim uma interpretação ligada ao quadro teórico da pesquisa, buscando evidenciar os sentidos explícitos e implícitos sobre o objeto pesquisado, possíveis de serem interpretados a partir de “expressões recorrentes” (KAUFMANN, 2013, p. 152) referenciadas nas respostas dos sujeitos pesquisados.

Dessa forma, buscamos intersubjetivamente analisar as concepções dos sujeitos de nossa pesquisa sobre coerência e coesão, como também de outras questões relacionadas ao uso do texto como unidade básica de ensino da língua. O quadro conceitual acionado para a análise das compreensões docentes foram os estudos da Linguística do Texto sobre coerência, coesão, texto, textualidade, ensino de língua, sujeitos etc.; a fim de que pudéssemos tecer relações entre as expressões recorrentes nas respostas das professoras, a teoria que fundamenta esta pesquisa (apresentada nos dois primeiros capítulos desta tese), o argumento da pesquisa, o objeto de estudo e as interpretações e reinterpretações do pesquisador, que, numa pesquisa qualitativa, são fundamentais para a compreensão dos acontecimentos. (GEERTZ, 2008).