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TEXTO E A TRADIÇÃO DOS ESTUDOS GRAMATICAIS

5 UMA ESCUTA ATENTA: SUJEITOS DA PESQUISA E SUAS CONCEPÇÕES

5.1 TEXTO E A TRADIÇÃO DOS ESTUDOS GRAMATICAIS

Eterna aprendiz (EA) escolheu ser professora de Língua Portuguesa para atender a um desejo de seu pai, mas, assim que ingressou no curso de Letras (1976), percebeu que “tinha feito uma boa opção” (ETERNA APRENDIZ, 20 out. 2014); por isso desenvolveu interesse pelo curso de licenciatura, dedicando-se com empenho aos trabalhos e estudos desenvolvidos na graduação. Durante o exercício da docência na área de Língua Portuguesa, buscou construir formação continuada que lhe permitisse compreender as transformações por que passou o ensino da língua no Brasil. Transformações que, segundo essa docente, foram influenciadas pela filosofia da interação verbal (BAKHTIN, 2006), pela noção de gêneros discursivos (BAKHTIN, 2003) e por contribuições teóricas e práticas advindas das pesquisas de diferentes áreas da Linguística (Sociolinguística, Análise do Discurso, Teoria da Enunciação, Linguística Textual etc.).

Nos seus trinta e sete anos de trabalho docente, EA presenciou uma mudança de perspectiva importante: “[...] eu acreditava (era o que os livros diziam) que língua era um sistema autônomo [...]. E a gente trabalhou inclusive com isso. Depois eu fui percebendo novos conceitos da língua como interação [...]” (ETERNA APRENDIZ, 20 out. 2014). Com essas palavras, essa docente evidenciou que as leituras feitas durante o exercício da profissão, geralmente motivadas pela curiosidade de aprender “novos conceitos” (ETERNA APRENDIZ, 20 out. 2014), incentivaram-na a construir uma nova concepção sobre a língua. Para isso, precisou rever a noção de língua como sistema autônomo com regularidades internas, definido pela imanência do código (SAUSSURE, 2006); e aos poucos foi tentando compreender a noção de língua como interação, a fim de assimilar uma perspectiva dialógica que concebe a língua como meio de interação social entre os sujeitos (BAKHTIN, 2006).

Quando acionou o conceito de língua como interação para indicar a mudança de perspectiva por que passou o ensino da língua portuguesa no Brasil, Eterna Aprendiz sugeriu- nos conhecer a síntese dialética que Bakhtin (2006) construiu a partir da análise crítica das duas orientações predominantes do pensamento filosófico-linguístico no início do século XX: o subjetivismo individualista e o objetivismo abstrato. Para o filósofo russo, essas duas orientações influenciaram significativamente os trabalhos hermenêuticos e pedagógicos sobre a língua, indicando diretrizes opostas tanto para o trabalho dos linguistas (preocupação

hermenêutica) quanto para a inserção da língua nos processos de aprendizagem (objetivos pedagógicos).

A primeira orientação, o subjetivismo individualista, preconcebia que a língua se funda na criação individual do falante, representada por atos de fala condicionados ao psiquismo individual. Isto é: as leis de criação linguística seriam determinadas pela psicologia individual; por isso a língua renova-se continuamente, já que cada ato de fala materializa um estilo único. A segunda orientação, o objetivismo abstrato, defendia que o sistema linguístico (sistema de formas fonéticas, gramaticais e lexicais) atua como “centro organizador de todos os fatos da língua” (BAKHTIN, 2006, p. 79); por essa razão, assumiu uma ideia de “língua universal, racional e artificialmente criada” (BAKHTIN, 2006, p. 80), cujas leis de criação são determinadas pela imanência das formas linguísticas (ordenação de constituintes do sistema gramatical). Essa segunda orientação argumentava que os usos linguísticos poderiam ser julgados como certos ou errados, haja vista que a língua era entendida como uma construção que se condiciona a um sistema normativo imposto pelo próprio código.

Bakhtin (2006) refuta tanto a primazia do estilo sobre o gramatical, uma das teses defendidas pelos subjetivistas individualistas, quanto a supremacia do código sobre as criações individuais dos falantes, a antítese construída pelos estudiosos alinhados ao objetivismo abstrato. Isso porque, para o linguista russo, as leis que regem a atuação linguística “são essencialmente leis socioideológicas” (BAKHTIN, 2006, p. 132), pois é durante a enunciação que a língua se constitui como processo vivo, dinâmico, de caráter histórico-social e ideológico, possibilitando a interação social entre os interlocutores. Nesse sentido: “A língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico abstrato das formas da língua nem no psiquismo individual do falante.” (BAKHTIN, 2006, p. 128).

Ao enfatizar a enunciação verbal como processo fundante dos fatos linguísticos, Bakhtin (2006) sugere, tanto àqueles que desenvolvem trabalhos heurísticos sobre a língua quanto aos que se dedicam à função pedagógica da linguística, uma nova ordem metodológica de estudo, a saber:

1. As formas e os tipos de interação verbal em ligação com as condições concretas em que se realiza.

2. As formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados, em ligação estreita com a interação de que constituem os elementos, isto é, as categorias de atos de fala na vida e na criação ideológica que se prestam a uma determinação pela interação verbal.

3. A partir daí, exame das formas da língua na sua interpretação linguística habitual. (BAKHTIN, 2006, p. 129)

Por essa nova ordem, o estudo da língua deve se pautar nas formas verbais da comunicação socioideológica, uma vez que “as unidades reais da cadeia verbal são as enunciações” (BAKHTIN, 2006, p. 129). Para que esse tipo de estudo se concretize, o estudioso da língua – seja no âmbito das pesquisas linguísticas, seja no que diz respeito à apreciação da língua em sala de aula – deve levar em conta as condições concretas (sujeitos envolvidos nos processos de interação verbal, contextos situacionais, intenções e finalidades enunciativas) nas quais as enunciações verbais se realizam, como também as formas dos distintos atos de fala (os gêneros em que se manifestam as interações verbais) e os usos reais que os sujeitos falantes fazem da língua.

Nessa perspectiva, o estudo da língua deve ser feito a partir dos textos, orais e escritos, que construímos no dia a dia de nossas interações verbais, para, dialogicamente, consubstanciamos interações das quais emergem sentidos de acordo com as condições sócio- históricas e ideológicas dos sujeitos falantes e das atividades verbais que eles realizam para se fazerem entender e para entenderem o outro. São dessas atividades que emanam as variadas formas de comunicação e os diversos sentidos coconstruídos pelos interlocutores, evidenciando, portanto, a natureza sociológica da língua: “[...] a enunciação como realidade da linguagem e como estrutura socioideológica” (BAKHTIN, 2006, p. 131). Isso significa que a língua constitui fenômeno essencialmente dialógico, pois, mesmo que não haja um interlocutor real, o falante (produtor de textos) sempre se dirige a um interlocutor, às vezes concebido como um “[...] representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor” (BAKHTIN, 2006, p. 116).

Se é na enunciação que a língua se manifesta como fenômeno socioideológico, as formas concretas em que as enunciações se realizam devem assumir papel de destaque nos estudos sobre a língua. Eterna Aprendiz verbalizou esse tipo de convicção, quando assumiu que a finalidade do ensino da Língua Portuguesa nas escolas deveria ser “dar continuidade [...] ao letramento que o menino traz” (ETERNA APRENDIZ, 20 out. 2014), uma opção metodológica que é entendida por essa professora como a ação de apresentar “gêneros textuais novos para ele [o estudante], tanto para ler e compreender, como produzir também, né, em situações práticas em que ele venha, por ventura, precisar” (ETERNA APRENDIZ, 20 out. 2014, grifo nosso). A apresentação de gêneros textuais, nos contextos das aulas de língua, intenciona inserir em sala de aula estudos sobre as situações práticas que os aprendizes possam presenciar na vida em sociedade, levando-lhes a compreender que diferentes situações de uso da língua requisitam formas próprias de comunicação socioideológica.

Para cumprir essa finalidade metodológica, a docente disse-nos que costuma acionar gêneros textuais diversos em sala de aula, tais como notícias, contos, crônicas, dentre outros. Geralmente a escolha dos gêneros vincula-se à tipologia textual (modo de organização do texto) a ser trabalhada. Como considera que, no primeiro ano do Ensino Médio1, o desenvolvimento da capacidade de narrar deve ser priorizado, Eterna Aprendiz costuma recorrer a gêneros predominantemente narrativos, a fim de que, ao entrar em contato com uma considerável diversidade de gêneros textuais, os estudantes aprendam a ler, compreender e produzir textos, observando “o estilo de linguagem, o conteúdo temático e a estrutura composicional” (BAKHTIN, 2003) que distinguem um gênero de outro. A apresentação de gêneros diversos, levando em conta a predominância da tipologia narrativa nos textos que seleciona para trabalhar com seus alunos, é uma opção por meio da qual Eterna Aprendiz tenta, ao mesmo tempo, abordar a tipologia descritiva, pois, segundo essa docente, não há gêneros homogêneos: as tipologias geralmente se mesclam num mesmo gênero.

A concepção de Eterna Aprendiz sobre o que seja um gênero textual é influenciada pelos estudos bakhtinianos (BAKHTIN, 2003). Prova disso é que, ao dialogar sobre o que entende por gêneros textuais, disse-nos:

Tem uma definição bem bonita, mas é do Bakhtin, e essa vai ser a minha, né. Gêneros textuais são os discursos, as construções discursivas diversas das quais lançamos mão nas nossas necessidades. Se eu tou conversando oralmente, eu estou num diálogo, então existe uma estrutura mais ou menos fixa para esse diálogo, então isso seria o gênero textual diálogo. Se eu preciso fazer um ofício, existe, é um outro gênero, é uma outra situação, vai ter a ver com a intenção, o meu interesse na verdade, o interesse meu de produzir aquele gênero ou não. E esses gêneros, então, têm uma forma mais ou menos estável na sociedade, não fixa, porque, até mesmo lendo Bakhtin, a gente vê que não é fixa. A sociedade vai mudando, os anseios da sociedade vão mudando e vão imprimindo mudanças. Não tem nada contra que se imprimam mudanças nesses gêneros, tanto é que, até um dia desses, a gente não tinha e-mail, agora nós temos o e-mail; nós não tínhamos tantos outros aí, chat, sei lá, outros novos, os blogs, né, que nós temos hoje porque a sociedade hoje precisa desses gêneros textuais. (ETERNA APRENDIZ, 20 out. 2014)

Com essas palavras, informou-nos que compreende gêneros textuais como unidades da comunicação sociodiscursiva que assumem “formas relativamente estáveis e típicas de construção do todo” (BAKHTIN, 2003, p. 282, com itálicos no original). Formas que se definem por conteúdo temático, estilo de linguagem e estrutura composicional próprios, mas que não são estanques, pois se renovam substancialmente de acordo com as necessidades dos diferentes campos da atividade humana e da comunicação. Se as atividades humanas passam a ter novas demandas, os gêneros podem acompanhar essa evolução, transformando-se, pois, segundo Bakhtin (2003, p. 268): “Os enunciados e seus tipos, isto é, os gêneros discursivos,

1 No meio institucional onde realizamos nossa pesquisa, Eterna Aprendiz desenvolve suas atividades docentes com alunos do primeiro ano do Ensino Médio.

são correias de transmissão entre a história da sociedade e a história da linguagem.”. Por conseguinte, os fatos linguísticos surgem e se reelaboram na corrente viva da enunciação verbal, manifestando-se nos gêneros e influenciando (ou transformando) os traços característicos dos enunciados que os sujeitos constroem para interagir verbalmente.

Ao expressar sintonia com as ideias bakhtinianas sobre língua e gêneros textuais, Eterna Aprendiz aparentou conceber o texto como processo suscitador de sentidos plurais e polissêmicos, coconstruídos por sujeitos em interação; por isso, mediador de compreensões responsivas ativas em que as palavras do locutor e as contrapalavras dos interlocutores interagem em busca de significações criativas e dinâmicas, que emergem durante os atos de interação verbal. Pareceu, enfim, refutar a noção de texto como estrutura, como produto de linguagem pré-definido, dado de antemão; por isso unívoco e artificialmente assentado numa abstração que nega a verdadeira realidade fundante da língua. Dizendo de outro modo: a professora aparentou refutar a noção de texto como ente, ou seja, como produto de uma enunciação monológica que pressupõe uma compreensão passiva, em que o interlocutor resume-se a mero decodificador de signos previamente postos na superfície material do texto.

Entretanto, com o desenvolvimento de nossas conversações em busca da construção de uma escuta atenta acerca das concepções de Eterna Aprendiz sobre coerência, coesão e o texto em sala de aula, percebemos que essa docente mostrou-se se alinhada a uma noção de gênero como produto, haja vista que supervalorizou a estrutura composicional do texto, que, em sua concepção, representa uma unidade de sentido, tal qual o fazem Halliday e Hasan (1976). Recorrendo às palavras de Eterna Aprendiz, destacamos: O texto é “algo que eu possa interpretar, que tenha unidade de sentido e, às vezes, até mesmo uma intenção” (ETERNA APRENDIZ, 20 out. 2014). Essa unidade de sentido representa, para ela, a coerência do texto, que pode ser assegurada por marcas linguísticas presentes na superfície textual. Tais marcas representam os elementos coesivos que ajudam o locutor a atribuir unidade ao texto, embora, às vezes, um texto possa ser coerente sem possuir elementos de coesão.

Geraldi (2010, p. 116) salienta que esse tipo de concepção dos gêneros textuais exprime a relevância que os professores costumam atribuir ao conhecimento gramatical, pois, quando os gêneros são abordados como estruturas, mediante a exploração de uma relativa estabilidade observável em características de alguns exemplares dos gêneros estudados em sala de aula, o professor está apenas seguindo uma antiga tradição dos estudos da linguagem, que consiste em: “definir as estabilidades, esconder as instabilidades e fixar a questão do gênero em sua composição formal, esquecendo que esta, ao se deixar penetrar pela vida, desestabiliza-se.” (GERALDI, 2010, p. 116, nota de rodapé).

Então, ao pensarem gênero como estrutura, valorizando sobremaneira aspectos relativos às suas composições estruturais, como se fossem enunciados estáveis, os professores esquecem-se de que a teoria bakhtiniana assume, como princípios fundamentais, que os gêneros do discurso possuem normatividade distinta daquela atribuída às formas da língua (no sentido de sistema abstrato), que os gêneros são influenciados por um elemento expressivo relativo à valoração subjetiva do falante sobre o objeto de seu projeto de dizer, e que os gêneros ressoam dialogicamente outros enunciados, constituindo-se elos na cadeia discursiva da enunciação verbal. Para ilustrar isso, destacamos:

As formas de gênero, nas quais moldamos o nosso discurso, diferem substancialmente, é claro, das formas da língua no sentido da sua estabilidade e da sua coerção (normatividade) para o falante. Em linhas gerais, elas são bem mais flexíveis, plásticas e livres que as formas da língua. (BAKHTIN, 2003, p. 283)

[...]

Nos diferentes campos da comunicação discursiva, o elemento expressivo tem significado vário e grau vário de força, mas ele existe em toda parte: um enunciado absolutamente neutro é impossível. A relação valorativa do falante com o objeto do seu discurso (seja qual for esse objeto) também determina a escolha dos recursos lexicais, gramaticais e composicionais do enunciado. (BAKHTIN, 2003, p. 289)

[...]

Os enunciados não são indiferentes entre si nem se bastam cada um a si mesmos; uns conhecem os outros e se refletem mutuamente uns nos outros. Esses reflexos mútuos lhes determinam o caráter. Cada enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados com os quais está ligado pela identidade da esfera de comunicação discursiva. (BAKHTIN, 2003, p. 297)

Esses princípios da teoria bakhtiniana sugerem-nos a uma concepção de gênero que pressupõe sempre o outro em sua constituição, pondo em destaque o dialogismo inerente às atividades de linguagem que construímos para interagir socialmente. Dialogismo que se manifesta em vários aspectos: nas formas que moldamos nossos discursos, que são construções sociais entremeadas por uma normatização em constante reformulação; nas valorações que atribuímos aos nossos projetos de dizer, imprimindo-lhes aspectos expressivos, esteticamente variados; e nas interfaces que consubstanciamos como outros dizeres, agindo responsivamente para replicar (confirmando, complementando, rejeitando, subtendendo etc.) sentidos de outros enunciados.

Nessa linha de raciocínio, Bakhtin (2003) propõe uma noção de gêneros que pressupõe o outro como coconstruror de projetos e de formas de dizer, de possibilidades de sentidos, de estilos de linguagem e de elementos expressivos. Uma noção que se sintoniza com a concepção de coerência como atividade interpretativa de construção de sentidos (MARCUSCHI, 2008), que se realiza em interação, por meio da qual o produtor do texto e

seus interlocutores dialogam, negociando compreensões. É importante dizer ainda que, na teoria bakhtiniana, a compreensão é definida como uma atitude responsiva ativa de um interlocutor sobre o anunciado produzido por outrem; ou seja, uma atividade que se realiza em cooperação e que, por isso, envolve participação ativa do interlocutor (leitor e/ou ouvinte).

Nesses termos, agir compreensivamente sobre o enunciado de alguém implica construir significações levando em conta questões diversas, tais como: - os contextos em que os textos são produzidos; - as formas de enunciados escolhidas pelo locutor para manifestar seus projetos de dizer; - as escolhas linguísticas feitas para indiciar sentidos; - os sujeitos participantes dos atos de interação etc. Por essa razão, tanto a noção de língua como a de gêneros defendidas por Bakhtin (2003) não denotam afinidade com a ideia de texto como estrutura e a de coerência como qualidade imanente dos textos.

Os estudos bakhtinianos influenciam as pesquisas textuais contemporâneas, que, por seu turno, assumem o texto como “o melhor lugar de expressão da dialética entre a estabilidade e a instabilidade da língua” (GERALDI, 2010, p. 141), no qual se percebem “os rastros da subjetividade, das posições ideológicas e das vontades políticas em constantes atritos.” (GERALDI, 2010, p. 141). Portanto, na perspectiva bakhtiniana, os textos representam processos de instabilidades e de negociação de sentidos por meio dos quais os interlocutores interagem buscando construir compreensões, o que os leva a agir responsiva e ativamente para interpretar os sentidos que discursivamente se vivificam, e não apenas a acatar sentidos dados, aprioristicamente definidos.

Com base nisso consideramos que, embora Eterna Aprendiz fizesse referência a Bakhtin (2003; 2006) para expressar suas ideias sobre língua e gênero textual, as concepções que verbalizou acerca do que seja texto e coerência não encontram respaldo na filosofia marxista da linguagem, na noção de gêneros elaborada pelo linguista russo, tampouco nos estudos textuais contemporâneos. Isso porque, para Eterna Aprendiz, a superfície material do texto corresponde ao principal componente responsável por sua inteligibilidade, pois as partes que o compõem (composição estrutural) e os itens da língua que unem seus elementos constituintes (elementos da coesão sequencial) contribuem para a construção de uma unidade de sentido, que, segundo essa professora, é a principal qualidade do texto e se confunde com a coerência. Noutros termos: para que a coerência de um texto seja percebida, interpretada pelo leitor, “o texto deve ter as partes que o compõem” (ETERNA APRENDIZ, 20 out. 2014) e ser marcado por itens da língua (elementos coesivos) que, de certa forma, materializam essa unidade de sentido, contribuindo decisivamente para a produção de “textos coerentes” (ETERNA APRENDIZ, 20 out. 2014).

Ao acionar a expressão “textos coerentes”, Eterna Aprendiz evidenciou que concebe a coerência textual como uma qualidade imanente dos textos, que podem ser categorizados como coerentes ou não. Destaca-se também, nos diálogos tecidos com essa professora sobre a questão da coerência, a noção de boa formação textual, entendida como um aspecto visível nos textos que apresentam partes constituintes nitidamente organizadas e que são escritos de acordo com a ortografia oficial da língua portuguesa. Textos estruturalmente mal organizados e com desvios ortográficos muito salientes são considerados “impublicáveis” (ETERNA APRENDIZ, 20 out. 2014), o que denota a influência da tradição dos estudos gramaticais (GERALDI, 2010) nas concepções e apreciações que Eterna Aprendiz faz sobre o texto.

Segundo Koch e Travaglia (2011), a noção de boa formação textual não se assemelha ao conceito de gramaticalidade usado pelos gerativistas para os estudos linguísticos no nível da frase. Trata-se de um conceito, formulado no âmbito dos estudos textuais, para designar o funcionamento do texto como meio de entendimento entre os interlocutores num processo de interação verbal. Representa, portanto, “uma boa formação em termos da interlocução comunicativa” (KOCH & TRAVAGLIA, 2011, p. 13). Isto é: diz respeito à inteligibilidade do texto (à coerência), que pode ser construída pelos interlocutores numa situação de comunicação específica, pressupondo as intenções e estratégias mobilizadas pelo locutor para se fazer entender e a capacidade do interlocutor para calcular, dialogicamente, os sentidos do texto.

Ao classificar alguns dos textos produzidos por seus alunos como “impublicáveis” (ETERNA APRENDIZ, 20 out. 2014), devido à presença de palavras escritas em desacordo com a ortografia padrão da língua e a algumas questões pontuais observadas na estrutura desses textos, Eterna Aprendiz expressou atribuir alto valor normativo às produções textuais de seus alunos; um tipo de atitude que se sintoniza mais com a tradição dos estudos gramaticais, e não com as proposições advindas da Linguística Textual contemporânea sobre o texto em sala de aula. Conquanto a professora nos dissesse que procure fazer revisões nos textos dos seus alunos, para torná-los publicáveis, a categorização que construiu sobre esses textos evidenciou-nos uma atitude normativa sobre a produção textual, haja vista a