• Nenhum resultado encontrado

Constituição de 1988 sob a óptica do economista

(FREITAS, 2008)

A Constituição de 1988 foi peça fundamental para o avanço da democracia, pelo menos no seu aspecto formal, mas constituiu um fracasso no campo econômico.

A gravidade do texto aprovado pode ser mensurada pelas dez das suas mais evidentes dis-torções:

aumentou as vinculações de receitas a determinadas despesas, uma forma primitiva de

::::

estabelecer prioridades, assim como elevou as transferências estaduais e municipais; essas transferências não serviram para fortalecer os Estados e os municípios, mas para aumentar a folha de salários; eles continuam pedindo mais recursos federais.

incorporou tributos cumulativos (em cascata) para financiar a seguridade social, numa

evi-::::

dente contradição com as regras do sistema tributário nacional, desfigurado em sua funcio-nalidade; as contribuições sociais se tornaram fonte de ineficiência e reduziram a compe-titividade das empresas (distorção recentemente atenuada com a reforma do PIS, pela Lei 10.637, de 2002, e da Cofins, pela Lei 10.833, de 2003).

recriou o velho Regime Jurídico Único para o funcionalismo público; num só golpe, 400 mil

::::

“celetistas” se transformaram em servidores estatutários, com direito a estabilidade e apo-sentadoria integral; a administração pública se tornou inflexível e as despesas de pessoal explodiram (distorção interrompida com a reforma constitucional de 2000).

ampliou a estabilidade do servidor público e eliminou a competência do presidente da

::::

República para dispor sobre estruturação, atribuições e funcionamento dos órgãos da ad-ministração federal.

constitucionalizou vários monopólios estatais, quando o mundo inteiro já se encontrava em

::::

avançado estágio de reforma do Estado.

criou restrições genéricas ao investimento estrangeiro; na época, a China comunista, com

::::

dez anos da revolucionária modernização de Deng Xiaoping, já havia incluído medidas para a atração de capitais estrangeiros.

fixação da taxa de juro em 12% ao ano (erro já reparado pela EC 40, de 2003).

::::

incorporou excessivamente os direitos trabalhistas, ensejando uma barreira à modernização

::::

da Justiça do Trabalho e das relações trabalhistas; o artigo 7.º da CF lista 34 direitos trabalhistas, nível de detalhes antes só previsto em portarias ministeriais.

incorporou também excessivamente as funções e as garantias do Poder Judiciário.

::::

regulou sobre a segurança pública e engessou a organização das polícias (o artigo 144 da CF

::::

estabelece cinco tipos de polícia).

137 | O milagre econômico brasileiro e a crise dos anos 1980

Imbuídos da missão de “resgatar a dívida social”, os membros da Assembleia Nacional Consti-tuinte se convenceram da possibilidade de trazer o céu para os brasileiros. Buscaram distribuir uma riqueza inexistente.

O artigo 6.º da CF assegura direitos sociais sem levar em conta a disponibilidade dos meios necessários à sua implementação, como se as carências humanas se resolvessem a golpes de artigos, incisos e alíneas.

Na ordem econômica enunciada no artigo 170 da CF, surgiu o princípio da função social da propriedade. Esse princípio limita o direito de propriedade (um dos principais incentivos à formação do sistema capitalista) por um conceito nebuloso, sujeito a distintas interpretações. Para os adeptos do sistema de mercado, a propriedade exerce a sua função social quando contribui para incentivar o investimento e gera emprego e renda numa economia competitiva, fundada em instituições. Para os socialistas, a função social da propriedade é redistribuir riqueza sob o comando do Estado.

A Constituição nasceu velha e se tornou um obstáculo ao desenvolvimento. Não serviu para a construção de um quadro institucional capaz de apoiar a democracia, o desenvolvimento sustentável da economia e a distribuição adequada de seus frutos.

A inspiração básica dos membros da Assembleia Nacional Constituinte concentrou-se no mo-delo português, rotulado de “Constituição-dirigente”, concebido a partir da obra “Constituição diri-gente e vinculação do legislador”, de autoria de Joaquim Gomes Canotilho, português, constitucio-nalista.

A Constituição portuguesa passou, no entanto, por mais de uma revisão quinquenal por meio das quais foram extirpados os principais equívocos.

A Constituição brasileira foi revista apenas uma vez e, mesmo assim, sem se tocar nos seus graves problemas estruturais. O seu aperfeiçoamento (a fim de possibilitar a remoção de monopó-lios estatais, diminuição de privilégios de certas categorias do servidor público e outras mudanças) vem sendo implementado por meio de emendas, envolvendo um lento e complexo processo de negociação.

O Brasil praticamente não cresce (ou cresce muito pouco) desde meados dos anos 1980. A causa não está em políticas econômicas neoliberais. A grande causa estrutural foi a CF de 1988 ao criar um nível de despesas obrigatórias incompatível com o estágio de desenvolvimento. Os gastos obrigatórios alcançam 33% do PIB. Computados os desembolsos mínimos com investimentos e despesas de custeio, o setor público despende perto de 40% do PIB. Os investimentos encolheram: o governo federal investia 2,3% do PIB em infraestrutura e outras áreas, em 1987, contra apenas 0,4% do PIB, em 2004.

Além de contribuir para a concentração da renda, a CF de 1988 prejudicou o desempenho do país em três áreas: a infraestrutura (pela queda do investimento); a taxa de poupança do setor público (menos de 3% em 2004 contra quase 5% nos anos 1970); e o sistema tributário (de 1987 a 2004, a carga subiu de 23% para 37% do PIB). Com o aumento das transferências para Estados e municípios, o governo federal teve de recorrer a incidências tributárias não partilháveis ou vinculáveis, mas de péssima qualidade (Cofins, PIS-Pasep, CPMF). Com a atribuição dada aos Estados para legislar sobre o ICMS, o tributo tem hoje 27 regimes diferentes, com incontáveis mecanismos de incentivos,

138 | O milagre econômico brasileiro e a crise dos anos 1980

Mas está nascendo um novo modelo de desenvolvimento para o Brasil. Esse novo modelo tende a ser caracterizado por três elementos básicos:

democracia.

::::

economia orientada pelo mercado.

::::

políticas sociais focalizadas nos segmentos menos favorecidos.

::::

Há alguns sinais muito claros do novo modelo nos mais diversos lugares: na economia (nova classe empresarial não dependente do Estado, êxitos na desestatização, sistema financeiro sólido, agronegócio; ruptura gradual com o dirigismo na economia); na sociedade (crescente disposição das pessoas para ajudar em causas nobres, o voluntariado); na política (intolerância à inflação e à corrupção); na educação (universalização do ensino fundamental, ampliação do ensino superior); nas áreas fiscais e monetárias (contribuição para a preservação da estabilidade; a partir de meados dos anos 1980, edificamos avançadas instituições fiscais e monetárias); e no Estado (autonomia e credibilidade do BC e das agências reguladoras, além do Ministério Público; melhoria das institui-ções regulatórias).

O grau de transparência e previsibilidade das instituições econômicas viabilizou o funciona-mento no Brasil da chamada “disciplina de mercado”, ou seja, a constituição de uma barreira à irres-ponsabilidade na gestão macroeconômica.

O Brasil está a caminho de consolidação e aperfeiçoamento de suas instituições. Já conta com uma razoável economia de mercado e com uma importante democracia de massas.

Atividades

139 | O milagre econômico brasileiro e a crise dos anos 1980

2. Identifique os principais setores no milagre econômico e analise seus desempenhos.

140 | O milagre econômico brasileiro e a crise dos anos 1980

141 | O milagre econômico brasileiro e a crise dos anos 1980

Gabarito

1. Os anos de 1962 a 1967, que precederam o Milagre, tiveram como foco principal o combate ao

processo inflacionário e a instabilidade política com o lançamento do Plano de Ação Econômica do Governo (Paeg) em 1964. E, com isso, a economia brasileira cresceu em média no PIB 4,0% ao ano e na indústria 3,7%. Esses valores para a época eram moderados e até mesmo baixos devido à capacidade produtiva da economia brasileira, que apresentava condições de crescer acima de 8% ao ano em virtude dos fortes investimentos públicos e privados nos final da década de 1950. Pode-se argumentar que o país apresentava capacidade ociosa, isto é, não utilizava totalmente a produção instalada. Esse fato era justificado pela redução no nível de demanda, devido ao aumento nos juros e na redução dos gastos do governo.

2. Entre 1968 a 1973, a agricultura cresceu em média 4,5% ao ano. Uma taxa expressiva se comparada

com os anos anteriores, mas não suficiente para absorver grande parte da mão de obra pouco qualificada. Coube, em grande medida, ao crescimento da construção civil corrigir o problema do subemprego e desemprego. Em 1968, a construção civil cresceu acima de 16%, em termos reais

(m2 construído). Com a expansão do crédito via o Banco Nacional de Habitação (BNH), o setor

não parou de expandir. Em todo o milagre, cresceu a taxas superiores a 10%, sendo que em 1972 cresceu 17,9% e no ano seguinte 20,9%. Além de realmente “puxar” a economia a construção civil gerou muito emprego nas grandes cidades, em especial Rio de Janeiro e São Paulo.

A indústria de transformação cresceu a uma taxa superior a 10% ao ano no milagre econômico. Os principais segmentos que se beneficiaram dessa expansão foram a metalurgia, química, petroquímica e produtos minerais não metálicos (cimento, papel e celulose). E contaram com um forte fomento do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDE), do Banco do Brasil (BB), da Caixa Econômica Federal (CEF) e benefícios fiscais para a concentração industrial nas grandes empresas e, com isso, fortalecendo e consolidando um modelo brasileiro de capitalismo industrial.

3. A economia brasileira inicia os anos 1980 com uma inflação fora do controle, de 110,2% e um

grande déficit comercial de US$2,8 bilhões. A economia cresce 9,2% em 1980, impulsionada ainda pelo II PND, mas no ano seguinte não tem mais força, registrando uma queda no PIB de 4,3%. Contudo, o principal problema da economia estava na crise externa e na inflação elevada e procurou-se inicialmente controlar a taxa de juros, incentivar o crédito à produção agrícola para gerar uma superprodução e, assim, pressionar a queda do nível de preços. No setor externo, o governo buscou desvalorizar a moeda e controlar a dívida externa que estava em torno de 70% na mão das empresas públicas e 30% nas empresas privadas. Contudo, a economia mundial, em especial os Estados Unidos, estava passando por sérias dificuldades com a elevação da inflação, sendo que a taxa de juros internacional tornou-se extremamente elevada, prejudicando a dívida externa brasileiro. Em 1982, com baixo volume de reservas internacionais devido aos sucessivos déficits comerciais e à dificuldade de renegociar a dívida externa, o Brasil realiza um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

142 | O milagre econômico brasileiro e a crise dos anos 1980

4. A queda rápida da inflação aumentou os salários reais e tornou os juros reais negativos, com isso,

o consumo das famílias e o investimento explodiram. Como o governo não realizou um ajuste fiscal em 1986, o déficit público se manteve na ordem de 3,7% do PIB. A pressão de demanda e com o problema da escassez de produtos básicos, como o leite, carne, automóveis, trigo, açúcar, entre outros, prejudicou a manutenção dos preços. Enfim, problemas na condução das políticas econômicas geraram o insucesso do Plano Cruzado no final de 1986.

O Plano Real e a estabilidade